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Negociação preventiva: O caminho para o achatamento da curva no judiciário?

Em que pese a extrema necessidade de medidas para remediar as consequências da pandemia, estima-se que a estruturação do PL apresenta lacunas, as quais devem ser suprimidas agora no Senado.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Atualizado em 7 de julho de 2020 08:15

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20 de julho de 2020

Não restam dúvidas que o cenário desastroso gerado pela pandemia do coronavírus (covid-19) vem exigindo dos governantes a adoção de medidas emergenciais a fim de contornar, não só, as consequências enfrentadas pelo sistema de saúde, mas também financeiras e econômicas de todas as esferas.

Até porque, em razão da famigerada "quarentena", muitos agentes econômicos foram obrigados a suspender suas atividades, ocasionando, assim, um efeito dominó referente ao não cumprimento das obrigações.

Bem por isso, pesquisas indicam que o Poder Judiciário deverá sofrer ainda mais com o aumento dos litígios e demandas a serem distribuídas, sendo absolutamente alarmante tal circunstância.

Porém, como se faz o "achatamento dessa curva" em se tratando de demandas judiciais? É certo que o instituto da Recuperação Judicial e Falência serão amplamente utilizados, pelo menos é o que prevê o estudo realizado pela Alvarez & Marsal1, mas será que esses são os únicos instrumentos?

Frente à situação posta, deve-se enaltecer o projeto de lei ("PL") 1.397/20, de ordem emergencial, o qual já foi aprovado na Câmara dos Deputados e se encontra em trâmite no Senado Federal, trazendo em seu texto medidas de prevenção à insolvência.

E sem dúvida alguma a joia desse novo PL é o instrumento da negociação preventiva, novidade esta que, curiosamente, não vem sendo tratada pela mídia com a devida importância. Tal medida foi nitidamente inspirada no direito francês, visando consolidar uma forma efetiva de solução de conflitos, além da não asfixia do Poder Judiciário, enaltecendo a autocomposição.

Será a negociação preventiva o mecanismo a ser utilizado para achatar a curva das demandas judiciais?

Para responder a esta valiosa pergunta, deve-se, antes, efetivar uma abordagem técnica acerca dos artigos 6º e 8º do referido PL 1.397/20, que trazem a temática da solução alternativa de conflitos, com vistas a aferir sua efetividade e consequências, sempre tangenciando o cenário da Recuperação Judicial.

Pois bem, em análise detalhada, verifica-se que foi instituído um único critério objetivo para requerimento da negociação preventiva, qual seja, a comprovação da redução do faturamento mensal igual ou superior a 30% comparado com a média do último trimestre correspondente (artigo 6º §2º).

Além disso, o PL busca conferir a efetividade e segurança através do aval do Poder Judiciário para dar início à negociação preventiva e à homologação a partir do "relatório de negociações".

Em que pese a extrema necessidade de medidas para remediar as consequências da pandemia, estima-se que a estruturação do PL apresenta lacunas, as quais devem ser suprimidas agora no Senado.

Isto é, em primeiro ponto, não há qualquer contrapartida ou garantias aos credores ou, ainda, limites razoáveis para balizar as negociações, tornando livre a negociação, porém sem atrativos.

A ausência de delimitações pode vir a causar a falsa impressão que trata-se somente de concessão de moratória ao devedor. Isso porque, não sendo verificado o real interesse do devedor ao requerer a negociação preventiva, a função do instituto poderá se limitar a suspensão de atos de constrição ao patrimônio do devedor por 90 (noventa) dias, sem que existam perspectivas de uma negociação viável, possibilitando a utilização fraudulenta que fragiliza o instituto da negociação.

Ou seja, ainda que a intenção do legislador seja louvável (promover a negociação e desestimular a judicialização), sabe-se que qualquer aresta poderá ser aproveitada por aqueles que somente pretendem se valer do instituto para seu próprio interesse.

Nota-se, sob o prisma do credor, que inexistem incentivos reais à negociação, tal como aquele dado aos credores que firmarem contratos de empréstimo, caracterizando a extraconcursalidade do crédito em caso de Recuperação Judicial, extrajudicial ou, em caso de falência, a inserção nos termos do inciso V do artigo 84 da lei 11.101/05, conforme parágrafo único do artigo 4º2.

E para que não fiquemos apenas no campo da retórica e críticas ao elogiável PL 1.397/20, por que não incorporar ao texto em tramite no Senado a ideia contida no Código Comercial Francês, em que há a disposição expressa de privilégios aos credores que participarem das negociações com o devedor, visando a manutenção da empresa3?

Veja-se que o entendimento do legislador francês se coaduna com princípio maior que rege a recuperação judicial, insculpido no artigo 47 da lei 11.101/05, garantindo preservação da empresa, sua função social e econômica.

E quando se fala de privilégios, pode-se sugerir (I) o status de credor extraconcursal em uma eventual Recuperação Judicial ou Falência ou, ainda, (II) em um recebimento dentro da Recuperação Judicial ou Falência, porém de forma mais célere e com previsibilidade, podendo-se, inclusive, utilizar a regra específica para a Classe Trabalhista (em até 1 ano da homologação do plano).

É certo que o tema é complexo e demanda estudo e dedicação não apenas do legislador, mas de todos os profissionais da área, até porque a metodologia a ser aplicada deve prever o maior número de hipóteses, justamente para que não haja a deturpação do instituto por aqueles "aproveitadores".

Porém, em estudo analítico, em havendo tal implementação (ou alguma outra nesse sentido), estará se estimulando a negociação de modo que o credor que aderir terá uma garantia no recebimento de seu crédito, fato este hoje inexistente.

Os desafios são inúmeros, ainda mais quando as medidas precisam ser tomadas de forma URGENTE, porém pondera-se que um simples ajuste pode tornar os instrumentos melhores e mais efetivos, trazendo maior segurança jurídica e previsibilidade ao ordenamento.

O fato é que o instituto da negociação preventiva assume uma responsabilidade significativa no cenário brasileiro, onde a economia flerta com o colapso a todo momento, transformando-se a busca pela preservação das empresas em um dever público, a fim de evitar maiores danos à sociedade.

Diante disso e ressaltando a magnitude do projeto de lei 1.397/20, bem como a dedicação louvável do corpo técnico de elaboração, este artigo visa trazer a lume mínimas sugestões para o aperfeiçoamento do instituto da negociação preventiva, o qual, por certo, deve ser incorporado no projeto ordinário de alteração da legislação falimentar (PL 6.229/05), dado o seu protagonismo.

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2 Art. 4º Durante os períodos de que tratam as Seções II e III deste Capítulo, o devedor requerente poderá celebrar, independentemente de autorização judicial, contratos de financiamentos e operações de desconto de recebíveis com qualquer agente financiador, fundos de investimento, inclusive com seus credores, sócios ou sociedades do mesmo grupo econômico, para custear sua reestruturação e as despesas de reestruturação e de preservação do valor de ativos. Parágrafo único. O crédito decorrente do financiamento e de operações de desconto fornecido entre 20 de março de 2020 e o término da vigência desta Lei será considerado não sujeito aos efeitos da recuperação extrajudicial ou judicial e, em caso de falência, será enquadrado no inciso V do caput do art. 84 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

3 En cas d'ouverture d'une procédure de sauvegarde, de redressement judiciaire ou de liquidation judiciaire, les personnes qui avaient consenti, dans le cadre d'une procédure de conciliation ayant donné lieu à l'accord homologué mentionné au II de l'article L. 611-8, un nouvel apport en trésorerie au débiteur en vue d'assurer la poursuite d'activité de l'entreprise et sa pérennité, sont payées, pour le montant de cet apport, par privilège avant toutes les autres créances, selon le rang prévu au II de l'article L. 622-17 et au II de l'article L. 641-13. Les personnes qui fournissent, dans le même cadre , un nouveau bien ou service en vue d'assurer la poursuite d'activité de l'entreprise et sa pérennité bénéficient du même privilège pour le prix de ce bien ou de ce service. Cette disposition ne s'applique pas aux apports consentis par les actionnaires et associés du débiteur dans le cadre d'une augmentation de capital. Les créanciers signataires de l'accord ne peuvent bénéficier directement ou indirectement de cette disposition au titre de leurs concours antérieurs à l'ouverture de la conciliation.

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*Bruno Prima é especialista em Direito Empresarial e em Falências e Recuperação de Empresas. Pós-graduado em Direito Processual Civil. Graduado pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Advogado membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/RJ. Sócio do escritório Teixeira Prima & Butler Advogados.

*Isabela Dunaev é especialista em Recuperação Judicial e Falências. Pós-graduada em Direito Empresarial. Graduada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Advogada colaboradora do escritório Nascimento e Rezende Advogados.

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