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Avaliação da possibilidade de aplicação do artigo 256 da lei 6.404/76

As hipóteses previstas pela Lei das Sociedades Anônima que obrigam os administradores de empresas a deliberarem em Assembleia Geral as aquisições dispendiosas de controle de outras companhias.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Atualizado às 08:35

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O artigo 256 da lei 6.404/76 (conhecida como a Lei das Sociedades Anônimas - LSA) prevê as hipóteses em que há a obrigatoriedade de deliberação em Assembleia Geral sobre a compra de controle por uma companhia aberta de qualquer outra sociedade mercantil. A finalidade do dispositivo legal, é determinar que as operações de compras dispendiosas que envolvam recursos relevantes da compradora, sejam remetidas obrigatoriamente à AGO.    

Referida disposição protege o direito de avaliação e de posicionamento dos acionistas acerca da aquisição de controle considerada expensiva, dessa forma, caso não haja a convocação da Assembleia e a ponderação dos acionistas, os administradores podem vir a ser responsabilizados.

Nesse sentido, consoante decisão da CVM (registro COL 4.100/03)1, a compra do controle de outra sociedade pode ser tanto parcial, quanto total, o que importa para haver a possibilidade de aplicação do artigo 256, é que o comprador assuma a responsabilidade de controlador.

Por outro lado, nesta linha de raciocínio, o mesmo relatório ponderou que, caso o comprador já seja um controlador e apenas obtenha um reforço do seu controle, a princípio, para efeitos do dispositivo legal, não haveria compra de controle, e sim, apenas um suplemento deste.

Dessa maneira, caso a operação se trate, de fato, de compra de controle por uma sociedade aberta de qualquer outra companhia, a devida averiguação da configuração das duas hipóteses previstas pelo artigo 256, é de suma importância.

Caso uma das hipóteses previstas seja preenchida, em atenção aos princípios da publicidade e da transparência, a proposta ou o contrato de compra, bem como o laudo de avaliação, elaborado em observação ao artigo 8º, §§ 1º e 6º, da LSA, devem ser submetidos à avaliação prévia e autorização dos acionistas, ou à sua ratificação.

A primeira situação prevista pelo inciso I, do dispositivo em apreço, é a necessidade da designação de Assembleia Geral quando o preço de compra constituir para a compradora um investimento relevante. Nos termos do artigo 247, parágrafo único da LSA, por investimento relevante entende-se: (I) o valor contábil igual ou superior a 10% (dez por cento) do valor do patrimônio líquido da companhia (em cada sociedade coligada ou controlada), ou (II) o valor contábil igual ou superior a 15% (quinze por cento) do valor do patrimônio líquido da companhia (no conjunto das sociedades coligadas e controladas).

Logo, se o preço de compra comparado com o patrimônio líquido for inferior a 10% em cada sociedade coligada, ou a 15% no conjunto das sociedades coligadas e controladas, não há a exigência de deliberação sobre a operação em Assembleia.

O segundo critério de avaliação exposto pelo inciso II, é o de ágio pago pela companhia compradora na operação. Determina o inciso que, há a obrigação da deliberação dos acionistas quando o preço médio de cada ação ou quota ultrapassar uma vez e meia o maior dos seguintes valores:

a)  Da cotação média das ações em bolsa ou no mercado de balcão organizado, durante os 90 (noventa) dias anteriores à data da contratação;

b)  Do valor do patrimônio líquido da ação ou quota, avaliado o patrimônio a preços de mercado;

c)  Do valor do lucro líquido da ação ou quota, que não poderá ser superior a 15 (quinze) vezes o lucro líquido anual por ação nos dois últimos exercícios sociais, atualizado monetariamente.

Tais mecanismos de avaliação permitem: (I) a verificação de possível abusividade na definição do preço de compra, e (II) o controle da conduta negocial dos administradores envolvidos na operação. Nessa esteira, conforme pontuado pelo julgamento da CVM (relatório 8.583/13)2, nota-se que, no dispositivo legal, há uma preocupação com os acionistas, especialmente os minoritários, em operações de compra que podem ensejar eventuais abusos de controle.

A área técnica da CVM possui o entendimento consolidado3 de que, caso o preço médio de cada ação ou quota adquirida já seja menor que uma vez e meia um dos valores dispostos nas alíneas "a", "b" e "c", dispensa-se o cálculo dos demais. Isso porque, se o valor já for inferior do que uma das determinações, consequentemente o será nas outras. Portanto, a verificação de todos os três valores só é necessária quando o preço médio ultrapassar uma vez e meia a um dos critérios, devendo se checar os demais.

Importante pontuar que, o cálculo do patrimônio líquido a preços de mercado, previsto pela alínea "b" do inciso II, se dá pela avaliação isolada do valor dos itens do ativo, subtraído do passivo, da Sociedade a ser comprada, em um cenário de liquidação ordenada. Nesse sentido, consoante elucidado pela decisão da CVM4, referida metodologia busca estimar o valor pelo qual os ativos de uma empresa poderiam ser vendidos em condições de liquidação ordenada, simulando um cenário de encerramento das atividades da sociedade e a consequente alienação dos bens integrantes do seu patrimônio. Portanto, devem ser avaliados os bens passíveis de alienação e contabilização. Ocorre que, a previsão do artigo 256 impossibilita a avaliação do valor econômico da empresa em si, afora a contabilização dos seus bens.

Há casos específicos em que há a necessidade da aplicação menos literal e tradicional da lei, como o julgado pela CVM (relatório 8.583/13)5. Em referido processo administrativo, a questão da avaliação do patrimônio líquido a preços de mercado foi dirimida pela possibilidade de avaliação do patrimônio de um shopping, através do método de fluxo de caixa descontado.

Como pontuado anteriormente, a devida avaliação dos valores elencados pelo artigo 256 é extremamente importante, visto que, caso a compra se enquadre dentre as hipóteses previstas, e não seja efetuada a deliberação sobre a operação em Assembleia Geral, os administradores serão responsabilizados, e responderão na esfera administrativa.

Outro aspecto relevante previsto pelo dispositivo legal é o direito de recesso dos acionistas dissidentes, podendo estes, retirar-se da sociedade e ser reembolsados no valor de suas ações. Referida possibilidade demonstra a preocupação do artigo 256 em preservar a vontade dos acionistas minoritários, caso discordem com a operação.

Aludida hipótese só se configura nos casos em que o preço médio de cada ação ou quota ultrapassar uma vez e meia o maior dos valores elencados pelo inciso II, não se aplicando quando a compra se tratar apenas de investimento relevante.  

Não obstante a previsão do direito de retirada, conforme o artigo 137, inciso II, da LSA, não terá direito de retirada o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado, considerando-se haver:                              

a) liquidez, quando a espécie ou classe de ação, ou certificado que a represente, integre índice geral representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela CVM; e

b) dispersão, quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação.

Os critérios dispostos pela alínea "a" e "b" são cumulativos, portanto, o acionista para "perder" o seu direito de retirada deve possuir ação de espécie ou classe que tenha tanto liquidez, quanto dispersão no mercado.

Ademais, consoante Nelson Eizirik in Borges (2013), as ações em questão devem ser avaliadas em relação a cada classe ou a cada espécie e não ao total das ações emitidas pela empresa. Logo, percebe-se que apesar de haver a previsão de condições que retirem o direito de recesso dos acionistas dissidentes, estas são consideravelmente remotas.

Como demonstrado, observa-se que o artigo 256 é um dos dispositivos inseridos na Lei das Sociedades Anônimas que guarnece o interesse dos acionistas, principalmente dos minoritários, em operações relevantes que envolvam alteração de controle das companhias abertas, retirando a autonomia dos administradores sobre o feito. 

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1 Wladimir Castelo Branco Castro, Diretor Relator. CVM, processo nº RJ 2002/07888 - Registro COL 4100/2003. Disponível clicando aqui. Acesso em: 26 de Junho de 2020.

2 Otavio Yazbek, Diretor Relator. CVM, processo nº RJ 2010/14254 - Relatório n.º 8583/2013. Disponível clicando aqui. Acesso em: 26 de Junho de 2020.

3 Dov Rawet, Analista GEA-4. RA/CVM/SEP/GEA-4/Nº030/12 nos Processos CVM nºs RJ-2010-14254, RJ-2010-16807 e RJ-2011-11772clicando aqui. Acesso em 08 de Julho de 2020.

4 Otavio Yazbek, Diretor Relator. CVM, processo nº RJ 2010/14254 - Relatório n.º 8583/2013. Disponível clicando aqui. Acesso em: 26 de Junho de 2020.

5 Idem.

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Bocayuva, Amir. CVM se pronuncia sobre a avaliação pelo critério de patrimônio líquido a preços de mercado. BM&A Review, 2013. Disponível clicando aqui. Acesso em: 26 de Junho de 2020.

BORGES, Pedro Pio. O direito de retirada nas sociedades anônimas. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), 2013. Disponível clicando aqui. Acesso em: 26 de Junho de 2020.

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*Carolina Louzada Petrarca é sócia do Petrarca Advogados.

*Nathalia de Assis Siqueira é administradora de empresas e colaboradora do Petrarca Advogados.

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