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É preciso fígado para lidar com a crise pós pandemia

É de se notar, nessa nova ordem mundial que se instala (pós-pandemia) uma nova etapa na jornada pelos motores da vida humana, desta vez dedicada ao fígado, como paradigma.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Atualizado às 11:05

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É de se notar, nessa nova ordem mundial que se instala (pós-pandemia) uma nova etapa na jornada pelos motores da vida humana, desta vez dedicada ao fígado, como paradigma.

Cumpre identificarmos que antes do fígado aparecer na medicina e na mitologia grega, Prometeu havia revelado aos homens o segredo do fogo e os deuses para puni-lo, acorrentaram-no em um penhasco.

Uma águia em algumas versões, e, em outras, um abutre, devorava seu fígado, que se regenerava todas as noites, renovando assim a tortura diurna: "E quando o fígado devorava", diz Ésquilo1 "na tragédia dedicada ao titã, ele incha novamente com um crescimento renovado, aqui, ela volta gananciosa em sua infame refeição".

Os antigos ainda não sabiam que uma das características maravilhosas do fígado é sua capacidade de se regenerar, mas eles ainda o consideravam muito respeitado. Talvez por causa de sua cor escura e brilhante, além de escorregadio. O seu volume: é o da maior glândula do corpo humano e pesa cerca de dois quilos. Usado para adivinhação, encontramos no Museu Cívico de Placência um famoso modelo em bronze de fígado de ovelha usado pelos harpias cerca de dois séculos antes de Cristo, o chamado fígado etrusco.

Do Oriente ao Ocidente, todo o remédio dos antigos era hepatocêntrico, isto é, o fígado, e segundo Cláudio Galeno, serve para transformar comida em sangue. Já na Ilíada era visto como o centro da vida. Mesmo que os Evangelhos não indiquem que lado do peito de Jesus crucificado foi atingido pela lança romana ("e imediatamente saiu sangue e água", diz João, em seu evangelho, 19:33-36), a iconografia quer a praga, a da incredulidade do apóstolo Tomé, tudo à altura do fígado, novamente para testemunhar sua supremacia vital sobre o coração.

É somente com os estudos fisiológicos do século XVII que a medicina se torna cardiocêntrica. Até então, o fígado e seu companheiro de vesícula cinza-verde, produtor de bile amarga, eram considerados um local para sentimentos.

De fato, a vesícula biliar era um dos pilares da doutrina hipocrática do humor - sangue, fleuma, bile amarela, bile negra - da qual deriva o temperamento do indivíduo: sanguíneo, fleumático, bilioso, melancólico.

Todas as línguas do mundo confirmam o significado psíquico do distrito hepático, especialmente em relação à coragem (ter fígado), raiva (roer o fígado ou quebrar o fígado), irritabilidade (ter um bom fígado) e até rancor ou inveja (com dor no fígado).

Sem mencionar adjetivos como biliosos, coléricos, melancólicos. Embora ele soubesse que Platão o considerava o centro da vida vegetativa, ele sempre percebia como um órgão que podia abrigar tantas expressões de personalidade.

A ruptura econômica, associada àquela social, com o esgarçamento de seu tecido gerou situação hepatocêntrinca nunca antes vista. Isso é fato, mas o exemplo da mitologia grega cai como uma luva nesse contexto. Os pessimistas de plantão, ou pior, os catastrofistas pregadores do apocalipse, podem afirmar que o momento pelo qual passamos agora é motivo de absoluta preocupação, pois sem perspectivas futuras, vêm o Judiciário atolado de demandas falimentares e recuperacionais que trarão o colapso ao sistema judicial.

Discordo, sem ter uma visão romântica, de que o momento, é de grande oportunidade. E, à reflexão pessoal, me apoio nas palavras de Boaventura de Sousa Santos, que focalizando a crise da modernidade sob o ângulo da transição paradigmática, marcada, segundo ele, pela sucumbência do paradigma sócio-cultural instituído a partir dos séculos XVI e XVII, e a emergência de um novo paradigma, envolvendo profundas transformações nos planos epistemológico, jurídico e político, elaborou crítica de uma determinada atitude perante o mundo, que chama de "Razão Indolente", e cujo cultivo, sob a inspiração do fatalismo e do determinismo conduz ao desperdício da experiência e das energias emancipatórias: "(...) se o futuro é necessário e o que tiver de acontecer acontece independentemente do que fizermos, é preferível não fazer nada, não cuidar de nada e gozar apenas o prazer do momento. Esta razão é indolente porque desiste de pensar perante a necessidade e o fatalismo (...)".2

Inegavelmente, períodos de crise fazem com que menos pessoas decidam investir e empreender (e, até mesmo, com que empresas sedimentadas encerrem suas atividades). Isso, por outro lado, obviamente, significa menor concorrência.

Uma empresa nova para que possa atingir um grau mínimo de estabilidade refletindo no retorno do capital investido, necessita de dois a três anos, em média. Logo, havendo menor concorrência, o tempo de maturação da análise econômica em seu nicho de mercado é maior. Essa maior reflexão, gera melhores retornos e a otimização do ganho de capital.

Toda crise é cíclica como, se demonstra na tragédia grega de Prometeu. Sempre há no horizonte uma renovação. Olhar pelo retrovisor, como forma de enxergar o futuro, pode ajudar, pois todas as crises mundiais tiveram ciclos de dois anos em média, ou seja, se houve uma retração no mercado, isso não significa dizer que se manterá assim ad aeternum, salvo raríssima exceções.

A crise gera novas demandas. Um fato comum de toda crise é que as formas de consumo não se esgotam, apenas se reinventam, ressurgindo das cinzas como na fênix mitológica e na tragédia de Prometeu. Isso se traduz, por produtos e serviços a preços mais competitivos, onde novos formatos de pagamentos são criados, atingindo parcelas da população que eram até então ignoradas.

Saber identificar esses setores e investir novo capital pode ser uma ótima oportunidade para quem deseja empreender em tempos de crise e tornar lucrativa sua atividade econômica. Portanto, confirma o significado psíquico do distrito hepático, acima descrito, especialmente em relação à coragem! Temos que ter fígado nesse momento!

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1- Prometeu Acorrentado, é uma tragédia grega que fazia parte da trilogia composta pelas tragédias Prometeu acorrentado, Prometeu libertado e Prometeu portador do fogo, e foi a única que destas permaneceu. É um mito grego bastante representativo na leitura do passado e do presente histórico. Seu grande significado está relacionado com a condição humana e a criação da cultura. Apesar de ser tradicionalmente atribuída a Ésquilo, a autoria dessa tragédia é alvo de controvérsia: por um lado defende-se que seja dele (neste caso, seria datada entre 452 e 459 a.C. aproximadamente), por outro, que seja de outro tragediógrafo anônimo (tendo sido composta numa data posterior, entre 450 e 425 a.C.). (pt.wikepedia.org)

2- In: Crítica da Razão Indolente, São Paulo: Cortez Editora, 2000, pág. 42.

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*Ecio Perin Junior é especialista em Direito Empresarial pela Università degli Studi di Bologna. Mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC-SP. Fundador do IBRADEMP - Instituto Brasileiro de Direito Empresarial e consultor jurídico na área de Falência e Recuperação Judicial do escritório Viseu Advogados.

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