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A pandemia de contratações públicas sem licitação

Uma singela análise sobre as obrigações dos gestores e servidores dos municípios frente ao enfrentamento à pandemia ocasionada pela covid-19

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Atualizado às 11:15

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É de conhecimento de todos que o nosso país e o mundo todo enfrentam a maior crise sanitária do século em razão da proliferação do vírus covid-19, que fez com que a OMS - Organização Mundial da Saúde decretasse uma pandemia mundial e que governantes de todo mundo adotassem medidas extremas para contenção da doença. A referida pandemia trouxe impactos grandiosos na economia, nas relações sociais, na saúde brasileira e por fim, no âmbito jurídico.

Nesse mesmo sentido, o estado de calamidade pública, dentre outras, possibilitou o aumento do gasto público, o não cumprimento da meta fiscal anual estabelecida pelas leis orçamentárias e, em especial, a realização de contratações diretas pela Administração Pública, sem necessidade de licitação.

No que tange as licitações, a legislação pátria, visando evitar fraudes e ainda, uma espécie de favoritismo, consolidou ao longo dos anos que todas as contratações públicas, sejam elas obras, serviços, compras, alienações, devem obrigatoriamente ser realizadas mediante procedimento específico, denominado de licitação pública, visando, principalmente, assegurar a igualdade de condições a todos os concorrentes.

Tal previsão já era contida no artigo 24, inciso IV da lei 8.666/93 (Lei de Licitações) e foi mais detalhada na novel lei 13.979/20, aprovada pelo Congresso Nacional para contenção da pandemia e parcialmente alterada pela edição da medida provisória 926/20 pelo presidente da República.

Portanto, o principal objetivo de tais medidas foi de flexibilizar o enfrentamento da pandemia, em especial, criando um novo conjunto de regras específicas para contratações do Poder Público, com o fito de deixar de lado qualquer aspecto burocrático até então existente. Ou seja, flexibilização enquanto perdurar o estado de emergência e calamidade pública.

Assim, é indiscutível que situações excepcionais exigem soluções excepcionais. Contudo, isto não permite que determinado gestor público, seja em que âmbito for, atue de maneira arbitrária ou que possa gerar danos irreversíveis, de maneira inconsequente aos cofres públicos. Em outras palavras, todo gestor público deve observar critérios legais, além do interesse público e a necessidade sanitária efetiva antes de qualquer decisão.

Nesse diapasão, mesmo em períodos de crise, a regra embutida em nossa Constituição Federal, qual seja, da transparência, não pode ser excepcionada, visto se tratar de um direito fundamental e de extrema importância.

Assim, a pandemia do covid-19 não pode ser encarada como um cheque em branco ou um cartão de crédito sem limites, devendo existir respeito a inúmeros princípios importantes que regem a Administração pública, tais como os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência. E não só respeito a tais princípios, mas também, ao dinheiro público.

Complementa-se ainda que não pode determinada administração, seja ela direta ou indireta, contratar por dispensa de licitação, serviços, obras ou ainda, efetuar compras que não tenham relação com ações diretas, efetivas e necessárias ao combate da pandemia, sob pena de caracterização de crime de dispensa indevida de licitação e até mesmo, ato de improbidade administrativa.

Ademais, mesmo que determinada que uma compra ou contratação seja realizada através da dispensa dentro das hipóteses legais, a administração pública deve buscar, minimamente, garantir a efetivação do princípio da isonomia, buscando o maior número de prestadores de serviços interessados em determinada contratação, bem como, diligenciar em busca de uma efetiva pesquisa de preços para que a compra pública seja a mais vantajosa possível para a necessidade em questão.

Portanto, fundamental a transparência dos atos públicos, por meio de atos íntegros, visando a facilitação do acesso à informação para a população como um todo.

Assim sendo, inúmeras foram as modificações legislativas introduzidas em nosso ordenamento jurídico, visando garantir e viabilizar soluções jurídicas adequadas para que determinada administração possa enfrentar a pandemia do covid-19. Contudo, essa, através de seus respectivos gestores, precisa ser ponderada, não podendo existir uma pandemia de contratações por conta do covid-19 sem motivação plausível, sob pena de consequências jurídicas graves, tanto nas esferas administrativas, civil e penal, em caso de abusos.

E não é só. Cumpre destacarmos ainda destacarmos que apenas as alterações legislativas não serão suficientes para resolução de todos os problemas instalados pela crise sanitária. Revela-se primordial a conscientização da população quanto aos dois grandes vírus que assolam o nosso país: O covid-19 e a CORRUPÇÃO. Afinal, recursos que porventura forem desviados comprometerão frontalmente a prestação do serviço público de saúde, interferindo diretamente no sucesso do enfrentamento da pandemia.

Diante de todo o exposto, analisando a situação de crise que estamos vivenciando sob a prisma de um triângulo, cuja teoria baseia-se na tese de que a ocorrência da fraude é condicionada pela existência conjunta de três fatores: pressão, oportunidade e racionalização, resta claro que estamos diante de uma situação que fatalmente resultará em aumento acentuado da curva de fraudes e atos de corrupção, seja em qual âmbito for, requerendo máxima atenção.

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*Giovani Aragão Fernandez Gonzalez é advogado do escritório Torquato & Aragão Advogados. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdência Social pelo Centro Universitário Toledo de Araçatuba/SP.

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