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O interesse de agir como condição da ação

A importância da correta aplicação do instituto para estímulo aos meios consensuais de resolução de litígios, obtenção do resultado útil do processo e coibição da judicialização em massa dos litígios.

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Atualizado em 6 de agosto de 2020 07:46

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Quando apresentados à processualística civil, ainda na faculdade de Direito, uma das primeiras lições práticas que temos são as famigeradas Condições da Ação, que representam os requisitos essenciais para o trâmite regular da ação, a fim de se obter o almejado julgamento de mérito.

Originariamente, Erico Tulio Liebman formulou três condições essenciais da ação, quais sejam, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade ativa.

A fórmula originária foi adotada em sua íntegra por nosso diploma processual antecessor, o Código de Processo Civil de 1973. Entretanto, a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação sempre fora alvo de diversas críticas doutrinárias, sob o recorrente argumento de que há uma evidente dificuldade em distinguir a possibilidade jurídica do pedido do mérito da causa.

Atendendo ao clamor doutrinário, o Código de Processo de Civil de 2015 não fez qualquer referência a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, prevendo apenas o interesse de agir e a legitimidade ad causam, em seus artigos 17, 330, incisos II e III, 337, inciso IX, e 485, inciso VI.

Não obstante a indiscutível importância da legitimidade ad causam como condição da ação, pode se dizer que a inteligibilidade desta norma é um tanto quanto mais simples se comparada com o interesse de agir, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco:

"A legitimidade ad causam é a qualidade para estar em juízo como demandante ou demandado em relação a determinado conflito trazido ao exame do juiz. Ela depende sempre de uma concreta relação entre o sujeito e a causa e se traduz na relevância que o resultado desta virá a ter sobre a esfera de direitos do autor, seja para favorecê-la ou para restringi-la". (DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil. 3ª ed. São Paulo. Malheiros, 2018. p. 116)

Ou seja, para ter o direito de demandar em juízo é necessário que exista uma relação entre o autor e a causa, não há como postular sob a perspectiva do interesse de terceiro, pois, caso assim o fosse, teríamos um polo ativo ilegítimo.

Desta forma, resta-nos a análise do interesse de agir como condição da ação. Este, embora vastamente debatido pelos maiores doutrinadores do direito processual brasileiro, ainda é notadamente alvo de diversas dúvidas pela maioria dos profissionais do direito.

Como bem ensina Cândido Rangel Dinamarco, "o interesse de agir é o núcleo do direito de ação" (DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil. 3ª ed. São Paulo. Malheiros, 2018. p. 117).

Assim, pode-se dizer que o interesse de agir é o principal ponto a ser demonstrado por quem irá demandar por algo em juízo. Sem interesse não há utilidade da demanda, e sem utilidade não há por que demandar por tanto em juízo.

Entretanto, devido a nossa cultura de judicialização excessiva, e da consequente dificuldade dos advogados brasileiros em aceitarem os meios consensuais de resolução de litígio como uma ferramenta útil à profissão, temos uma imensidade de demandas ajuizadas, diariamente, sem a observância de tal instituto.

Para o advogado que atua contenciosamente como representante do polo passivo, é facilmente verificada a imensidade de ações que são ajuizadas sem o contato prévio entre autor e réu.

Ou seja, é comum que o autor passe por alguma situação que entende ser violadora de seu direito e, ao procurar um profissional da área para esclarecimentos acerca de seu caso, é orientado a demandar judicialmente antes mesmo de buscar a resolução consensual do litígio com o futuro demandado.

Tal postura, em tese, deveria ser notada pelo magistrado como uma evidente causa de ausência de interesse de agir, uma vez que restavam outras opções ao demandante para resolução de seu litígio antes da propositura. Mas recorrentemente vem ocorrendo o contrário.

Mesmo diante de tal afronta direta a uma condição da ação, ainda há muitos magistrados que entendem a extinção de causa por ausência de interesse de agir devido a não existência de pretensão resistida como uma afronta ao princípio da inafastabilidade do poder jurisdicional.

Vale destacar que a ausência de interesse de agir não impede que alguém demande judicialmente pela resolução de uma lide, mas sim exige que certos atributos sejam cumpridos antes de seu ajuizamento, tal como a existência de pretensão resistida.

É certo que a melhor aplicação do instituto pelo judiciário brasileiro, implicaria em um maior estímulo aos meios consensuais de resolução de litígios. Caso as partes procurassem uma resolução extrajudicial, antes do ajuizamento da demanda, a fim de se demonstrar eventual pretensão resistida, teríamos um número de resoluções consensuais muito maiores, e uma consequente diminuição de demandas sem utilidade prática.

Não obstante a já existente previsão de necessidade de audiência de conciliação prévia, é indiscutível que, ao receber a citação de uma demanda, a postura do réu consequentemente torna-se litigiosa, o que, na maioria das vezes, impede a conciliação que outrora tinha maior probabilidade de êxito.

Além do mais, destaca-se a importância do instituto para obtenção do resultado útil do processo, pois, como é sabido, o processo tem o intuito de assegurar às partes a devida prestação da tutela jurisdicional sob o prisma do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido, é impossível que se tenha um resultado útil da demanda caso inexista uma pretensão resistida inicial por parte do réu.

Mais ainda, ousa-se dizer que a correta aplicação do instituto pelo poder judiciário acarretaria em uma coibição da judicialização em massa dos litígios, um dos maiores males que assola o poder judiciário brasileiro, tendo em vista que "penalizaria" aquele que demanda sem existência de pretensão resistida, com a extinção sem resolução de mérito da sua demanda, "obrigando-o" a contatar o Réu antes reajuizar sua pretensão, a fim de sanear a condição outrora faltante.

Destarte, mesmo diante da brevidade dos argumentos aqui suscitados, é indiscutível a necessidade de maior observância de tal instituto tanto pelos advogados quanto pelos magistrados, com o intuito de que tenhamos uma justiça mais célere, útil e especializada.

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t*Bruno Caruso é advogado no escritório Araújo e Policastro Advogados e pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo - USP.

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