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A proteção do consumidor e o desserviço das notícias ruins

Preponderância de pautas negativas prejudicam a credibilidade das empresas, de órgãos de controle e não beneficiam os consumidores!

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Atualizado às 08:06

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Sempre que o assunto é sobre direitos dos consumidores, a preponderância que ressoa é do negativo, das notícias ruins, não das boas práticas. É provável, que quando Millôr Fernandes disse "jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos e molhados", tivesse em mente a ideia de que a imprensa só sobreviveria como órgão fiscalizador se mantivesse sua capacidade de pensar criticamente. O que Millôr temia era a adesão sem critérios a qualquer versão da realidade.

Sua máxima também pode ser usada para alimentar o oposto da sua intenção, servindo como justificativa para uma espécie de oposição sem critério, que fomenta uma indústria de notícias ruins, como se a tarefa de quem fiscaliza fosse a de desvelar um lado negativo de tudo.

A frase famosa foi se desgastando pelo mau uso. No limite, consegue apenas justificar versões da realidade, mas não contestá-las. A oposição vazia ou tendenciosa cultiva tão somente o conflito. Por isso, quando notícias sobre direitos dos consumidores relatam somente os problemas do mercado de consumo e visam meramente à exposição desfavorável de empresas, mesmo as infratoras, o consumidor é deixado de lado e suas demandas ficam em segundo plano. O consumidor nunca será contemplado, ou será insuficientemente, enquanto o objetivo de notícias ou indicadores for somente fazer sangrar a imagem de uma empresa ou setor.

Síndrome das notícias ruins

Carlos Castilho, professor da UFSC, aponta os efeitos da "síndrome da notícia ruim", quando a avalanche de informes faz com que o leitor/espectador tenha que escolher entre "ter ataques de fúria ou simplesmente ignorar a realidade". Em longo prazo, a hegemonia de notícias ruins reduz a confiança dos cidadãos e o denunciante também tem sua credibilidade alijada pelo sentimento de "fim do mundo" que ajudou a despertar no público.

Por isso é preciso fomentar o fortalecimento dos direitos do consumidor e do próprio mercado de consumo a partir da orientação por boas práticas.

O "Efeito Vergonha"

Para além de cultivar um sentimento de total descrédito nas instituições, o denuncismo pode vir a gerar danos irreparáveis. Certos de que, por vezes, a exposição vexatória de uma marca ou empresa pode trazer mais resultados do que apenas uma multa, alguns órgãos oficiais acabam optando pelo que se costumou chamar de "efeito vergonha", que consiste na exposição de uma empresa como forma de punição.

A intensão dessa prática é a punição de uma empresa, acreditando-se também na ideia de que a mudança de seu comportamento se dará a partir de um vexame público. Em muitos casos, ao expor uma empresa dessa forma, corre-se o risco de cometer injustiças e danos à imagem, que não são reparados com um arquivamento ou anulação de processo. Esses danos são duradouros. 

Além do mais, o "efeito vergonha" é incapaz de dar aos consumidores a garantia de que seus problemas serão resolvidos e que seus interesses estarão em primeiro lugar, como força motriz das políticas públicas ou ações corporativas focadas na proteção e defesa do consumidor.

Uma maneira dos órgãos de controle e imprensa fortalecerem seu papel é identificar e divulgar boas práticas ao invés de apenas alimentar um sistema de denuncismo, que, em último grau, coloca os próprios controladores sob suspeita pela ineficácia das práticas de exposição pública para mudança de uma conduta de determinada empresa ou setor econômico. A denúncia justa precisa ser acompanhada da publicidade de condutas exemplares. E não faltam exemplos de empresas capazes de resolver seus problemas com ética e eficiência.

Boas notícias

Da mesma forma que a notícia má se espalha, a boa também. "As pessoas gostam de notícia boa, o problema é que estão mal-acostumadas", diz o jornalista Rinaldo de Oliveira, fundador do site www.sonoticiaboa.com.br. Oliveira pratica o que gosta de chamar de jornalismo positivista, que não deixa de retratar a realidade, mas que prefere colocar na agenda do dia os fatos que envolvem transformações para melhor.

Os significados de "transformação" e "para melhor" são subjetivos, mas a proposta de Oliveira tem seu valor pelo fato de apontar para as soluções e não para os problemas.  

Ciente de que os bons panoramas não nascem por gerações espontâneas, o grupo RBS, conglomerado de mídia brasileiro, lançou neste ano a campanha "seja a boa-notícia", com a intenção de trazer as soluções criadas por pessoas e empresas para os grandes desafios relacionados à saúde e à economia em tempos de pandemia. A ideia é destacar "notícias que contribuem para o enfrentamento da crise", destaca o grupo.  

Haverá, porém, a notícia ruim disfarçada de seu oposto. Aquela falsamente positiva ou favorável apenas para uma parcela ou um grupo, mas desfavorável para o restante. Só o senso crítico pode identificá-la. Para tanto, é preciso que o cidadão seja municiado de informações claras e identifique a diferença entre fatos e versões. Dessa forma, poderá valorar o que é positivo ou negativo sem precisar que alguém diga a ele todos os dias em que acreditar.

É fundamental que clientes conheçam os erros das empresas. E também é de suma importância que conheçam seus acertos, suas propostas e iniciativas sobre como bem atender. Os casos de bom atendimento precisam ser de conhecimento público para que os usuários entendam que há empresas e órgãos fiscalizadores trabalhando em seu benefício. Dessa forma, poderá fazer a melhor escolha em sua jornada, tanto como cidadão quanto como consumidor.

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t*Vitor Morais de Andrade é sócio do escritório Morais Andrade Leandrin Molina Advogados e professor na PUC/SP. Membro do Conselho de Ética do CONAR. Vice-presidente de Relações Institucionais da Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente - ABRAREC. Mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP.

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