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10º Congresso Internacional de Direito do Trabalho

O mercado de trabalho é o espelho da economia. A pandemia trouxe à tona a má política, os erros cometidos pela Administração Pública, as deficiências do sistema de saúde, a pobreza, a desocupação, a informalidade.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Atualizado às 07:34

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Entre os dias 12 e 14 deste mês assistimos o 10º Congresso Internacional promovido pela Academia Brasileira de Direito do Trabalho (APDT). Além das cerimônias de abertura e encerramento, foram seis conferências e quinze painéis com a participação de juristas brasileiros, italianos, portugueses, marroquinos, espanhóis.

Evento de tal magnitude só foi possível, nesta época de pandemia, por ter sido executado com a utilização dos recursos da moderna tecnologia. Sem se deslocarem dos respectivos países, cidades, escritórios, salas de aula ou residências, organizadores, técnicos, conferencistas e palestrantes se manifestaram através do éter com o uso de microcomputadores. Vieram à lembrança congressos dos quais participei, como o Ibero-Americano de Direito do Trabalho, em 1974, no México, ou dos Sindicatos de Trabalhadores na Indústria em 1970, em Brasília. Há poucas semanas, congressistas, sindicalistas e advogados viam-se obrigados a arcar com despesas de viagens e hospedagens além do alcance dos patrocinadores.

A vídeo-conferência é algo fantástico. Arrasta, entretanto, alguns aspectos negativos. O expositor fica distante de invisíveis assistentes, cujas reações são impossíveis de avaliar. Os ouvintes, por sua vez, podem se distanciar, sem que se lhes note a ausência. Não nos esqueçamos, contudo, que a prática da assembleia virtual dá os primeiros passos e de que o ótimo é inimigo do bom. A vídeo-conferência, como o processo judicial eletrônico, veio para ficar e dominar. É previsível futuro desaparecimento de audiências, de julgamentos e de assembleias presenciais, para que tudo passe a ser feito pelas nuvens. Afinal, como disse o historiador egípcio Eric Hobsbawn, a globalização nada mais é do que "a abolição da distância e do tempo".

Matéria dominante do Congresso foi "O Direito do Trabalho na Era Tecnológica: descentralização produtiva e novas formas de trabalho", tema da conferência da ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Uma das palestras perguntava: O Direito do Trabalho acabou ou precisa ser reinventado?

Como todo conclave de caráter jurídico, o 10º Congresso da ABDT concentrou-se em exposições voltadas a problemas de natureza constitucional, legal e jurisprudencial. Foram investigados, por exemplo, os resultados da reforma trabalhista (Lei 13.467/17) nas decisões do STF; como distinguir a imprevisão da força maior e do factum principis; os reflexos das Medidas Provisórias 927 e 936 na crise do covid-19. Um dos painéis versou sobre desemprego, desalento, informalidade e efeitos na economia e Previdência Social.

Algumas interrogações resultam das exposições feitas pelos mestres de Direito do Trabalho. A primeira a me ocorrer diz respeito à globalização. Creio ser impossível pensar o mercado de trabalho brasileiro desconectado da economia globalizada. Por outro lado, o Brasil é país continental assolado pela desigualdade e pobreza. Desigualdade não apenas entre pobres e ricos, mas desigualdades regionais. A pandemia escancarou de maneira brutal as diferenças entre São Paulo, Rio Grande do Sul, Brasília, Santa Catarina, Amapá, Roraima, Acre, Goiás. Quem o diz não sou eu; são as notícias comprovadas por estatísticas oficiais. Em termos de mercado de trabalho, cada estado da Federação tem o seu, com exigências específicas. Já o dizia Carlos Maximiliano, nos Comentários à Constituição de 1891: "Como os Estados Unidos, é o Brasil país vastíssimo, onde só a autonomia das direções locais torna os governos eficazes, de ação pronta e segura, conhecimento do meio e familiaridade com os problemas políticos e administrativos puramente regionais".

Um dos painéis tratou do tema "O Mundo do trabalho pós Covid-19". Do primeiro para o segundo trimestre foram extintas 8,9 milhões de vagas. A falta de emprego atinge o patamar de 13,7% e o mercado informal aumentou para 33,5% em julho. São 20 milhões de desempregados e, em números gerais, 41 milhões estão sem trabalho fixo. Situação semelhante se verifica na Europa, Ásia, África e demais países da América do Sul, como Argentina, Peru, Chile.

Para o presidente Jair Bolsonaro os problemas são de outra natureza. S. Exa. está preocupado com a falta de caixa. Enfrenta difícil dilema: observa o teto constitucional de gastos, para evitar o retorno da inflação, ou usa R$ 5 bilhões que não tem a fim de atender a bancada denominada "centrão".

O mercado de trabalho é o espelho da economia. A pandemia trouxe à tona a má política, os erros cometidos pela Administração Pública, as deficiências do sistema de saúde, a pobreza, a desocupação, a informalidade. Afinal, de quanto tempo e dinheiro precisaremos para garantir trabalho decente e tornar possível, a 41 milhões de marginalizados, o resgate da dignidade? Estará o governo Bolsonaro apto a reduzir a crise até o final do mandato?

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t*Almir Pazzianotto Pinto é advogado. Ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor do livro "A Falsa República".

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