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Implicações no pagamento da "dobra" pelas empresas de petróleo e gás

A lei 5.811/72, que trata especificamente do trabalho de empregados em atividades do setor de petróleo e gás, especificamente prevê que o empregado não pode realizar escala de revezamento superior a 15 (quinze) dias.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Atualizado às 08:22

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No dia 19 de março de 2020, a Petrobrás editou uma circular no sentido de estabelecer novas medidas em plataformas para prevenção do coronavírus mediante a redução da circulação de pessoas, oportunidade na qual estabeleceu escala especial para as equipes que continuarão embarcando, aplicando isolamento prévio de 7 dias em hotel, e estendendo os dias de embarque para 21 dias a bordo e 14 dias de folga.

Contudo, a lei 5.811/72, que trata especificamente do trabalho de empregados em atividades do setor de petróleo e gás, especificamente prevê que o empregado não pode realizar escala de revezamento superior a 15 (quinze) dias, conforme se observa abaixo:

Art. 8º O empregado não poderá permanecer em serviço, no regime de revezamento previsto para as situações especiais de que tratam as alíneas "a" e "b" do § 1º do art. 2º, nem no regime estabelecido no art. 5º, por período superior a 15 (quinze) dias consecutivos. (g.n.)

Ato contínuo, da referida lei se depreende que, em caso de necessidade operacional e/ou segurança industrial, a empresa somente poderia estender os dias a bordo do empregado se realizasse o pagamento em dobro dos dias em que o empregado permaneceu embarcado além dos 15 dias, o que é conhecido usualmente como "dobra", senão vejamos:

Art. 2º Sempre que for imprescindível à continuidade operacional, o empregado será mantido em seu posto de trabalho em regime de revezamento.

(...)

§ 2º Para garantir a normalidade das operações ou para atender a imperativos de segurança industrial, poderá ser exigida, mediante o pagamento previsto no item II do art. 3º, a disponibilidade do empregado no local de trabalho ou nas suas proximidades, durante o intervalo destinado a repouso e alimentação.

Art. 3º Durante o período em que o empregado permanecer no regime de revezamento em turno de 8 (oito) horas, ser-lhe-ão assegurados os seguintes direitos:

(...)

II - Pagamento em dobro da hora de repouso e alimentação suprimida nos termos do § 2º do art. 2º; (g.n.)

Portanto, como regra geral, a "dobra" deve ser paga pela empresa quando o empregado permanecer a bordo além dos dias de escala normal, uma vez que a legislação entende que as folgas do empregado foram suprimidas quando este continuou embarcado por mais tempo do que o originariamente pactuado.

Outrossim, na prática, geralmente o acordo coletivo, ora celebrado entre o sindicato da categoria profissional e a empresa, regulamentam os casos de pagamento de "dobra", de modo a indicar que para cada um dia de embarque, o empregado possui dois dias de folga, os quais devem ser gozados ou pagos pela empresa.

Entretanto, considerando o advento da pandemia do coronavírus e a decretação de estado de calamidade pública, o Governo Federal editou a medida provisória 927/20 para autorizar a utilização de medidas trabalhistas de enfrentamento, permitindo a flexibilização das relações de trabalho como forma de tentar garantir a manutenção dos empregos.

A partir disso, o art. 2º da medida provisória 927/20, transcrito abaixo, possibilitou às empresas, mediante celebração de acordo individual, pactuar que um período de embarque superior ao limite de 15 (quinze) dias não gerará direito ao pagamento de "dobra", valendo essa disposição sobre a lei 5.811/72, bem como sobre eventual instrumento coletivo outrora celebrado.

Art. 2º  Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição. (g.n.)

Embora as relações de trabalho regidas pela lei 5.811/72 não estejam expressamente previstas como hipótese de aplicação da medida provisória mencionada, certo é que não se afasta a possibilidade de celebração de acordo individual para esse caso, haja vista que os empregados do setor de óleo e gás possuem seus contratos de trabalho regulamentados sob a diretriz principal da CLT, sendo a lei 5.811/72 apenas um instrumento utilizado para tratar das especificidades dos trabalhos executados na atividade petrolífera, sobre as quais a CLT, como conjunto de normas gerais, é omissa.

Portanto, conclui-se que a MP 927 é aplicável aos contratos de trabalho que são regidos pelas peculiaridades da lei 5.811/72, bastando, para tanto, compatibilizar as disposições da medida provisória com a lei dos petroleiros, o que é plenamente possível quando se utiliza a celebração do acordo individual para atender medidas de segurança e saúde.

Nesse ínterim, como se trata de medida temporária, revela-se pouco razoável e excessivo exigir que as empresas realizem o pagamento de "dobra" a partir do 16º dia de embarque, quando medida provisória 927/20 busca justamente estabelecer alternativas para as empresas manterem seus empregados.

No entanto, apesar da MP 927/20 ter estabelecido uma interessante alternativa para as empresas negociarem diretamente com seus empregados durante o estado de calamidade pública, verifica-se que não houve a conversão da medida em lei pelo Congresso Nacional, razão pela qual  a autorização para celebração de acordo individual, com prevalência sobre a lei e sobre instrumentos coletivos, perdeu a vigência no dia 19 de julho de 2020.

A partir disso, considerando a continuidade da crise econômica decorrente das medidas de isolamento social, necessário se revela aguardar o posicionamento do Senado Federal, com a edição de decreto legislativo, a fim de verificar como ficará a validade das disposições e das alternativas trabalhistas criadas pela MP 927/20.

Portanto, no cenário atual, tem-se como mais seguro para as empresas procurar a negociação de condições específicas perante os sindicatos da categoria profissional, haja vista que o acordo coletivo possui prevalência sobre a lei independentemente da vigência da MP 927/20, por força do art. 611-A da CLT.

Por fim, é importante ter em mente que qualquer acordo que venha substituir a lei, embora excepcional nas atuais circunstâncias, deve ser manejado por tempo determinado, enquanto permanecer a conjuntura de calamidade pública, devendo ser devidamente justificado e formalizado mediante a celebração de acordo escrito.

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t*Lorena Leal Dina é advogada trabalhista no escritório Luzone Legal, bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pós-graduanda em Novo Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).



t*Ricardo Souza Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

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