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Direito e inovação - legal design, gestão jurídica e novas competências

Aperfeiçoar os serviços jurídicos entregues às corporações e às pessoas por meio de soluções mais assertivas e criativas, sem dúvidas, é a maior contribuição dessas inovações.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Atualizado às 09:07

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As inovações tecnológicas promovem mudanças em todos os setores da economia e da sociedade. A disrupção acontece quando se observa a transformação de um mercado provocada por modelos de negócios com benefícios alternativos ao que se costumava esperar nesses espaços. Esta, contudo, não é uma unanimidade, porquanto existem posturas diferentes, como de rejeição dogmática, euforia, adaptação e aquelas voltadas a aproveitar certa janela de oportunidades.

Isto se explica, dentre outros aspectos, pelos desafios criados. Na área dos serviços jurídicos, demanda-se dos profissionais conhecimento interdisciplinar e novas habilidades, permitindo o manuseio adequado dessas soluções, atendimento das demandas de corporações e pessoas naturais, além da contribuição com o debate regulatório.

Os desdobramentos das inovações tecnológicas são múltiplos. Diferentes tipos de solicitações surgem cada vez mais rapidamente, ao lado de iniciativas para melhorar a eficiência na entrega dos serviços, ferramentas apoiadas em Inteligência Artificial (IA) e automação para reduzir o tempo dedicado a tarefas repetitivas, solicitando, desse modo, adaptação e postura empreendedora.

Legal design vem se tornando expressão recorrente para organizar soluções criativas e eficazes para problemas complexos, ao mesmo tempo em que a gestão jurídica se aproxima da análise de dados e de indicadores, requisitando-se dos profissionais novas competências e soft skills. É preciso, portanto, aprofundar a discussão acerca dessas alterações e desafios, observando o potencial para transformações significativas nos serviços jurídicos.

1. Legal design

O legal design integra a transformação digital do direito. Trata-se, em síntese, da estruturação de mapa mental destinado a aperfeiçoar os serviços jurídicos por meio da inovação. Foca-se nas demandas e necessidades das partes relacionadas, a fim de lidar com problemas jurídicos cada vez mais complexos, os quais reclamam soluções precisas que envolvem, em muitos casos, várias jurisdições e ramos do direito.

Na literatura especializada, a expressão é definida enquanto termo guarda-chuva unindo o pensamento jurídico inovador e o design thinking por meio de abordagem interdisciplinar que inclui informações, documentos, serviços, processos e sistemas jurídicos. Refere-se, por isso, a aplicação do design centrado no ser humano voltada à prevenção ou solução de problemas legais, organizando as informações de maneira a aumentar a sua clareza e compreensão, priorizando o ponto de vista dos "usuários" do direito (cidadãos, empresas, juízes, advogados)1.

Design thinking não possui significado único. Na perspectiva teórica, apoiada em pesquisas acadêmicas, aproxima-se da criação de artefatos, prática reflexiva, atividade de resolução de problemas, forma de raciocínio e elaboração de significados. Na área de gestão, a expressão se associa a conjunto de práticas, abordagens cognitivas e mindsets direcionadas ao desenvolvimento de soluções criativas, unindo design e inovação, focando em lidar com realidades complexas2.

A professora Margaret Hagan, do Legal Design Lab, na Stanford Law School, organizou a sua proposta conceitual em torno da produção de inovação apontada nos clientes, tornando os serviços jurídicos mais utilizáveis, úteis e envolventes. A aplicação do design ao campo legal objetiva gerar ideias sobre como os serviços jurídicos podem ser melhorados, aumentando rapidez e eficácia por meio de processos, mindsets e mecanismos que estruturem essas tentativas de inovação3.

Legal design é, portanto, a adoção de postura inovadora e criativa pelo profissional jurídico orientada à solução de problemas focada nas necessidades específicas dos clientes, comunicando tais informações de forma prática, clara e atraente, desenvolvendo simultaneamente novas formas de colaboração na perspectiva de estruturar nos escritórios e nos departamentos jurídicos cultura da inovação4.

Faz-se essencial, nesse sentido, compreender detalhadamente o problema a ser resolvido, as necessidades e as perspectivas dos destinatários da solução; identificar os gaps nos quais a inovação e a criatividade podem ser aplicadas; organizar procedimento factível dividido em etapas, fundamentado na síntese das informações obtidas durante a investigação do desafio; testar; analisar feedbacks; e aplicar na prática o resultado desse processo.

2. Gestão Jurídica

Há algum tempo já se discutem as mudanças a partir das quais o direito vem sendo transformado. Igualmente, não são novidades, a diversificação dos players, principalmente no cenário internacional e o impacto da tecnologia na entrega dos serviços jurídicos. Nessa conjunção de fatores, existe gap importante para refletir sobre as novas trajetórias da gestão jurídica na perspectiva da saúde estratégica de longo prazo.

No Brasil, pesquisa, realizada em 2018, investigou a inserção tecnológica de 403 escritórios de advocacia de tamanhos variados. Constatou-se o uso de softwares para auxiliar a gestão processual (77%), financeira (53%) e de documentos (26%), além de outras tarefas cotidianas (44%). Acrescente-se que 37% das sociedades que participaram do estudo afirmaram possuir equipe ou pessoa responsável pela gestão do conhecimento5.

Nos Estados Unidos, 362 escritórios informaram, em 2018, que as iniciativas mais frequentes na área de gestão jurídica visando o aumento da eficiência vincularam-se à automação (48%), treinamento e suporte contínuos em gestão de projetos (36%), manutenção de programas formais de gestão do conhecimento (28%) e renovação sistemática dos fluxos de trabalho (22%)6.

Para visualizar os benefícios dessas práticas é indispensável mensurar adequadamente os seus resultados no cotidiano do escritório ou departamento jurídico. Key Performance Indicator é um exemplo que pode colaborar com esse propósito. Quando utilizado de forma sistemática, alicerçado em indicadores amplamente aceitos e divulgados, permite observar qualitativa e quantitativamente o progresso de determinado projeto.

Legal operations surge, então, para facilitar as novas direções da gestão jurídica, enquanto agrupamento de tarefas multidisciplinares que possibilita aos escritórios e departamentos atenderem aos seus clientes de maneira mais eficaz, aplicando práticas e técnicas de gestão à prestação de serviços jurídicos. Já é utilizado para difundir e consolidar novas tecnologias na gestão jurídica, como em iniciativas associadas a assinatura digital, gestão de documentos e contratos, legal analytics e métricas diversas7.

Essas transformações dependem, no entanto, da compreensão aprofundada das necessidades das partes relacionadas em conjunto com a capacidade de transformá-las em soluções legais. Atenção, por isso, a governança da informação, gestão de conhecimento, inovação, projetos, fluxos e pessoas. Igualmente, é essencial manter disciplina operacional e rigor quantitativo para analisar dados e indicadores e acompanhar os resultados alcançados por softwares.

3. Novas competências e soft skills

O avanço da tecnologia é progressivo e exponencial. Uma das consequências desse fato é a inevitabilidade de, cedo ou tarde, trocarmos gadgets por modelos mais recentes. Ao revés, quando isto não é feito, algumas atualizações se tornam indisponíveis. Ocorre, por isso, a incompatibilidade entre a nova tecnologia e o gadget específico.

No ensino jurídico, guardadas as proporções da analogia, constatando-se a transformação da sociedade, economia e, por consequência, dos fenômenos que precisam ser tutelados pelo direito, não é apropriado manter arquétipo e didática que se ajustavam a realidades pretéritas, porquanto as competências demandadas dos profissionais de hoje não correspondem aquelas de um passado recente.

Os objetivos dessas habilidades associam-se, em resumo, a criatividade, gestão de escritórios e departamentos jurídicos, prevenção de conflitos e novas tecnologias. Alguns exemplos: perceber os problemas de forma interdisciplinar, interligando expertise legal, entendimento sobre negócios e compreensão acerca de comportamentos; estar familiarizado com a gestão consensual de conflitos; transformar as demandas da gestão jurídica em fluxos operacionais padronizados; organizar indicadores e métricas para analisar tarefas cotidianas; realizar a abordagem das demandas baseada na análise de risco; observar a entrega de serviços jurídicos sob a perspectiva da gestão de projetos;  identificar padrões e tendências em grande quantidade de dados; conhecer, ainda que minimamente, linguagens de programação e o funcionamento de algoritmos; desenvolver novos serviços e soluções.

Ao lado dessas habilidades, também se enfatiza a importância de o ensino jurídico preparar adequadamente os futuros profissionais no concernente a competências subjetivas, soft skills, essenciais para construir e manter relacionamentos consistentes, dentro e fora das organizações.

Destaca-se, na área jurídica, as exigências de escuta ativa para entender as demandas das partes relacionadas, transmitindo adequadamente respostas acuradas (comunicação); compreender a real necessidade desse sujeitos a partir do funcionamento e das peculiaridades dos seus negócios ou relacionamentos (empatia); buscar soluções inovadoras e eficazes (criatividade); e manter-se motivado para enfrentar e superar desafios (resiliência).

Se mostra essencial, dessa forma, disponibilizar recursos e fomentar nos estudos a criatividade e a capacidade de solucionar problemas reais. A destinação das investigações e de todo o conhecimento adquirido na formação inicial dos profissionais jurídicos, independentemente da carreira escolhida, é, sublinhe-se, resolver problemas existentes na realidade. O arquétipo e a didática do ensino jurídico devem, por isso, promover o desenvolvimento de habilidades que resultem em raciocínio analítico e criativo para estruturação de soluções viáveis, específicas e inovadoras.

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A nova realidade requer dos profissionais soluções mais assertivas e criativas, que considerem prioritariamente as demandas específicas das partes relacionadas, ao mesmo tempo em que é primordial nortear a gestão jurídica por prioridades estratégicas, apoiada em inovação, a fim de aumentar eficiência, reduzir custos e identificar novas oportunidades.

Aperfeiçoar os serviços jurídicos entregues às corporações e às pessoas, sem dúvidas, é a maior contribuição dessas inovações. Isto abrange desde as novas tecnologias, baseadas em IA e automação, até o suporte para raciocínio analítico e competências técnicas.

Os seus benefícios são múltiplos e variados: ganhos de produtividade na gestão da rotina, abordagens baseadas no risco, economia de recursos, melhoria nos procedimentos, consistência nos relacionamentos, organização de insights para tomada de decisões, prevenção de conflitos, entre outros. Para aproveitá-los, os profissionais jurídicos precisam estar permanentemente apaixonados por performance e pelas atividades que executam. Afinal, sem paixão e entusiasmo não é possível concretizar resultados de excelência.

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1 CORRALES, Marcelo; FENWICH, Mark; HAPPIO, Helena. Digital technologies, legal design and the future of the legal profession. In: CORRALES, Marcelo; FENWICH, Mark; HAPPIO, Helena (Eds.). Legal tech, smart contracts and blockchain. Singapore: Springer, 2019. p. 1-15.

2 SKÖLDBERG, Ulla Johansson; WOODILLA, Jill; ÇETINKAYA, Megves. Design thinking: past, present and possible futures. Creativity and innovation management, [s.l.], v. 22, n. 2, p. 121-146, 2013.

3 HAGAN, Margareth. Law by design. Disponível em: . Acesso em: 18 ago. 2020.

4 Idem.

5 SILVA, Alexandre Pacheco da; FABIANI, Emerson Ribeiro; FEFERBAUM, Marina (Coord.). O Futuro das profissões jurídicas: você está preparado. São Paulo: FGV, 2018. Disponível em: . Acesso em: 19 ago. 2020.

6 ALTMAN WEIL. 2019 Law Firms in transition survey: na Altman Weil flash survey, 2019. Disponível em: . Acesso em: 19 ago. 2020.

7 Resultados verificados em survey com departamentos jurídicos de 140 corporações, em mais de 30 setores econômicos e 17 países. Cf. CLOC. What is legal operations. Disponível em: . Acesso em: 19 ago. 2020.

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t*Wilson Sales Belchior é sócio do escritório Rocha, Marinho E Sales Advogados.

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