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A morosidade do direito em acompanhar a atualidade no tocante a era digital

A conscientização é um instrumento importante para diminuir os riscos entorno do uso indevido dos dados pessoais.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Atualizado em 1 de setembro de 2020 09:52

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I. Considerações iniciais

Notório é dizer "Dormientibus non succurrit jus" - [O direito não socorre aos     que dormem], assim como a língua falada não acompanha a gramática, bem como, há um retardo na eficácia do Direito em instrumentalizar leis que atendam a real necessidade do cidadão.

Neste diapasão, com o advento do Direito à Informação e a dispersão de conteúdos a disposição dos usuários em milésimos de segundos através da Internet, surgiram diversas problemáticas, tais como, mas não limitados à: (i) notícias falsas (Fake News) que tramitam como se fossem verdades porque as pessoas não checam a veracidade das fontes e para agravar compartilham em suas redes sociais (ii) Mercado Negro (Dark Web) para contrabando de pessoas, drogas, dentre outras atividades ilícitas (iii) Hackers que invadem sistemas de banco para clonagem de cartões de crédito e acesso a contas correntes (iv) pornografia infantil (v) disseminação de spam (vi) inviabilidade do uso do Direito ao Esquecimento por ineficácia (vii) violação a intimidade e privacidade do cidadão (viii) mau uso das redes sociais viabilizando fraudes (ix) venda e vazamento de dados pessoais.

Diante do exposto, os Países têm tentado criar mecanismos para diminuir os riscos que envolvem o uso da Internet.

Nessa senda, mais de 120 países adotaram leis abrangentes de proteção de dados e outros 40 países possuem projetos de lei pendentes, incluindo Quênia, Nigéria e Irã.

Insta salientar que a decisão do caso Volkszählungsurteil (julgamento do Censo de 1983) foi essencial para a criação da General Data Protection Regulation ("GPDR") 679/16 que passou a vigorar em 25 de maio de 2018, reconhecendo a Proteção de Dados, pela primeira vez, como um Direito Fundamental.

 Em síntese, na coleta de informações do Censo de 1983 na Alemanha foi suscitada o questionamento da finalidade da obtenção de alguns dados pessoais que não seriam relevantes para o teor do senso e estavam sendo colhidos e armazenados indevidamente.

O regramento da GPDR na Europa, resultou em um norte para os demais países na resolução de tratativas envolvendo dados pessoais e perdura como uma bússola para aplicar em casos concretos ante lacunas da legislação. No Brasil, a lei 12.965 de 2014, conhecida como Marco Civil da Internet, já regia as transações relacionadas a internet, mas de forma generalizada, tendo o legislador se inspirado na GPDR para editar a Lei Geral de Proteção de Dados ("LGPD"), lei 13.8853 de 2019 para manear as asserções concernente os dados pessoais.

Note que nas observações iniciais apontamos a Segunda Dimensão de Direito, onde há um dever do Estado na implementação de Prestações Positivas para resguardar as prerrogativas que comumente são violadas. Ressaltemos, que a tendência é a situação agravar, caso o Poder Estatal não aja para diminuir os riscos da violação dos dados pessoais, pois, se com leis existe grande incidência de inconveniências, imagine sem!

II. O enfoque da lei geral de proteção de dados

Com relação ao tema que alude tal medida, a LGPD destinasse aos usuários pessoas físicas, apenas. Porém, em contraparte poderá ser considerada um infrator a pessoa física ou jurídica que não acatar os dispositivos da supramencionada lei.

II.I. O conceito de dados pessoais

Para fins da LGPD os dados pessoais são aqueles pertencente a pessoa natural identificada ou identificável, estabelecendo um critério para dado pessoal sensível, que merece tratamento especial, podendo a cominação ser agravada em caso de descumprimento, in verbis:

"LGPD, Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

I - dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;

II - dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;"

Os agentes de tratamento de dados deverão observar os princípios norteadores da nossa Legislação Brasileira, respeitando o diálogo das fontes e os demais princípios positivados no Artigo 6º da supracitada lei, à saber: (i) Princípio da Boa Fé (ii) Princípio da Adequação (iii) Princípio da Necessidade (iv) Princípio do Livre Acesso (v) Princípio da Qualidade de Dados (vi) Princípio da Transparência (vii) Princípio da Segurança (viii) Princípio da Prevenção (ix) Princípio da Não Discriminação (x) Princípio da Responsabilidade e Prestação de Contas.

Aquém disto, deverão os agentes de tratamento, comprovarem ao menos uma das bases legais previstas no artigo 7º da LGPD.

Por seu lado, queda o imbróglio atrelado a este artigo, esmiuçado na frase "Não adianta dar leis aos homens, se antes não os educarmos a respeitá-las". Henrique, Douglas B. Certo, que o período de Vacatio legis é para dar ciência a todos da lei e concomitantemente conceder a oportunidade de adequação à norma, caso contrário, seria este jugo desigual.

Neste sentido, a Lei de Introdução as Normas do Direito brasileiro (LINDB) é incisiva em dizer:

"LINDB, Art. 3º - Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece".

Como espécime, algumas empresas na tentativa de se "adequarem" alteraram seus termos de consentimentos, cujo item de aceite já está demarcado. Outra hipótese é quando o usuário clica no aceite, mas nem abre os termos para efetuar a leitura. Enfatizo! Nestes casos o consentimento nasceria eivado de vício.

III. O novo petróleo

Com base nas articulações apresentadas e sob o ponto de vista do CEO da Mastercard Ajay Banga os dados pessoais são o novo petróleo, não é à toa que empresas como Facebook, Instagram, WhatsApp, Uber, dentre outras, construíram suas fortunas em cima disto.

Podemos recordar que há cerca de 15 anos, era considerado um absurdo alguém compartilhar o número de telefone residencial, ou celular sem o consentimento do titular, violando assim a privacidade e intimidade do indivíduo. Em dissonância, nos dias atuais, recebemos diversas ligações e não fazemos a mínima ideia como nossos dados foram para na base de dados dessas empresas se nunca tivemos nenhum vínculo, sem falar nos incontáveis e-mails classificado como spam, que enchem nossa caixa de endereço eletrônico.

Outro infortúnio, é o compartilhamento da nossa localização com terceiros que não conhecemos a índole, muito menos a intenção acerca da coleta destes dados.

Por estes dias no perfil de uma rede social, um usuário estava no bojo de sua postagem, vendendo dados pessoais em massa para envio de spam. Será que este usuário entende a gravidade do assunto e que está infringindo a lei? Refuto, nos moldes elucidados ninguém poderá alegar desconhecimento da norma, subtendendo que uma vez publicada sua eficácia é de pleno direito.

Em virtude destas considerações, há de falar em empresas comercializam os dados pessoais sensíveis para consulta pública, sem a permissão do titular. Nessa senda, basta imputar o nome no site de busca e lhe será apresentado o relatório completo.

Com efeito, é evidente que algo precisa ser realizado para amenizar isto, se os dados são vistos como o "novo petróleo", deverão ser postas limitações e regramentos para o seu tratamento.

Oportuno ressaltar, que tramita no Congresso a PEC 17/19, aprovada no Plenário do Senado, para incluir no Título de Direitos e Garantias Fundamentais os dados pessoais, cujo parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça foi encaminhado para a câmara dos deputados e aguarda aprovação.

Em remate, o senador Antonio Anastasia do partido PSDB-MG deslindou que o direito à proteção de dados integra a Quarta Dimensão de Direitos Humanos.

Restando de sobejo comprovado, a inevitabilidade de assentar o direito de proteção de dados no rol dos direitos fundamentais, e, apesar do direito a intimidade e a vida privada já estarem positivados, a aprovação da PEC dará força ao Princípio da Inviolabilidade dos Dados Pessoais.

A conclusão, pois, exsurge clara e insofismável a necessidade de criar mecanismos para conscientização da população acerca da forma correta de manejar os dados pessoais, seja próprio ou de terceiros.

Saliente-se que, uma vez a informação circulando na internet, será difícil cair no esquecimento e ser excluída por completo, podendo ensejar em danos irreparáveis. Poderíamos abrir um leque, citando diversos exemplos, mas este artigo ficaria muito extenso, nos limitaremos assim, a tudo quanto foi exposto.

Frise-se, a conscientização é um instrumento importante para diminuir os riscos entorno do uso indevido dos dados pessoais.

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t*Ana Carolina Amorim Salviano Siqueira, é advogada, sócia da Amorim Salviano Siqueira Advogados e especializada em Direito Empresarial; Direito Digital e Proteção de Dados pela PUC/SP | Direito Contratual e Responsabilidade Civil pela Ebradi e Direito Previdenciário pela Faculdade Legale.

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