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O presidencialismo monárquico

Há críticas generalizadas quanto ao modo pelo qual o Presidente Lula compõe o seu novo governo, tentando somar ao seu lado um determinado número de partidos para organizar a maioria parlamentar. Juscelino, Jânio, Jango, Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Figueiredo, Sarney e Fernando Henrique deram vivo testemunho das dificuldades que encontraram para cumprir a tarefa. Uns mais. Outros menos. Mas todos tiveram que manejar instrumentos terríveis como renúncia, golpe de estado, cassações e prisões de parlamentares e de juízes, chegando até mesmo à compra de votos no processo de reeleição de Fernando Henrique.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Atualizado em 5 de dezembro de 2006 14:46


O presidencialismo monárquico

Sérgio Roxo da Fonseca*

Há críticas generalizadas quanto ao modo pelo qual o Presidente Lula compõe o seu novo governo, tentando somar ao seu lado um determinado número de partidos para organizar a maioria parlamentar. Juscelino, Jânio, Jango, Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Figueiredo, Sarney e Fernando Henrique deram vivo testemunho das dificuldades que encontraram para cumprir a tarefa. Uns mais. Outros menos. Mas todos tiveram que manejar instrumentos terríveis como renúncia, golpe de estado, cassações e prisões de parlamentares e de juízes, chegando até mesmo à compra de votos no processo de reeleição de Fernando Henrique.

O Presidente Lula tenta compor uma maioria segundo a representação partidária saída das urnas. Para tanto negocia. E por isso recebe críticas de todo lado, especialmente da imprensa, não sendo excluída nem mesmo as mais dignas autoridades eclesiásticas.

O presidencialismo é uma monarquia temporária. Reflete um governo no qual o seu chefe pode quase tudo, até mesmo legislar no Brasil de todas as ditaduras e da democracia nascida em 1988.

Deodoro derrubou a monarquia e normatizou o poder pelo Decreto 1, redigido por Rui Barbosa. Convocou uma constituinte e nomeou, pelo Decreto 29, de 1889, uma comissão composta pelos mais ilustres assinantes do Manifesto Republicano de 1870, para redigir o anteprojeto de nova Constituição.

Saldanha Marinho foi o presidente da comissão composta por Américo Brasiliense, Rangel Pestana, Santos Werneck e Magalhães Castro. Assim como Pedro I não havia gostado do texto que antecedeu a sua Constituição de 1824, Deodoro não aceitou o anteprojeto republicano, nomeando novamente Rui Barbosa para dar-lhe nova redação.

Do trabalho de Rui surgiu a primeira Constituição Republicana sob influência das Constituições americana, suíça e argentina. A nossa Carta, por sua vez, serviu de modelo para a Constituição portuguesa de 1911.

O Imperador foi substituído pelo Presidente da República. O Imperador era perpétuo "enquanto durava" tal como mais tarde diria Vinícius sobre o amor. O Presidente da República dura enquanto pode no limite de tempo de seu mandato. Os poderes são mais ou menos iguais. O presidencialismo é uma monarquia temporária.

A Europa, acompanhando a França, que se inspirou na Inglaterra, tem outro modelo. O principal poder é o Legislativo, que representa o povo. Dele sai o Executivo que tem o dever de "executar" as ordens emanadas do povo, ou seja, do Legislativo. Se o Executivo não vai bem, o Legislativo muda o governo.

Nos Estados Unidos o Presidente Bush há pouco perdeu a eleição e continua no poder. Na Itália Berlusconi perdeu a última eleição e foi imediatamente substituído.

O presidencialismo norte-americano, adotado pelo Brasil, parece-me menos democrático do que o parlamentarismo europeu. A constituinte de 1988 tentou implantar o parlamentarismo. Não deu certo porque o Presidente Sarney avisou que os militares não iriam concordar com a alteração, na esteira de D. Pedro I e de Deodoro..

Daí surgiu um presidencialismo meio americano, com toques italianos, com configuração brasileira. Por exemplo, criou-se o segundo turno, instrumento parlamentarista, para ser usado num país presidencialista.

Os atos do Presidente Lula merecem ser examinados por esta ótica bastante híbrida.

O parlamentarismo abjura o governo de um partido só, optando pela composição de uma minoria temporária indicada pelo povo nas urnas. A direção administrativa não deve ser apontada apenas pelo partido do Presidente da República, mas, sim, por todos os partidos que o apóiam. No parlamentarismo, bem mais democrático, assim é exercido o poder.

A tentativa de Lula compor um governo, embasado numa maioria parlamentar indicada pelas urnas, fruto de uma negociação historicamente árdua, não merece receber crítica da doutrina.

No passado havia outras ferramentas para compor governos como a prisão e cassação de parlamentares, golpe de estado ou a compra de votos. É escusado dizer que o Direito Público nega validade jurídica e moral para trapaças e brutalidades dessa natureza.

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*Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, professor das Faculdades de Direito da UNESP e do COC e advogado.






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