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Cave cave dominus videt, dos cuidados necessários à vigilância dos empregados

Os cuidados necessários para que a vigilância dos empregados não viole os direitos da intimidade, privacidade e dignidade.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Atualizado às 08:05

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Cave Cave D(omi)N(u)S Videt, (Cuidado, cuidado, o Senhor vê). A frase central escrita na pupila de Deus, faz parte do tampo de mesa dos sete pecados capitais pintado por Hieronymus Bosch.

Com beleza magnética, a obra do pintor flamenco destaca-se no Museu do Prado, localizado em Madri, Espanha, e que pode ser visitada agora (Clique aqui)

Como retratado por Bosch, o olho de Deus observa o comportamento das pessoas que beira os pecados capitais. Desde o Gênesis, a tentação é uma constante contra homem e, assim, a autovigilância torna-se uma necessidade permanente.

Extrapolando o campo da espiritualidade, no âmbito relações humanas, o vigiar também é presente na história dos povos. E, modernamente, com o desenvolvimento das novas tecnologias o tema volta à tona, quase com a possibilidade da onipresença, atributo que, até então, era exclusivamente divino.

O Direito não poderia de deixar de regulamentar essas novas realidades e, especificamente, surgem questões cruciais na área trabalhista.

A vigilância é, em princípio, possível, estando incluída no plexo de deveres-poderes do empregador. No entanto, alguns cuidados devem ser adotados em relação à vigilância dos empregados, a fim de que não sejam violados os direitos da intimidade, privacidade e dignidade da pessoa.

A fim de evitar o contato e abordagem de funcionários, com possibilidade de violação dos direitos acima citados, é importante que o empregador invista em meios tecnológicos de fiscalização, como, por exemplo, uso de câmeras de vigilância. A utilização de tais equipamentos, porém, ao mesmo tempo que traz uma excelente solução para a maior parte do ambiente, também traz uma grande polêmica em relação a um setor especificamente. Indaga-se: podem ser instaladas câmeras de vigilância dentro dos vestiários?

A resposta é a seguinte: melhor não. O ambiente em que se dá a troca de roupas, e onde estão lavatórios e duchas não deve ser vigiado por câmeras, sob pena de se violar a intimidade, privacidade e dignidade dos funcionários.

Para que os armários e escaninhos em que os funcionários deixam seus pertences pessoais sejam vigiados por câmera, a fim de proteger, sobretudo, o patrimônio dos empregados, o ideal é que eles estejam dispostos fora do vestiário, ou pelo menos em espaço diferente e isolado em relação ao local onde ocorre a troca de roupa e estão localizados os lavatórios. 

Importante esclarecer que a ausência de câmeras de vigilância não significa que os vestiários sejam uma zona livre e desprotegida. Ainda assim o local é parte da empresa e está sob o poder de fiscalização do empregador, de forma que faltas graves cometidas dentro do vestiário, podem ensejar aplicação de punições com base em outras provas, como a testemunhal, por exemplo.

Quanto à revista pessoal, para que não seja violada a intimidade do funcionário, não deve haver qualquer contato físico, como toque ou apalpação. Bolsas e mochilas, podem ser consideradas extensão do corpo, e, por isso, devem ser abertas e manipuladas somente pelo empregado.

Em relação ao monitoramento de e-mails, alguns cuidados devem ser adotados a fim de que não seja violada a privacidade do funcionário.

Primeiramente, o monitoramento apenas deve ocorrer em relação as ferramentas de trabalho, vale dizer, equipamentos que sejam da empresa e contas corporativas.

Em segundo lugar, por serem ferramentas corporativas, a empresa pode e deve criar uma política de uso clara e ter um código de ética que estabeleça, sobretudo, acerca das condutas não autorizadas.

 Por fim, cabe à empresa conscientizar o empregado em relação a política de uso dos equipamentos e código de ética. Nesse sentido, tão importante quanto a assinatura do empregado na política de uso e código de ética, é que o funcionário realmente tenha entendido o que pode e não pode fazer. Para tanto, vídeos explicativos e eventos com apresentações cênicas, elucidando o que está registrado em políticas e códigos internos são muito bem-vindos.

Apesar de algumas divergências, tem prevalecido o entendimento de que se houver prévio aviso da finalidade estritamente profissional do uso da ferramenta de trabalho, ela poderá ser monitorada sem que sejam feridos direitos do empregado.

Assim, o incremento no poder de vigilância traz consigo um acréscimo na responsabilidade e cuidados a serem observados pelo empregador para que não sejam violados direitos constitucionais da intimidade, privacidade e dignidade da pessoa.

A relação de trabalho é uma relação de confiança, de sorte que o mais importante disso tudo, é que mesmo que tudo possa ser visto, não haja nada para ser visto, Dominus nihil vidit.

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t*Antonio Giurni Camargo é advogado trabalhista militante, sócio do escritório Camargo e Camargo Advogados. Pós-graduado em Direito do Trabalho. Especialista em Direito Empresarial e Compliance pela FGV.

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