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ICMS ST na base de cálculo do PIS e da Cofins: o STF e o prejuízo da ausência de repercussão geral

Chamamos atenção para esta decisão por três motivos.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Atualizado às 16:52

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Entre os diversos temas de relevo definidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pós-pandemia, daremos destaque para uma questão que não ganhou espaço na mídia compatível com seus relevantes impactos: a definição de ausência de repercussão geral na discussão envolvendo a exclusão do ICMS retido pelo substituto tributário (ICMS-ST) da base de cálculo do PIS e da Cofins do substituído tributário, por se entender ser matéria infraconstitucional (RE 1.258.842).

Chamamos atenção para esta decisão por três motivos: o primeiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar o recurso especial interposto pelo contribuinte, havia concluído que esta matéria seria constitucional (RESP 1.852.225/RS); segundo, nos pareceu que a posição do STF pela inexistência de repercussão geral foi adotada com base em  interpretação relativa a tema tributário diverso daquele discutido nos autos, confundindo-os; e, por fim, trata-se decisão irrecorrível, que pode inviabilizar a discussão do tema de forma ampla, especialmente sob a perspectiva constitucional.

Com relação ao primeiro ponto, entendemos que acertou o STJ tanto na premissa fática posta quanto na sua conclusão. Segundo o Tribunal Superior, o ICMS ST é repassado pelo substituído ao substituto quando da aquisição da mercadoria e, posteriormente, é repassado pelo substituto ao Fisco Estadual. Ou seja, o que se discute é se este montante do ICMS-ST deveria ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS apurado pelo substituído por não se tratar de receita daquele contribuinte, mas sim do Estado, na linha do leading case do ICMS na base de cálculo destas contribuições (RE 574.706). Sendo assim, o que se pretende, como bem observado pelo STJ, é a análise da possível ofensa ao artigo 195, inciso III, alínea b, da Constituição Federal de 1988, matéria de cunho constitucional inegável.

Por outro lado, e aqui já nos direcionamos para o segundo ponto, a decisão do Ministro Relator Dias Toffoli, acompanhado pela maioria1, concluiu que a matéria seria infraconstitucional sob o fundamento de que o acórdão recorrido teria interpretado a legislação infraconstitucional do PIS, Cofins e ICMS e, para tanto, trouxe algumas decisões do STF que já teriam afastado a análise deste tema pela Corte Suprema.

No entanto, parte das decisões2 trazidas pelo Ministro Relator para afastar a repercussão geral da matéria refere-se à questão diversa, relacionada ao direito de o substituído tributário considerar o montante relativo ao ICMS retido na aquisição de determinadas mercadorias para fins de aproveitamento do crédito de PIS e Cofins. Embora o efeito prático possa ser o mesmo ao se considerar o ICMS ST como crédito de PIS/Cofins ou excluir o seu valor da composição da receita nas operações de venda subsequentes, os argumentos de mérito e os dispositivos potencialmente ofendidos são distintos.

Na hipótese dos créditos de PIS e Cofins, defende-se que o ICMS ST é custo da aquisição da mercadoria e o fato de a lei impedir que haja o creditamento ofende ao princípio da não-cumulatividade; já no caso da exclusão do ICMS ST da base de cálculo das contribuições nas respectivas saídas, assume-se que o ICMS retido antecipadamente faz parte do preço de venda e, portanto, defende-se que o substituído teria direito de excluir tais montantes da base de cálculo do PIS/Cofins sob pena de se tributar o que não é receita sua.

Ainda a esse respeito, vale lembrar que a própria Receita Federal veda o direito ao creditamento do montante do ICMS ST pelo substituído tributário por assumir ser uma antecipação do imposto devido por ele na saída das mercadorias (Soluções de Consulta 70/11 e 160/12). Na mesma linha, o Parecer Normativo 77, de 23/10/86, editado pelo Coordenador do Sistema de Tributação ("CST"), confirma que o custo do imposto será "embutido" no valor/preço da revenda do substituído"3.

Tais precedentes, portanto, não parecem sustentar a perspectiva de que o tema teria natureza infraconstitucional, por serem inaplicáveis ao caso recentemente analisado pelo Tribunal.

Por outro lado, ao analisar as demais decisões citadas pelo Ministro Toffolli que, de fato, negaram seguimento a recursos extraordinários que realmente tratavam no mérito da exclusão do ICMS ST da base de cálculo das contribuições (e nao sob a perspectiva do direito creditorio), percebemos que tal negativa se deu, mais uma vez, em função de questões outras que não se confundem com a discussão que estava sendo levada ao Tribunal (conceito de receita para tributação do PIS/Cofins): uma delas foi dada por ausência de comprovação do requisito da repercussão geral (RE 1.245.376/RS - Min. Alexandre de Moraes) - i.e., ausencia de preenchimento de requisito formal para seguimento do recurso -- e a outra (RE 1.245.789/RS - Min. Rosa Weber), também laborando sobre conceitos diversos do ali discutidos - mais uma vez indica jurisprudência sobre creditamento para concluir que a matéria seria de índole legal.

Como se vê, nenhuma das decisões que embasaram a ausência de repercussão geral se debruçaram sobre a questão específica ora em exame. .Nesse cenário, considerando que a discussão levada à análise perante o STF diz respeito à possibilidade ou não de o substituído tributário excluir da base de cálculo das contribuições os montantes do ICMS-ST destacados no respectivo documento fiscal, ou seja, diz respeito à própria extensão do conceito de receita para efeitos de incidência do PIS/Cofins, nos termos do artigo 195, inciso III, alínea b, da CF, quer nos parecer que a presente discussão é, em tudo e por tudo, análoga ao Tema 69 do STF, merecendo análise pela Corte Suprema e a reafirmação da sua jurisprudência. 

Finalizamos com uma reflexão. A despeito do entendimento de que ambas as discussões tributárias teriam índole constitucional, o fato é que a irrecorrível decisão de inexistência de repercussão geral deixou os contribuintes na inusitada situação de que o tema não deverá ser analisado pelo STJ (já que entende tratar-se de matéria constitucional, vinculada ao conceito de receita trazido pela CF) e tampouco pelo STF, que concluiu - a nosso ver com erro nas premissas do que estava ali sendo discutido  - tratar-se de temática infraconstitucional.

Além da necessária revisão da impossibilidade recursal na hipótese de decisão que afasta a existência de repercussão geral, para que ao menos seja possível ao Tribunal Supremo rever suas posições quando estivermos diante de erro de fato em relação à matéria sob análise, o cenário ora retratado deveria ser solucionado com a análise do tema tributário por ao menos um dos Tribunais Superiores, sob pena de termos decisões transitadas em julgado dos Tribunais Regionais Federais com entendimentos distintos: uns aplicando o RE 574.706 também para a exclusão do ICMS ST e outros negando o direito do contribuinte. A tão pretendida uniformização de precedentes e a segurança jurídica dos contribuintes agradecem.

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1 Exceto Ministro Marco Aurélio

2 RE 1.113.653/RS, RE 1.018.383/RS, RE 1.186.177/PR, RE 1.098.047/RS, ARE 1.078.682/RS, ARE 1.092.749/RS

3 "6.2- O ICM referente à substituição tributária é destacado na Nota-Fiscal de venda do contribuinte substituto e cobrado do destinatário, porém, constitui uma mera antecipação do devido pelo contribuinte substituído.

7. Os atacadistas ou comerciantes varejistas, ao efetuarem a venda dos produtos, cujo ICM tenha sido retido pelo contribuinte substituto, não destacarão na Nota-Fiscal a parcela referente ao imposto retido, mas no preço de venda dessas mercadorias, efetivamente estará contido tal imposto, devendo ser considerado como base de cálculo para as Contribuições ao PIS/PASEP e FINSOCIAL, desses contribuintes, o valor total da operação".

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t*Diego Caldas R. de Simone é sócio de Pinheiro Neto Advogados.






t*Fernanda Ramos Pazello é consultora de Pinheiro Neto Advogados.

 

 





*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

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