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Relações de trabalho em época de pandemia

Quais os cuidados e as obrigações do empregador em relação a funcionários e as principais cautelas no atendimento à fiscalização?

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Atualizado às 09:55

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A pandemia decorrente do coronavírus teve início há vários meses e, mesmo assim, ainda remanescem muitas dúvidas acerca das relações de trabalho e das obrigações que o empregador detém em face de seus empregados, tendo em vista as diversas Portarias, Notas Técnicas, Medidas Provisórias, Leis Federais, dentre outros diplomas legais que surgiram e diante da ausência de uma legislação específica e unificada a respeito deste tema.

Nesse cenário, as empresas devem atentar, em primeiro lugar, às normas relativas à medicina e segurança do trabalho, orientando seus empregados e adotando todas as medidas de proteção à exposição do vírus possíveis e necessárias, tais como disponibilizar álcool gel em áreas comuns; orientar seus funcionários para higienizarem as mãos constantemente; disponibilizar máscaras e luvas, a depender do segmento de atuação do empregado; manter o ambiente de trabalho limpo e arejado e evitar aglomerações no local de trabalho, mediante a definição de trabalho no regime "home office" ou estabelecimento de jornada flexível, principalmente para aqueles que se utilizam de transporte público para chegar ao local de trabalho.

Em relação às faltas do empregado com problemas de saúde decorrentes da Covid, a lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, determina que será considerada falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período decorrente de quarentena ou isolamento.

Referida Lei define isolamento como sendo "separação de pessoas doentes ou contaminadas de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus" e quarentena como sendo "restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, de maneira a evitar a possível contaminação ou propagação do vírus".

Por sua vez, havendo recomendação médica para que o empregado se afaste do trabalho, nos primeiros 15 (quinze) dias de afastamento o empregado receberá seu salário normalmente e, no período subsequente, permanecendo a necessidade de afastamento, o empregado passará a receber benefício previdenciário da autarquia federal (INSS).

Uma questão polêmica e que tem sido objeto de bastante discussão é se o empregador pode divulgar o nome dos seus empregados doentes.

Em relação a isso, inicialmente é importante que o funcionário seja orientado que, caso tenha algum sintoma da doença, não só consulte um médico, mas também comunique seu empregador.

Contudo, não se recomenda que o empregador divulgue o nome dos empregados portadores do coronavírus, pois isso poderá implicar violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e das liberdades fundamentais do trabalhador que também restam assegurados na lei 13.979/20.

Já com relação às autoridades fiscais, deve-se ter em mente que os auditores do trabalho são responsáveis por fiscalizar o cumprimento e observância das questões relacionadas à saúde, segurança e medicina do trabalho, de acordo com o decreto 4.552/02 que regulamenta a inspeção do trabalho, pelo que, em princípio, o empregador deve franquear ao fiscal, no curso do processo fiscalizatório, todo e qualquer documento e/ou informação relativa aos seus empregados no que diz respeito coronavírus.

Ademais, ainda em termos de coronavírus, a Portaria Conjunta 20, de 18 de junho de 2020, expedida pelo Ministério da Economia com a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, estabelece que as empresas devem manter registro atualizado, à disposição dos órgãos de fiscalização, com informação sobre trabalhadores por faixa etária, casos suspeitos, casos confirmados, medidas tomadas para adequação dos ambientes de trabalho para a prevenção da Covid, dentre outras.

Nesse cenário, recomenda-se que todas as informações sejam apresentadas à fiscalização, quando requisitadas pelo auditor do trabalho, por autoridades sanitárias ou ministeriais, pois a prevenção à contaminação pela Covid-19 deve ser entendida como um fator de proteção coletiva que se sobrepõe, notadamente neste período excepcional de pandemia, ao interesse particular do direito à intimidade da pessoa.

Por fim, é importante mencionar que, para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, a lei 13.979/20 estabelece que poderão ser adotadas, dentre outras, as medidas relativas à realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais e coleta de amostras clínicas.

Nesse contexto, como o empregador também deve observar as normas de medicina e segurança do trabalho, é razoável que se entenda que o empregador pode exigir, de forma justificada e fundamentada, que o empregado realize os exames necessários à detecção ou não do vírus e de que avise se está contaminado pela Covid-19.

Note-se que a lei 13.979/20 determina que para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus poderão ser adotadas medidas relativas à determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação etc.

Assim, o empregador que constata que seu funcionário apresenta algum sintoma relacionado ao coronavírus deve orientá-lo para procurar o médico ou dirigir-se ao pronto atendimento hospitalar que, confirmando os sintomas, procederá aos exames necessários para verificação de eventual contaminação ou não pela Covid-19. Como tem sido fortemente divulgado pela mídia, o setor hospitalar está aparelhado e munido de todas as ferramentas adequadas para proceder aos competentes testes e determinar a internação do paciente, em sendo o caso.

É importante mencionar que a legislação, ao prever a possibilidade de determinação de realização compulsória de testes laboratoriais, refere-se ao fato de que o indivíduo, em princípio, não pode se recusar a realizar o procedimento havendo justificativa e fundamento para tanto. Estamos diante de uma doença que se espalhou rapidamente no mundo todo e que tem matado milhares de seres humanos de forma rápida e inexplicável, pelo que temos que ter em mente a razoabilidade e a proporcionalidade das medidas, bem como a segurança e a saúde do cidadão em primeiro lugar.

Portanto, é de suma importância que os empregadores estejam atentos às diretrizes legais vigentes em termos de coronavírus, mas também é primordial que em época de incertezas e de tanta insegurança como esta prevaleça sempre o bom senso, a boa-fé e a solidariedade que devem sempre nortear tanto as relações humanas quanto as de trabalho.

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t*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.


t*Paula Corina Santone é sócia da área trabalhista do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados.







 



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