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A alienação fiduciária como garantia e a nova Lei do Agro - Aspectos importantes

As alterações promovidas pela nova Lei do Agro no instituto da alienação fiduciária foram relevantes e passaremos a cuidar de algumas delas.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Atualizado às 15:25

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O agronegócio no Brasil permanece como principal motor da economia nacional, mesmo diante da perspectiva de queda do PIB, em decorrência da pandemia. Dentro deste cenário, a recente Lei do Agro - lei 13.986/20 - promulgada coincidentemente no contexto da covid-19, moderniza a política de financiamento do agronegócio brasileiro, estimulando financiamentos privados, inclusive estrangeiros, desburocratizando o acesso do produtor rural ao crédito e criando novas modalidades de empréstimos e garantias.

Especificamente quanto às garantias, a nova Lei do Agro inovou alguns pontos com a criação, por exemplo, do patrimônio rural em afetação e também trouxe relevantes mudanças que impactaram no instituto da alienação fiduciária, seja de bens moveis ou imóveis, que tendem a trazer um incremento ao crédito privado por credores nacionais ou estrangeiros.

Em se tratando de mecanismos de recuperação de crédito, a alienação fiduciária de bens móveis ou imóveis se mostra mais atrativa, pois além de transferir a propriedade resolúvel ao credor, tem um processo executório mais célere, por ocorrer de forma extrajudicial. Ademais, os bens vinculados em alienação fiduciária não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial e da falência, permitindo ao credor, mesmo nessas hipóteses, excutir o bem.

As alterações promovidas pela nova Lei do Agro no instituto da alienação fiduciária foram relevantes e passaremos a cuidar de algumas delas.

Ao alterar a lei 8.929/94 que trata da Cédula de Produto Rural (CPR), em especial quanto às garantias cedulares vinculadas a esse título, a nova Lei do Agro reconheceu a possibilidade expressa de constituição de alienação fiduciária sobre produtos agropecuários e de seus subprodutos, sobre bens presentes ou futuros, fungíveis ou infungíveis, consumíveis ou não, cuja titularidade pertença ao fiduciante, devedor ou terceiro garantidor.

Na prática, além da alienação fiduciária de imóvel formalizada via CPR, esta garantia poderá ser constituída sobre commodities presentes ou de safras futuras.

Quanto aos custos do registro, especificamente no caso de uma CPR garantida por alienação fiduciária, a nova Lei do Agro também inovou. Antes das alterações havia necessidade de dois registros. O primeiro do título em si junto ao Cartório de Registro de Imóveis (CRI) do domicílio do emitente, para eficácia contra terceiros e o segundo era o registro visando a constituição da garantia junto ao Registro de Títulos e Documentos (RTD) do domicílio do devedor. Constituir alienação fiduciária em uma CPR costumava ser mais oneroso ao credor e normalmente era utilizada, por conta do custo, em clientes com maior risco de crédito.

A redação da nova Lei do Agro continua a prever dois registros, mas que a princípio, o custo de transação tenderá a ser menor. Como agora a CPR passou a ser considerada um ativo financeiro, não há mais a obrigatoriedade do registro do título no CRI do domicílio do emitente que foi substituído, a partir de 1/1/21 por aquele a ser realizado nas entidades autorizadas pelo Banco Central do Brasil que, ao menos em tese, tende a ser bem menos oneroso que o anterior. Já o registro da garantia continua a ocorrer da mesma forma.

Sabemos que os bens oferecidos em alienação fiduciária não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial e da falência. Todavia, os bens considerados essenciais à atividade do devedor, mesmo que oferecidos em alienação fiduciária, se sujeitariam aos efeitos da recuperação judicial ou à falência. Essa é uma discussão jurisprudencial que a cada dia vem tomando corpo nos nossos Tribunais.

A Lei do Agro enfrentou essa questão ao determinar em seu artigo 5º que eventual informação prestada pelo emitente sobre a essencialidade dos bens dados em garantia fiduciária deverá constar na cédula, a partir do momento de sua emissão, caracterizando como estelionato declarações inexatas acerca de sua natureza jurídica ou qualificação, bem como dos bens oferecidos em garantia da CPR.

Veja-se que a lei 11.101/05 que trata da recuperação judicial, previu no § 3º do artigo 49 que durante o prazo de 180 (cento e oitenta) (stay period) dias, previsto no artigo 6º do mesmo diploma, é vedada a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essencial à sua atividade empresarial. Contudo, as decisões judiciais foram ampliando o conceito contábil de bens de capital, chegando até mesmo a incluir commodities. Todavia, de forma pioneira, ao prever que o devedor deve declarar a essencialidade do bem na própria cédula, quando da sua emissão, a Lei busca assegurar aos credores de CPR a possibilidade de acessar a garantia fiduciária, em um cenário de insolvência do devedor.

Sobre a alienação fiduciária de bens imóveis, a nova Lei do Agro também promoveu importantes alterações na lei federal 5.709/71 que trata da Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro e na lei 6.634/79 que trata dos imóveis localizados na faixa de fronteira, possibilitando a constituição de garantias reais (como, por exemplo, a alienação fiduciária), em favor de empresas estrangeiras ou empresas brasileiras controladas por estrangeiros, incluindo a possibilidade de consolidação da propriedade do imóvel rural.

O credor estrangeiro que antes da promulgação da Lei do Agro apenas tinha acesso à garantia hipotecária ou a transferência da propriedade resolúvel do bem no caso da alienação fiduciária, agora passa a contar com a possibilidade de arrematar o bem imóvel rural ou aquele localizado na área de fronteira, até então disponível apenas para credores brasileiros.

Sem qualquer sombra de dúvida, as alterações promovidas pela nova Lei do Agro no instituto da alienação fiduciária seja de bem móvel ou imóvel, incrementam as operações financeiras com os títulos do agronegócio e dão maior segurança jurídica ao credor, seja ele brasileiro ou estrangeiro. Os financiamentos tendem a ficar mais acessíveis já que o risco do negócio fica reduzido especialmente por não expor o devedor a eventual falência ou recuperação judicial, sendo particularmente necessário o exame jurídico de muitos aspectos para que se tenha efetiva certeza de eventual excussão vai encontrar os títulos e garantias hígidos e exequíveis.

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t*Deisy Vanessa Novais Granado é graduada na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito Processual Civil, em Estudo de Política e Estratégia e em Direito Ambiental e Urbanístico. MBA em Agronegócios. Advogada do escritório Luchesi Advogados.



t*Ellen Carolina Silva é pós-graduada em Direito Tributário e em Direito Empresarial. Master of Laws (LLM) em Direito Comercial Internacional pela Universidade da Califórnia. Sócia advogada do escritório Luchesi Advogados.

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