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O que o caso do desembargador do TJ/SP ensina a todo servidor sobre PAD

"Não gostei disso: vou ligar para o Delbel." Qualquer agente público poderá ser processado por atos praticados fora da repartição ou da jornada de trabalho, inclusive na vida privada: como agir?

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Atualizado às 16:57

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Há pouco mais de um mês, viralizou nas redes um vídeo de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo se recusando a usar máscara na orla da praia de Santos, em desobediência a lei municipal que obriga o uso do equipamento facial para evitar a proliferação do coronavírus, mesmo após abordagem de guardas municipais.

Em gritante indícios de abuso de autoridade e valendo-se do seu cargo, o desembargador Eduardo Siqueira agiu de forma desrespeitosa com o guarda.

Pois bem.

Antes de mais nada, é importante ressaltar que o desembargador, juiz de direito que é, também é um servidor público.

Embora tenha lei própria e amparo constitucional, o cargo de desembargador é um cargo público, ou seja, o agente em questão é um servidor público.

Apesar disso, você ainda pode estar se perguntando: o que a realidade de um desembargador, tão distante do dia a dia do brasileiro comum, tem a ver com você, servidor público?

Mais do que você imagina.

Veja, é importante dizer que, assim como o desembargador, o servidor público não deixa de o ser quando vai à praia.

A partir do momento que você se torna servidor público, seu dever é manter, sempre, uma atuação proba.

Esse imperativo é inafastável para quem segue uma carreira pública, representando a atuação do Estado como sua ocupação diária.

Atos da vida privada do servidor podem repercutir em sanções administrativas

Por isso, mesmo, atos da vida privada do servidor podem repercutir em sanções administrativas, quando estão intrinsecamente ligadas a atribuições do cargo público ocupado.

As hipóteses de apuração estão previstas no artigo 148 da lei 8.112/90, que institui o regime jurídico dos servidores públicos civis, conforme transcrição abaixo:

Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

Conforme já mencionado, esse estatuto evidencia que o servidor poderá ser processado por atos ou comportamentos praticados longe da repartição ou fora da jornada de trabalho, inclusive na sua vida privada.

Para isso, basta que eles guardem relação direta ou indireta com o cargo ocupado, com as suas atribuições ou com a instituição à qual o servidor está vinculado.

E o desembargador?

E em relação ao desembargador, será que a situação se amolda ao enunciado do artigo citado? Vejamos.

O juiz se valeu da sua condição de magistrado no possível cometimento de atos ilegais.

Além disso, ele tentou usar sua posição de prestígio e de proximidade com autoridades do Executivo para supostamente obter uma vantagem pessoal (eximir-se da obrigatoriedade de cumprir a lei).

O caso teve tamanha repercussão que, agora, os fatos já estão sob apuração do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instaurou um processo administrativo disciplinar e determinou o afastamento cautelar do desembargador.

E você, servidor, o que tem com isso?

É claro que a maior parte dos servidores públicos em atuação no Brasil não têm nem mesmo a possibilidade de agir da maneira como agiu o desembargador em questão.

Mas, mesmo com menor potencial de dano, outras práticas corriqueiras podem também resultar em sanções nada favoráveis para o servidor que não zelar pelas suas ações.

Assim, até mesmo aquele vídeo, muitas vezes inocente, enviado a um grupo de Whatsapp da repartição pública à qual você pertence, mas que fere o decoro ou a honra de alguém, pode lhe custar uma baita dor de cabeça em Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

Ainda mais hoje em dia, com cada vez mais ferramentas de monitoramento e transparência dentro do serviço público.

Os olhos de toda a sociedade estão diretamente voltados para as ações dos agentes públicos.

Dessa maneira, após uma brincadeira despretensiosa ou um comentário ao qual você não deu maior importância, um PAD pode acabar batendo à sua porta.

Mas, nessa eventualidade, não precisa se desesperar.

O direito ao contraditório certamente lhe será garantido e você terá a oportunidade de demonstrar qualquer fato, evidência ou testemunho favorável à sua situação.

Além disso, é importante ressaltar que as penas administrativas possuem uma gradação, que é apurada dentro do PAD e não raras as vezes um PAD que teria a pena apenas de advertência ou suspensão, gera a demissão do servidor público.

Na prática advocatícia, não é incomum encontrar processos com flagrante falta de razoabilidade nas penas administrativas atribuídas ao servidor público.

Por isso mesmo, é inegável a importância de se preparar e ter ao seu lado um defensor preparado para te ajudar a enfrentar o PAD.

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t*Tharik Uchôa Luz é advogado, pós-graduado lato sensu pela Escola Superior de São Paulo, especialista em causas envolvendo concursos públicos e servidores públicos. Atuou como assistente de Juiz de Direito de entrância final no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. 

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