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Habemus LGPD

A LGPD será muito boa para a sociedade brasileira, pois exigirá um respeito aos nossos dados pessoais que não existia até hoje, sendo que todo o arcabouço da privacidade necessitará muito ainda da atuação de nossos colegas advogados.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Atualizado às 08:31

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Depois de uma novela quase interminável entre Executivo e Legislativo, brindando a sociedade brasileira e o mundo com uma insegurança jurídica monumental de mais de 2 anos, finalmente a LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados - entra em vigor em 18/9/20 com a publicação da Lei 14.058 ("Lei 14.058/20"), que é o caminho final da Medida Provisória 959/20 ("MP 959/20").

Caso você analise a Lei 14.058/20 certamente não vai encontrar um artigo dizendo que a LGPD entra em vigor em 18/9/20, aliás é uma lei que remete ao Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, levantando enorme dúvida do que essa lei tem a ver com a LGPD. Para entender essa história vamos precisar voltar lá em 2018 com a publicação da Lei 13.709 em 14/08/18 - a LGPD, estabelecendo um prazo de 18 meses para entrada em vigor em fevereiro de 2020.

Esse prazo não durou muito e logo no final de 2018 veio a Medida Provisória 869/20 ("MP 869/20") de 27/12/18, que estabeleceu o prazo de 24 meses para entrada em vigor da LGPD em agosto de 2020. Entretanto com muita emoção, pois o adiamento da vigência da LGPD pela MP 869/20 só foi consagrado pela Lei 13.853 de 8/7/19 nos últimos segundos. A vida não tem sido fácil para os advogados que atuam na área da privacidade e proteção de dados nesses 2 anos de incertezas e reviravoltas.

O início desse ano de 2020 foi marcado pela espera da criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados - ANPD, que não se concretizou naquele momento.

Todavia, em abril veio a Medida Provisória 959 ("MP 959/20") de 29/4/20, estabelecendo o novo prazo de 03/05/21 para entrada em vigor da LGPD, por conta do estado de calamidade decretado devido à pandemia da COVID-19 e da dificuldade que as empresas estavam enfrentando para se adaptarem.

Aí que entra a MP 959/20, cujo objetivo era regular o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, mas carregou a postergação da LGPD em um jabuti, linguagem usada no Congresso para definir aquelas disposições "contrabandeadas" em outra lei com a qual não guardam a menor relação.

A MP 959/20 passou então a tramitar no Congresso, ainda em paralelo com o projeto de lei para estabelecer o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus, que também buscava postergar a LGPD, mas que ao final postergou apenas as penalidades da LGPD para 1/8/21, o que foi consolidado por meio da Lei 14.010 de 10/6/20.

A postergação do início de vigência da LGPD, entretanto, também foi retirada da MP 959/20 pelo Senado em 26/08/20, aos 52 minutos do segundo tempo, como diriam no jargão futebolístico. Embora as empresas estejam atrasadas na preparação para a LGPD, o dia 26 de agosto de 2020 ficou marcado na história da privacidade brasileira, como aquele que deixou o país perplexo pela insegurança jurídica causada pelos nossos legisladores e executivo.

Não bastasse esse desrespeito com a sociedade brasileira, ainda no dia 26/8/20, o Poder Executivo publicou o decreto 10.474 criando a ANPD - Autoridade Nacional de Proteção de Dados. É claro que queríamos a ANPD, inclusive vinha sendo pedida pela sociedade brasileira há meses, pois será um interlocutor essencial na era da proteção da privacidade no Brasil, mas a publicação na calada da noite após essa reviravolta é no mínimo inapropriada.

Finalmente no dia 18/9/20 habemus LGPD, com a publicação da Lei 14.058/20, aquela originada na MP 959/20, mas sem a prorrogação, cuja entrada em vigor devolve o país ao status quo anterior à MP 959/20, que seria a LGPD em vigor em agosto de 2020. Como já passamos essa data e um dos princípios legais mais importantes é a irretroatividade da lei, a LGPD entra em vigor automaticamente com a publicação da Lei 14.058/20.

O assunto ainda pode gerar confusão, mas o fato é que a LGPD entrou em vigor em 18/9/20, com as suas penalidades passando a vigorar a partir de agosto de 2021, por conta da já mencionada Lei 14.010/20, e aguardando a implantação de fato da ANPD, que já teve sua estrutura definida pelo decreto 10.474.

Em que pesem as penalidades administrativas aplicáveis pela ANPD terem sido postergadas para agosto de 2021, desde logo particulares e outras autoridades poderão iniciar o exercício de seus direitos baseados na LGPD, que está vigente em todos seus outros aspectos. Assim, as empresas estão sujeitas a questionamentos por descumprimento da LGPD pela ANPD, ainda que sem aplicar penalidades, outras autoridades como Procons e Ministério Público, além de demandas judiciais propostas diretamente por indivíduos.

Obviamente, estamos iniciando uma jornada, muita coisa ainda há para ser feita, pois o Brasil carece de formar seu arcabouço regulatório em torno da privacidade com normativas, jurisprudências, acordos de boas práticas setoriais, entre outros.

Abrindo-se aos advogados um oceano azul de oportunidades, tanto para apoiar as empresas e instituições a se adaptarem, protegerem seus clientes de abusos das autoridades, protegerem os particulares das instituições que não se engajarem nessa jornada e muito mais.

Não é recomendável postergar projetos de adequação à LGPD em andamento e nem tampouco postergar o início desses projetos de adequação à LGPD, pois a rigor a LGPD está em vigor. Entretanto, seria justo exigir das empresas o cumprimento imediato da LGPD, quando a MP 959/20 postergou em mais de 8 meses sua vigência, criando, naturalmente, nas empresas expectativas e ajustes de esforços a esse novo prazo?

Com certeza, em homenagem à garantia constitucional da segurança jurídica, existe a possibilidade dos advogados questionarem que o prazo de 24 meses previsto na redação original da LGPD estava suspenso até a publicação da Lei 14.058/20, pois não é razoável supor que a contagem de referido prazo tivesse continuado fluindo. 

Mas o assunto não é pacífico e trará muitas oportunidades aos nossos colegas.

A LGPD será muito boa para a sociedade brasileira, pois exigirá um respeito aos nossos dados pessoais que não existia até hoje, sendo que todo o arcabouço da privacidade necessitará muito ainda da atuação de nossos colegas advogados.

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t*Helio Ferreira Moraes é conselheiro do M133. Advogado, graduado da Universidade de São Paulo - USP. Licenciado em Engenharia Elétrica, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) em 1990, e pós-graduação em Automação e Controle também na Escola Politécnica (USP-SP). Sócio do PK - Pinhão & Koiffman Advogados.

INSTITUTO MOVIMENTO 133

 

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