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Caso Magazine Luiza e a discriminação positiva

Resta claro a não existência de racismo em tais práticas, que possuem um único objetivo que nos é trazido em nossa Carta Magna: Que todos sejam iguais em oportunidades.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Atualizado às 16:09

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Atualmente, temos uma grande discussão em voga no mercado de trabalho: A existência de vagas direcionadas a indivíduos pertencentes a minorias, quais sejam, negros, pessoas com deficiências, transsexuais, dentre outros.

A empresa Magazine Luíza, com o intuito de fomentar a inclusão de minorias nos locais de trabalho, lançou um programa de trainee em que as vagas eram direcionadas a indivíduos negros, o que deixou as redes sociais em polvorosa. De um lado, estão os apoiadores. De outro, estão o que acham que a medida da Magazine Luíza possui cunho racista.

O direito do trabalho possui uma função social. De acordo com Leone Pereira, ipsis litteris:

"a função social é a preocupação estatal da perpetuação da supremacia do interesse público em detrimento do interesse privado, de classes ou particular, bem como os adequando a sociedade atual, ao contexto social vigente e adotando-se a primazia da dignidade da pessoa humana".1

Assim sendo, nos resta claro a importância que o trabalho possui dentro de uma sociedade capitalista. Não é surpresa para ninguém que determinados grupos possuem mais facilidades no mercado de trabalho, e na sociedade em geral, em detrimento de outros. Por conta disso, inclusive, nos trouxe o Direito um instituto denominado Discriminação Positiva.

A discriminação positiva possui como intuito trazer a chamada Justiça Social. Ela procura estabelecer equilíbrio e garantias para pessoas que, historicamente, encontram-se em grupos excluídos pela sociedade. Tal instituto é o responsável por trazer as ações afirmativas, como, por exemplo, a Lei de Cotas, o Estatuto do Deficiente, regras que possuem o intuito de inserir na sociedade aqueles que são excluídos.

O Estatuto da Igualdade Racial, em seu art. 1°, VI, conceitua ação afirmativa como programas e medidas adotadas pelo Estado e/ou Iniciativa Privada para proporcionar igualdade de oportunidades e correção de desigualdades.2

Outrossim, o art. 2° do mesmo Estatuto traz como DEVER do Estado e da Sociedade garantir a igualdade de oportunidades3. Nesse sentido, não podemos nos esquivar da responsabilidade coletiva atribuída a todos, de promover um ambiente onde as chances realmente alcancem um maior número possível de indivíduos, derrubando as barreiras sociais.

Como exemplo da constitucionalidade de ações afirmativas, trazemos o exemplo da lei de Cotas. Após sua promulgação, foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal, a Ação Direita de Constitucionalidade n.º 41, que nos informou que:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE. RESERVA DE VAGAS PARA NEGROS EM CONCURSOS PÚBLICOS. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N° 12.990/2014. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO . 1. É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos. 1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente."

Alinhado à chamada discriminação positiva, podemos mencionar, ainda empregar a Teoria do Impacto Desproporcional. A referida teoria, em síntese, trata da aplicação prática de uma norma, onde, apesar de no campo das formalidades esta empregar a igualdade, quando inserida no contexto fático, traz consequências discriminatórias, vez não ter sido levado à luz determinadas questões sociais.

Desta feita, ao se analisar uma norma ou prática, não deve cingir-se ao mero teor redacional, e sim se a prática não leva a condutas excludentes. O leading case que originou a teoria em análise foi o caso Griggs v. Duke Power Co., de 1971, julgado pela Suprema Corte Americana. Para realizar a promoção de seus funcionários, uma determinada empresa aplicava testes de conhecimentos gerais, medida aparentemente isonômica. Ocorre que tais avaliações terminaram por beneficiar àqueles que estudaram nas melhores escolas, em sua maioria brancos, levando a exclusão dos indivíduos negros, que não tinham acesso a educação de qualidade. Tal situação levou à Suprema Corte a vedar a aplicação dos testes.

Nas palavras de Joaquim Barbosa4:

Toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semi-governamental, de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser condenada por violação do princípio constitucional da igualdade material se, em consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas.

A Discriminação Positiva não é uma discussão nova em nosso ordenamento jurídico. O Ministério Público do Trabalho, em Nota Técnica do GT de Raça 001/20185, já versava sobre a possibilidade de criação de processos seletivos específicos para concretização da igualdade constitucional, de modo que nos convém destacar o seguinte trecho:

No entanto, como fazer e implementar as ações afirmativas no âmbito da iniciativa privada? Obviamente, a mesma forma utilizada no âmbito público, deve ser feita no âmbito privado.  Para  tanto,  pois,  alguns  mecanismos  são  essenciais  para  atingir  esse  desiderato. Assim, necessário se faz: a)a contratação específica de trabalhadores oriundos da população negra; b)anúncios específicos; c)triagem específica via plataformas digitais desde que fique expresso que tal iniciativa visa garantir a concretude do princípio da igualdade tratando-se de uma ação afirmativa no âmbito da iniciativa privada

Outrossim, convém mencionar que a questão racial, em conjunto à situações de desigualdades econômicas, é responsável por manter os indivíduos negros distantes dos cargos de liderança. Uma pesquisa do Instituto Ethos, com as quinhentas empresas de maior faturamento no Brasil6, demonstra que os negros são de 57% a 58% dos aprendizes e trainees, mas, nos cargos de gerência, eles representam 6,3%. No quadro executivo, a proporção torna-se mais diminuta, pois apenas 4,7% são negros.

Trazendo a discussão para a seara trabalhista de forma mais específica, nossa legislação laboral ampara e incentiva a adoção de condutas discriminatórias positivas pelas empresas, conforme vemos no art. 373-A da CLT7, art. 1º da lei 12.990/148, e o inciso II do art. 8º do decreto 9.571/18.9

Assim sendo, não se torna razoável e muito menos crível a alegação de que tais situações sejam consideradas crime de racismo. Isso porque o Direito serve justamente para tutela dos interesses coletivos, possuindo como obrigação principal efetuar a promoção da igualdade material e não somente formal. Até porque, se a igualdade formal fosse totalmente aplicada de matéria prática, não precisaríamos inflar nossa Constituição de emendas.

Portanto, resta claro a não existência de racismo em tais práticas, que possuem um único objetivo que nos é trazido em nossa Carta Magna: Que todos sejam iguais em oportunidades.

____________

1- PEREIRA, Leone. Manual de direito do trabalho, 3 ed. São Paulo: Saraiva,2011, p. 102.

2-
Lei n° 12.288/2010. Art. 1° VI - ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.


3- Lei n° 12.288/2010. Art. 2° É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.


4-
GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

5-
Ministério Público do Trabalho. Nota Técnica do GT de Raça n° 001/2018. Disponível em Clique aqui. 


6-
Instituto Ethos. Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas. Disponível em: Clique aqui. 


7-
CLT. Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado (...)


8-
Lei 12.990/14. Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito d a administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União , na forma desta Lei.


9-
Decreto nº 9.571/18, Art. 8° II - adotar políticas de metas percentuais crescentes de preenchimento de vagas e de promoção hierárquica para essas pessoas, contempladas a diversidade e a pluralidade, ainda que para o preenchimento dessas vagas seja necessário proporcionar cursos e treinamentos específicos;

____________

*Adrielly Letícia Silva Oliveira. Advogada com OAB ativa em São Paulo. Bacharela em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós Graduanda em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 

*Patrícia Fernanda de Albuquerque Fagundes. Advogada com OAB ativa no Rio Grande do Norte. Bacharela em Direito pela UFRN. Pós Graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Damásio. Pós Graduanda em Direito e Compliance Trabalhista pelo IEPREV. Pós Graduanda em Direito Empresarial pela Faculdade Legale. Pós Graduanda em Direito e Processo Previdenciário pelo IEPREV.

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