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Responsabilidade dos sócios em uma sociedade limitada

A sociedade limitada trata-se da modalidade mais difundida justamente pela limitação da responsabilidade dos sócios. Entretanto, existem situações que merecem destaque, pois trazem para os sócios a possibilidade de responder por obrigações da sociedade com seus patrimônios pessoais.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Atualizado às 08:01

tImagem: Arte Migalhas

A sociedade limitada, representa hoje mais de 95% das sociedades empresárias registradas nas Juntas Comerciais1. Um dos motivos para esse número expressivo atribui-se exatamente à limitação da responsabilidade dos sócios.

Como o próprio nome do tipo societário sugere, a responsabilidade dos sócios em uma sociedade limitada está sujeita à limites.

De acordo com o artigo 1.052 do Código Civil2, a responsabilidade de cada sócio, na sociedade limitada, é restrita ao valor de suas cotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

Assim, se o capital social da empresa estiver totalmente integralizado, os sócios não terão responsabilidade perante terceiros, respondendo somente até o valor das suas cotas, já integralizadas.

Por outro lado, se o capital não estiver integralizado, total ou parcialmente, todos os sócios responderão solidariamente pela sua integralização.

Em sendo solidária, é importante destacar, que não há benefício de ordem, ao passo que, ainda que o sócio inadimplente possua bens, os demais sócios poderão ser obrigados a saldar a diferença da integralização do capital daquele sócio que deixou de adimplir com a sua cota parte.

Entretanto, tal regra comporta algumas exceções, em que os sócios da sociedade limitada responderão subsidiária, porém ilimitadamente, pelas obrigações sociais.

A primeira delas, disposta no artigo 1.080 do Código Civil3, diz respeito a deliberações infringentes do contrato ou da lei. Assim, os sócios que contribuírem com seu voto, para uma deliberação que implique em infração legal ou em desrespeito ao Contrato Social, responderão de forma ilimitada4. Ainda nesse sentido, a disposição do artigo 1.059 do Código Civil, também obriga o sócio a repor os lucros e as quantias retiradas, quando distribuídas nos exercícios em resultados negativos5.

Outra exceção, com previsão no artigo 50 do Código Civil6, trata-se da desconsideração da personalidade jurídica. Neste caso, com o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, poderá os sócios serem responsabilizados ilimitadamente.

A desconsideração da personalidade jurídica, de igual modo, poderá ser aplicada com base no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor7, que autoriza a desconsideração quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social e, bem assim, em caso de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica, provocados por má administração.

Além disso, vale destacar, que a Justiça do Trabalho, baseada no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e ainda na natureza alimentar do crédito trabalhista, igualmente têm, em diversos julgados, desconsiderado a limitação e redirecionado execuções à sócios de empresas limitadas, caracterizando-se como mais uma exceção.

Como bem ressaltado por Marcelo Bertoldi, tal exceção "trate-se, portanto, de uma construção jurisprudencial, sem respaldo nas regras atinentes à limitação da responsabilidade dos sócios da sociedade limitada8".

À título de exemplo, podemos citar decisão recente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região, vejamos:

"Frisa-se que o redirecionamento da execução contra os sócios da empresa devedora insolvente é medida que atende aos ditames do ordenamento jurídico, sinalando-se que, no processo do trabalho, não se admite que os créditos do trabalhador fiquem a descoberto enquanto os sócios da empresa empregadora livram seus bens pessoais da execução, mesmo se tratando de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, quando é indiscutível que se beneficiaram da força de trabalho despendida pelo empregado. Assim, a insuficiência de recursos e bens da empresa para garantia da execução autoriza o redirecionamento dos atos executórios contra os sócios da empresa devedora à época da vigência do contrato de trabalho do exequente. Sendo assim, a execução deve ser redirecionada contra o sócio administrador Naum Gendelmann, porquanto a documentação trazida aos autos pelo exequente comprova essa condição. (TRT-4 - AP: 00216233520155040010, Data de Julgamento: 23/03/2020, Seção Especializada em Execução)"

Por fim, podemos destacar a exceção prevista no artigo 135, III do CTN9, em que para os créditos relativos às dívidas fiscais, o legislador prevê a possibilidade de responsabilização pessoal dos sócios10.

Assim, apesar de à limitação da responsabilidade dos sócios na sociedade limitada ser caracterizada como um estímulo, existem diversas disposições no ordenamento jurídico que mitigam a regra geral e que, por tratarem de hipóteses de responsabilização pessoal dos sócios, merecem especial atenção.

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1 Novo manual de direito comercial: direito de empresa / Fábio Ulhoa Coelho. -- 31. ed. rev., atual. e ampl. -- São Paulo; Thomson Reuters Brasil, 2020.

2 Art. 1.052 do Código Civil: Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. 

3 Art. 1.080 do Código Civil: As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.

4 Direito de empresa [livro eletrônico] : comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil /Alfredo de Assis Gonçalves Neto. -- 6. -- São Paulo :Thomson Reuters Brasil, 2019.

5 Direito de empresa [livro eletrônico] : comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil /Alfredo de Assis Gonçalves Neto. -- 6. -- São Paulo :Thomson Reuters Brasil, 2019.

6 Art. 50 do Código Civil: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

7 Art. 28 do Código do Direito do Consumidor: O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração

8 Curso avançado de direito comercial [livro eletrônico] / Marcelo M. Bertoldi, Marcia Carla Pereira Ribeiro. -- 4. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2020.

9 Art. 135 do Código Tributário Nacional: São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

III - Os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

10 Curso Avançado de Direito Comercial

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*Amanda Resende Costa é advogada do escritório Petrarca Advogados.

*Thaís Gladys Burnett é advogada do escritório Petrarca Advogados.

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