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Contratos empresariais: Possibilidade de revisão e a Lei de Liberdade Econômica

Os contratos empresariais são aqueles celebrados entre duas empresas, com o objetivo final de obtenção de lucro.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Atualizado às 11:28

Os contratos civis e empresariais são regulados pelo Código Civil, sem distinção, no título dos contratos em geral, e apesar de serem regulados pelo mesmo diploma legal, há algumas peculiaridades a serem observadas no que tange a possibilidade de revisão de suas cláusulas, como se demostrará a seguir.

Os contratos empresariais são aqueles celebrados entre duas empresas, com o objetivo final de obtenção de lucro. Assim, de um lado temos uma empresa que deseja obter uma vantagem econômica para o seu negócio e de outro lado outra empresa com o mesmo objetivo. Isso é o que diferencia essencialmente um contrato empresarial de um contrato civil: o objetivo de obtenção de lucro1. A título de exemplo, podemos citar o contrato de distribuição, em que a empresa fabricante lucra com a venda para a empresa distribuidora e esta lucra com a distribuição do produto para outras empresas.

Dito isso, vale citar a Lei da Liberdade Econômica (lei 13.874/19), que alterou alguns dispositivos do Código Civil. Como o próprio nome da lei demonstra, a ideia trazida por ela é a de intensificar a autonomia das partes. Com isso, a lei consagra a cláusula geral que presume todo contrato civil e empresarial como paritário (artigo 421-A, Código Civil2), ou seja, presume-se que as disposições contratuais são equilibradas para as partes, e pressupõe, ainda, que a avença celebrada é equânime. Convém lembrar que o Código Civil e as alterações trazidas pela Lei da Liberdade Econômica não afetam as relações de consumo, que são reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Com isso, a legislação dificulta - mas não afasta - a possibilidade de revisão das cláusulas contratuais, que pode ser realizada desde que haja elementos concretos capazes de comprovar a desvantagem ou a vantagem excessiva auferida por uma parte, caracterizando assim uma desigualdade contratual, que pode ocorrer tanto por uma conduta das partes, como por um evento imprevisível (força maior ou caso fortuito).

A Lei da Liberdade Econômica é a concretização de uma ideia que já vem sendo incorporada no ordenamento jurídico, a fim de que o Poder Judiciário interfira minimamente nas relações particulares, deixando o dirigismo contratual para os preceitos da função social e da boa-fé, que são os pilares dos negócios jurídicos. Nesse sentido o inciso II do art. 421-A, CC, dispõe: "a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada".

A pandemia causada pela covid-19 é uma das excepcionalidades que podemos verificar, pois causou, em diversos casos, o desequilíbrio contratual em relações civis e empresariais. Essa excepcionalidade possibilita a revisão contratual através da chamada teoria da imprevisão, que vem sendo muito utilizada nesses últimos meses. No entanto, a enxurrada de ações judiciais visando a revisão contratual neste período de crise, agrava ainda mais a tendência de diminuição de interferência do poder judiciário nos próximos anos.

Por outro lado, não havendo uma excepcionalidade robusta, a lei dificulta a possibilidade de revisão, e nos contratos empresariais já se seguia esse entendimento conferido pelo judiciário em reiteradas decisões, antes mesmo da Lei da Liberdade Econômica, como também pelo enunciado 21 da I Jornada de Direito Comercial, que demonstra a tendência a ser seguida e que dispõe o seguinte: "nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais".

Assim, entende-se que as relações interempresariais sofrerão um controle menor do judiciário em relação aos demais setores do direito privado, eis que as avenças são firmadas por profissionais da área comercial, que se valem de regras costumeiras e conhecimento do setor e da atividade econômica. O mesmo muitas vezes não acontece com as relações civis - aquelas entre pessoas físicas - que não possuem o conhecimento necessário para que haja uma simetria na relação. Logo, a possibilidade de revisão dos contratos civis se mostra mais viável em diversas situações.

A Lei de Liberdade Econômica traz também a possibilidade de as partes delimitarem, no próprio contrato, os possíveis cenários econômicos que possam influir na atividade comercial das empresas. Referidos cenários vão permitir, a critério das partes, as revisões das cláusulas ali celebradas, o que demonstra cada vez mais a importância de uma assessoria jurídica adequada para as empresas, que muitas vezes consegue evitar prejuízos e danos nas relações empresariais.

Por fim, com esse cenário, verifica-se que ficará cada vez mais difícil rever contratos empresariais no judiciário, até mesmo por uma questão de segurança jurídica das relações particulares, sendo de suma importância uma assessoria jurídica adequada no momento da celebração destes contratos, para que os possíveis riscos sejam mitigados e as cláusulas abusivas sejam identificadas com antecedência, bem como aquelas cláusulas que possam trazer prejuízos no decorrer da relação jurídica dos contratantes.

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1 FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. prefácio: Fábio Nusdeo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

2 Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela lei 13.874, de 2019) I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução.

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 *Matheus Cunha é advogado nas áreas Empresarial e Tributária da banca Monteiro Ferraresi Advogados, pós-graduando em Direito Empresarial pelo IBMEC.

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