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"Magnitsky act": como esta lei dos Estados Unidos pode alcançar os 'intocáveis' no Brasil?

Temos a esperança que a Lei Magnitsky, em um futuro próximo, possa mudar a realidade dos brasileiros, os quais passam a contar com a força desta norma dos Estados Unidos, onde ninguém escapa ou está acima da lei.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Atualizado às 13:04

 Imagem: Arte Migalhas.

A corrupção e os crimes de "colarinho branco", muito bem retratados por Hollywood, estão longe de serem ficção e tão pouco estão concentrados na Sicília, Chicago ou Nova Iorque. Eles matam mais pela omissão do que pela ação, ou seja, os recursos obtidos através de meios ilícitos que seriam empregados na saúde, por exemplo, causam mais mortes por falta de leitos hospitalares, déficit de profissionais de saúde, falta de remédios e equipamentos, os quais deveriam estar sendo empregados para salvar vidas.

Dentre os principais crimes do chamado "colarinho branco1", também conhecidos por crimes corporativos, podemos elencar a corrupção, fraude, extorsão, suborno, apropriação indébita, lavagem de dinheiro2, falsificações diversas, crimes cibernéticos violação de direitos autorais (pirataria moderna), "insider trading3" e pirâmides financeiras (Esquema Ponzi).

Segundo SUTHERLAND4 (1949), o crime de colarinho branco é "um crime cometido por uma pessoa de respeitável e de alta posição (status) social, no curso de sua ocupação".

Como os crimes de colarinho branco e a impunidade sempre tiveram um histórico de coexistência no Brasil, somente a partir da Ação Penal 470 do STF (mensalão) e da "Operação Lava Jato", é que os brasileiros começaram a acreditar na punibilidade para esta categoria de crime.

Todavia, recentemente, para a indignação do cidadão médio, passamos a acompanhar na mídia a soltura, por decisão monocrática do STF, de vários dos criminosos condenados por crimes corporativos distintos envolvendo o governo Federal e empresas privadas no Brasil, onde estes, cumprindo tão somente 1/6 da pena e usufruindo boa parte do que haviam adquirido ilicitamente, "passam muito bem obrigado" em suas residências monitorados tão somente por tornozeleiras eletrônicas.

Sendo de conhecimento das autoridades do governo americano que poucos são aqueles que efetivamente são punidos por estes crimes nos países em desenvolvimento, foi aprovado em 2012 pelo Congresso dos Estados Unidos (Senado Federal e Câmara dos Representantes) a Lei Magnitsky5, com o objetivo de punir autoridades russas suspeitos pela morte em 2009 de Sergei Magnitsky, um advogado tributarista russo assassinado dentro de uma prisão federal, o qual investigava fraudes financeiras de autoridades russas estimadas em 230 milhões de dólares.

De forma pragmática, desde 2016, a lei americana, através da longa manus da justiça, passou a ser aplicada globalmente pelo Governo dos Estados Unidos, autorizando o governo a proceder sanções unilaterais àqueles que violam direitos humanos, congelando seus bens e proibindo-os de entrar em território estadunidense.

A lei que em sua gênese foi tão somente utilizada para aplicar sanções contra cidadãos russos sendo, posteriormente alterada, de modo a atingir qualquer cidadão, em qualquer país e a qualquer momento, passando a ser adotada pouco tempo mais tarde, por outros países, tais como: Reino Unido, Letônia, Estônia, Lituânia e Canadá.

Per summa capita, esta lei dá ao presidente dos Estados Unidos poderes para que ele possa impedir de obter vistos, bloquear ou revogar vistos de pessoas ou entidades estrangeiras, impor sanções a indivíduos, funcionários do governo e entidades estrangeiras que praticarem atos de corrupção ou violarem direitos humanos, impor restrições de propriedade, congelando ativos e confiscando bens imóveis, proibindo todo e qualquer tipo de transações bancárias ou comerciais com bancos e empresas estadunidenses, mesmo que sejam empresas internacionais com filiais em território americano.

Dentre aqueles que podem sofrer sanções encontram-se tanto os responsáveis direitos ou indiretos, ou seja, seus associados ou cúmplices, assim como pelo mandantes das chamadas "execuções extrajudiciais", as quais não tem espaço em um estado democrático de direito, tais como torturas, execuções sumárias e outros tido como violadores dos direitos humanos, conforme reconhecido pelo Direito Internacional.

O modus operandi da Lei Magnitsky ocorre através de uma intrincada rede de informações envolvendo diferentes órgãos do governo dos Estados Unidos, dentre eles: Departamento de Estado, Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, Comissão de Assuntos Bancários, Habitacionais e Urbanos, Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes e Departamento do Tesouro.

Somente após uma severa avaliação conjunta, é que os Departamento de Estado e do Tesouro, munidos de evidências robustas contra os acusados de corrupção ou violação dos direitos humanos, apresentam ao presidente recomendações para que as sanções sejam tomadas.

Esta lei tem provado ser muito eficaz, pois somente nos Estados Unidos, já foram sancionados 149 cidadãos de 24 países, sendo outros 282 cidadãos de 5 países atingidos por sanções do Canadá, Estônia, Letônia e Lituânia6.

Como a Lei Magnitsky pode afetar os brasileiros? Dada a abrangência desta lei, ela pode afetar diretamente empresários e funcionários do governo envolvidos nos crimes de corrupção ou agentes do Estado acusados de violação dos direitos humanos, confiscando seu patrimônio em território americano, além de proibi-los de entrar nos Estados Unidos através da negação ou revogação de seus vistos. Em tempo, se os acusados se encontrarem em território americano, poderão ser presos, julgados e condenados conforme as leis daquele país.

Quando a violação de direitos humanos no Brasil, podemos citar as várias violações cometidas por ministros do STF, onde recentemente determinaram a prisão de jornalistas sem fundamentação legal, ou seja, os acusados não eram informados pelos agentes da Polícia Federal sobre o teor do mandado de prisão, onde seus defensores não tinham acesso aos autos, tendo seus domicílios violados e instrumentos de trabalho, tais como arquivos, computadores e celulares confiscados.

Em tempo, podemos veementemente afirmar que, desde que começaram as restrições aos cidadãos impostas por prefeitos e governadores em decorrência da pandemia de COVID-19, estes sistematicamente violaram vários direitos constitucionais e legais, utilizando as forças de segurança pública como uma verdadeira "Polícia de Estado" para reprimir e prender cidadãos de bem7.

Se por um lado temos a sensação de que o crime "compensa" no Brasil devido as ações das Cortes Superiores em soltar condenados por prática de crimes de colarinho branco com tanta facilidade, onde acabam por usufruir dos frutos de suas práticas criminosas, por outro temos a esperança que a Lei Magnitsky, em um futuro próximo, possa mudar a realidade dos brasileiros, os quais passam a contar com a força desta norma dos Estados Unidos, onde ninguém escapa ou está acima da lei.

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1- Geralmente crimes não-violentos, motivados financeiramente, cometidos por profissionais com habilidades superiores de diferentes formações, formado por relação promíscua entre executivos de corporações e agentes públicos dos escalões superiores (aqueles com poder de decisão).

2- Para maiores detalhes, ver o artigo na revista Empório do Direito, sob o título: "A Questão da Prática de Lavagem de Dinheiro por Organizações Criminosas em uma Economia Globalizada". Disponível aqui..

3- Uso de informações privilegiadas baseada em informações relevantes de valores mobiliários que não são de conhecimento do público em geral, cuja prática visa obter lucros fáceis ou vantagens ilícitas neste mercado.

4- Sutherland, Edwin Hardin. White Collar Crime. New York: Dryden Press, 1949.

5- Global Magnitsky Human Rights Accountability Act.

6- Fonte: Carta enviada por William Browder, do The Global Magnitsky Justice Campaign, a membros do parlamento australiano, em janeiro de 2020.

7- Para maiores detalhes, ver o artigo na revista Empório do Direito, sob o título: "Desconstruindo da Pirâmide de Kelsen em Tempo de Pandemia e o Modus Operandi para o Fim dos Direitos e Garantias Fundamentais no Estado Democrático de Direito". Disponível aqui.

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*Alexandre Vuckovic é advogado (ABA-USA) e Professor de Direito.

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