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Realização de ativos e pagamento dos credores de forma célere no processo de falência

Mesmo a realização dos ativos, que indiscutivelmente deveria ser rápida, muitas vezes demora anos para acontecer, descumprindo o objetivo legal.

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Atualizado às 08:44

Objetivo do processo de falência

O objetivo do processo de falência expresso no artigo 75 da lei 11.101/05 (lei de recuperação de empresas e falência - LREF) é "preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa". Além disso, é inquestionável que também é objetivo da falência realizar o ativo para pagar o passivo. "Pode-se dizer que a falência tem por objetivos a satisfação dos credores e, na medida do possível, a preservação da empresa, conforme nova orientação principiológica da LREF"1.

O processo de falência não visa punir o falido ou discutir as causas da falência ou se esta poderia ser evitada, e nem mesmo é o objetivo principal analisar se deve ser aplicada extensão dos efeitos da falência aos sócios. Tanto que a responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada seguirá o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil e poderá ter início após a sentença de encerramento do processo de falência (artigo 82 lei 11.101/05).

Importante destacar o parágrafo único do artigo 75 da lei 11.101/05, que determina que o processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual, bem como o artigo 79, da mesma lei, que determina que os processos de falência e seus incidentes preferem a todos os outros na ordem dos feitos, em qualquer instância.

Esses artigos demonstram a importância dada pelo legislador à celeridade nos processos de falência, o que é o oposto do que ocorre na prática, quando vemos um Judiciário com vários processos de falência sem solução, com décadas de tramitação e aparentando não ter fim.

Não se pode culpar o Judiciário. A culpa, na verdade, é de todos os participantes, que não focam no objetivo da falência. Administradores judiciais que demoram a arrecadar e realizar o ativo, credores que discutem o valor de seus créditos mesmo quando não há ativos suficientes para pagar créditos de suas classes e não se conformam com o encerramento do processo, a União, Estados e municípios, que apresentam diversas impugnações sem concentrar seu crédito em um único requerimento, falido e credores que discutem a avaliação dos bens mesmo quando não há interessados na compra pelo valor de avaliação.

Acreditamos que se todos focassem nos objetivos do processo de falência alcançaríamos o encerramento do processo de forma mais célere.

Realização do ativo

O objetivo previsto na LREF, preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens está diretamente ligado à rápida realização do ativo.

Os bens da massa falida serão utilizados de forma produtiva pelo terceiro que vier a adquiri-los. Quanto mais rápida for a alienação destes ativos, melhor será a condição dos bens e mais rápido voltarão a produzir.

O momento correto para a venda dos ativos da massa falida é logo em seguida à arrecadação dos bens (art. 139 da LREF), que deve ocorrer logo após assinatura do termo de compromisso pelo administrador judicial (art. 108 da LREF).

O artigo 110 da LREF determina que no ato de arrecadação o administrador judicial deverá avaliar os bens, e que quando não for possível realizar a avaliação no ato de arrecadação deverá requerer prazo não superior a 30 (trinta) dias para realizar a avaliação.

A lei deixa claro tanto a urgência em arrecadar os bens como em realizar sua avaliação, viabilizando, assim, uma venda rápida.

O decreto 7.661/45 só permitia a alienação de ativos após a formação do quadro geral de credores.

A lei atual, ao contrário, determina que a alienação ocorra logo após a arrecadação dos bens, independentemente de formação do quadro geral de credores (art. 140, § 2º da LREF). Como ressalta o professor Manoel Justino2 "Não há mesmo qualquer razão para que se aguarde a formação desse quadro, evitando-se a desvalorização dos bens, com a venda mais rápida possível".

Fabio Ulhoa Coelho3 ressalta: "Tão logo arrecadados, os bens devem ser vendidos. A experiência demonstrou que a demora na realização do ativo representa um desastre para a comunidade dos credores".

A previsão do artigo 113 da lei 11.101/05, prevendo casos de alienação antecipada, confunde e pode passar a ideia de que apenas naqueles casos deve haver alienação com urgência.

Marcelo Sacramone4 esclarece que a urgência prevista no artigo 113 se refere a não aguardar a arrecadação de todos os bens para tentar vender em conjunto, mas não retira a necessidade de venda rápida de todos os ativos.

Existem razões óbvias para a alienação imediata dos ativos da empresa: a) permitir que aqueles ativos voltem a gerar riqueza (objetivo do processo de falência expresso no artigo 75 da lei 11.101/05); b) evitar desvalorização, perda de valor; c) evitar extravio de bens; d) garantir a correção do dinheiro em aplicação financeira; e) evitar custos com manutenção e guarda...

Há, porém, uma razão não tão clara, mas que também reforça a vantagem da alienação imediata dos ativos: fixar o valor disponível para pagamento aos credores.

É muito importante, e de forma indireta contribui para o andamento do processo que o Juízo e os credores saibam quanto realmente haverá disponível para pagamento. Os credores tendem a não discutir o crédito quando estiver claro que nada receberão, o que evitará um grande número de impugnações ou habilitações.

Pagamento aos credores

O artigo 149 da lei 11.101/05 prevê a realização de restituições, pagamento dos créditos extraconcursais, na forma do artigo 84, e a consolidação do quadro-geral de credores para em seguida ter início o pagamento dos credores da falida na ordem prevista no artigo 83.

Essa previsão de consolidação do quadro-geral de credores para ter início o pagamento não faz sentido e atrapalha o bom andamento do processo.

Muito mais eficiente do que julgar todas as impugnações e deixar os credores esperando por isso para receber, é julgar apenas as impugnações diretamente ligadas aos créditos da classe seguinte a receber os pagamentos, consolidando o quadro apenas desta classe, inclusive utilizando de reserva de créditos na forma prevista no artigo 149, para dar início imediato aos pagamentos.

O Administrador Judicial deverá analisar todas as divergências e habilitações, bem como verificar todos os créditos disponíveis e apresentar a segunda lista de credores. Entendemos, contudo, que as impugnações apresentadas contra a relação de credores devem ser julgadas seguindo a ordem de pagamento prevista no artigo 83.

Tomando por exemplo uma falência que não tenha saldo suficiente para pagamento integral dos credores trabalhistas, não há razão em aguardar o julgamento de todas as impugnações que discutem créditos quirografários, por exemplo, para realizar o pagamento dos credores trabalhistas.

Os credores quirografários nada irão receber, a discussão é totalmente inócua.

Julgar impugnações de classes que não serão alcançadas pelo pagamento com o saldo apurado além de sobrecarregar o Judiciário causa prejuízo direto aos credores das classes anteriores, que irão receber e que ficam aguardando por vários anos.

A lei deveria prever a formação do quadro de credores da classe seguinte a receber, inclusive permitindo reservas, viabilizando, assim, o rápido pagamento.

Contudo, ainda que não seja a previsão legal, entendemos que é possível que os juízes atuem desta forma, pois não haverá qualquer prejuízo ao processo ou aos credores. Ao contrário, aqueles que poderão receber, receberão mais rápido.

Como bem ressalta Marcelo Sacramone5 "As classes de credores, por seu turno, serão satisfeitas conforme a ordem legal de pagamento e de modo que apenas se iniciará o pagamento da classe inferior na ordem de preferência quando a classe prioritária já tiver seus créditos integralmente satisfeitos".

Os esforços devem ser concentrados em julgar impugnações relacionadas aos credores da primeira classe a receber. Após a composição da classe, iniciar de imediato o pagamento, e apenas se houver saldo suficiente, passar a julgar impugnações da classe imediatamente seguinte.

Conclusão

O bom andamento do processo de falência depende da rápida arrecadação, avaliação e alienação dos ativos. Isso garantirá a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.

A rápida alienação dos ativos está prevista na lei 11.101/05.

Por outro lado, o texto da lei determina que para iniciar o pagamento seja consolidado o quadro geral de credores, o que pode levar vários anos e muito trabalho sem nenhum resultado efetivo.

Entendemos que a previsão de consolidação do quadro geral de credores no artigo 149 da LREF foi uma previsão infeliz que não ponderou o aspecto prático. Não se faz necessário ter todo o quadro geral de credores consolidado para dar início ao pagamento dos créditos trabalhistas. Basta a consolidação desta classe, inclusive fazendo uso da permissão legal de reserva de valores, e em sequência, consolidar cada classe que passará a receber, uma vez que a alteração de créditos em classes seguintes em nada interfere no pagamento da classe superior.

Por não haver prejuízo ao processo, ao contrário, beneficiar a todos, entendemos que essa previsão legal deve ser interpretada no sentido de consolidar cada classe que passará a receber o pagamento.

O esforço deve ser concentrado em formar o quadro da classe de credores imediatamente seguinte a receber, seguindo a ordem do artigo 83 da lei 11.101/05, e apenas após o pagamento integral dessa classe, e havendo saldo, passar a julgar impugnações e habilitações da classe seguinte. Não faz sentido julgar impugnações de créditos quirografários, por exemplo, quando o saldo apurado não for suficiente para alcançar esta classe de credores.

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1 SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência: Teoria e prática na lei 11.101/05. 3 ed. São Paulo: Almedina, 2018, p. 297.

2 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência: lei 11.101/05: comentada artigo por artigo. 10.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 317.

3 COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas . 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 474.

4 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 1ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 408.

5 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Ob. cit, p. 481.

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 *Armando Lemos Wallach é advogado, administrador judicial, sócio da Vivante Gestão e Administração Judicial Ltda.

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