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A metamorfose da inspeção do trabalho em tempo de pandemia

O desafio de fiscalização nas empresas em tempo de distanciamento social, quando a maioria dos trabalhadores e Auditores Fiscais do Trabalho encontram-se em trabalho remoto.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Atualizado em 26 de outubro de 2020 10:44

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em cenário marcado pelas restrições trazidas pela pandemia do coronavírus, muitos profissionais precisaram sair do seu ambiente de trabalho para prestarem serviços no aconchego de seu lar. Isso ocorreu tanto na iniciativa privada quanto na pública.

É sabido que cabe à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho. O grande desafio é como executar a fiscalização do trabalho em tempos de pandemia, quando trabalhadores e Fiscais fazem parte do grupo de risco e estão em casa.

Considerando que a maioria das ações fiscais realizados pelos Inspetores do Trabalho ocorre no chão de fábrica (para usar uma expressão histórica), esse artigo se propõe a evidenciar a reinvenção na forma de fiscalizar dos Auditores Fiscais do Trabalho, nomenclatura utilizada no Brasil em contrapartida à Inspeção do Trabalho no cenário mundial.

A MP 936, posteriormente transformada na lei 14.020/20 trouxe inovações com a finalidade de abrandar os impactos da pandemia e frear a transmissão do vírus, principalmente com restrições à circulação de pessoas, possibilitando o trabalho remoto ou home office.

Na maioria das vezes as irregularidades existentes nas empresas são constatadas pelo visita do Auditor Fiscal à empresa quando é feita a verificação do local, a entrevista aos empregados, análise da documentação, constatação de inconsistência entre o documentado e a realidade dos fatos.

Assim é que irregularidades concernentes ao vínculo empregatício são facilmente constatadas pela presença do trabalhador sem o devido registro em livro, ficha ou sistema eletrônico. De igual forma, as irregularidades com relação ao descanso e a sobrejornada são facilmente observadas pela análise do controle de jornada, inclusive pela constatação de prestação de serviços quando o colaborador deveria descansar ou estar fora do ambiente de trabalho.

As questões supramencionadas ficaram mais complexas com a pandemia, mas não impossível de fiscalizar, vez que a empresa possui várias obrigações de prestar informações a sistemas eletrônicos, mesmo antes da pandemia, como exemplo, informação através do e-social.

Com o intuito de apoio às empresas, visando, sobretudo, a manutenção de emprego e renda, as figuras do suspensão do contrato e redução de jornada tiveram novos contornos, inclusive com reflexo na esfera previdenciária, através do Benefício Emergencial para as empresas que aderiram o modelo.

Infelizmente novas fraudes surgiram como redução fictícia na jornada de trabalho e suspensão do contrato com permanência do trabalhador na empresa, assim como realização de horas extras incompatíveis com a finalidade da norma que é o da diminuição da exposição do empregado à contaminação pelo vírus.

Um dos desafio que a inspeção do trabalho teve que enfrentar foi como identificar os casos de irregularidades, fiscalizando remotamente. Entretanto o desafio foi superado, vez que o cruzamento das informações de vários sistemas obrigatórios, bem como o surgimento de vários aplicativos usados conjuntamente com os existentes possibilitaram a fiscalização indireta.

A bem da verdade, a fiscalização trabalhista já usa o expediente da fiscalização indireta, quando a empresa é notificada para apresentação de documentos através de notificação eletrônica ou até mesmo por correspondência com aviso de recebimento, como exemplificadamente nos casos de comprovação de cotas de aprendizagem e PCD, fiscalização eletrônica do FGTS. Mas o atual cenário é totalmente diferente pelos atributos a serem fiscalizados.

Através da Notificação para Apresentação de Documentos a empresa fica obrigada não somente a apresentar os documentos expressamente solicitados como também prestar informações ao agente fiscal que emitiu a notificação. A omissão de documentos e a falta de informações são passíveis de autuação e fiscalização reiterada.

Os instrumentos internos como os sistemas Jornada e o Khronus possibilitam, através de inserção de arquivos do Registro Eletrônico de Ponto, calcular a jornada dos trabalhadores, produzindo diversos arquivos com indícios de irregularidades desde excesso de jornada como ausência de descanso ou sua concessão em desacordo com a norma posta.

Através do sistema denominado Pentaho é possível saber não somente os casos de suspensão e redução de jornada que geraram o benefício emergencial assim como identificar indícios de fraudes na sua concessão. Também através do Pentaho se consegue verificar se houve demissões de PCD em desacordo com a legislação.

O fim da carteira de trabalho física para uma grande maioria de trabalhadores dando lugar a carteira de trabalho digital bem como o advento do e-social que já exige de grande parte das empresas a prestação de informações de movimentação de admissão, demissão, folha de pagamento e informações sociais através de meio eletrônico criam a possibilidade de ação fiscal à distância e com maior precisão.

Todavia, nem todos os Auditores estão em trabalho home office, continuando a fiscalização no local e averiguando os casos suspeitos verificados na fiscalização indireta e que exigem a presença do auditor no meio ambiente de trabalho.

As inovações no mundo do trabalho reinventam a fiscalização trabalhista, mas, por maiores que possam ser, jamais tirarão o fiscal de agir próximo ao trabalhador, pois alguns ilícitos trabalhistas só podem ser constatados com a verificação in loco, como no caso do combate às condições análogas a de escravo, o trabalho do menor, bem como outras formas de trabalho indigno.

Por fim, a inspeção do trabalho se instrumentaliza no mesmo passo em que o direito avança e metamorfoseia-se para acompanhar as mudanças no mundo do trabalho para que haja a correta aplicação das normas laborais ao caso concreto, proporcionando equilíbrio na relação capital e trabalho.

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 *Carlos Alberto de Oliveira é auditor fiscal do Trabalho, lotado no Rio de Janeiro. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela EMATRA-RJ e em Negociação Coletiva pelo convênio UFRGS/MPOG.

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