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O risco na concessão do crédito e a LGPD

O STJ, no julgamento de recursos sob o efeito dos repetitivos nos TEMAS 710 e 915, deliberou que o aludido sistema de "credit scoring" é lícito, e não constitui bancos de dados, mas sim uma metodologia utilizada para aferir o risco na concessão do crédito.

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Atualizado às 10:15

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A lei 12.414/2011 ("lei do cadastro positivo") estabeleceu um marco legal no tratamento das informações dos consumidores, possibilitando que as instituições financeiras registrem um histórico de crédito de seus clientes, atribuindo notas que variam do "bom" ao "mau" pagador.

Com o advento da LC 166/2019, visou-se atacar diretamente um dos pontos mais criticados da lei de cadastro positivo, qual seja: a baixa adesão ao sistema.

Pela nova redação do artigo 4º da lei de cadastro positivo, a instituição financeira está autorizada a "abrir cadastro em banco de dados com informações de adimplemento de pessoas naturais e jurídicas", sem o prévio consentimento do titular dos dados (modelo opt out). Ou seja, o gestor responsável pela administração do banco de dados poderá efetuar a abertura do cadastro positivo sem anuência do consumidor, que poderá optar pelo cancelamento do cadastro posteriormente (opt out).

A lei 13.709/2018 (LGPD), que entrou em vigor em 18 de agosto de 2020, dentre as hipóteses de licitude para o tratamento de dados pessoais - dispõe que o tratamento "para proteção do crédito" é lícito (art. 7º, inciso X), sem mencionar qualquer exigência de consentimento do titular dos dados, fazendo remissão ao disposto na legislação pertinente. Ou seja, a "LGPD" reconheceu que há um interesse legítimo no tratamento de dados pessoais para análise de risco no momento da concessão do crédito.

Ademais, o artigo 3º da lei de cadastro positivo dispõe uma série de requisitos que devem ser observados pelas instituições detentoras dos bancos de dados de adimplemento (clareza, objetividade e exatidão no registro das informações), o que também está em consonância com o que preceitua o artigo 6º da LGPD.

É de especial observância, o quanto disposto no inciso II do art. 5º da lei de cadastro positivo, que corroborado pelo artigo 9º da LGPD, afirma ser direito do cadastrado o acesso a seus dados, independentemente de justificativa e de maneira gratuita.

Não fosse o bastante, os incisos IV e V do art. 5º da lei de cadastro positivo, que em conjunto com o artigo 20 da LGPD, asseguram ao cadastrado, o direito de conhecer sobre os principais elementos considerados pela análise de crédito, bem como solicitar ao consulente a revisão da decisão tomada pelo gestor que realizou o seu cadastro no banco de dados.

Neste sentido, em paralelo ao cadastro positivo, surge o sistema de "credit scoring", que constitui um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito).

O STJ, no julgamento de recursos sob o efeito dos repetitivos nos TEMAS 710 e 915, deliberou que o aludido sistema de "credit scoring" é lícito, e não constitui bancos de dados, mas sim uma metodologia utilizada para aferir o risco na concessão do crédito.1

No aludido julgamento, o STJ deliberou ainda que: (i) devem ser fornecidas informações claras, precisas e pormenorizadas acerca dos dados considerados e as respectivas fontes levadas em consideração para atribuição da nota (histórico do crédito); (ii) não é necessário o consentimento prévio do consumidor na abertura do cadastro; (iii) em se tratando de compartilhamento das informações do consumidor pelos bancos de dados, prática essa autorizada pela lei 12.414/2011 em seus arts. 4º, III, e 9º, deve ser observado o disposto no art. 5º, V, da lei 12.414/2011, o qual prevê o direito do cadastrado ser informado previamente sobre a identidade do gestor e sobre o armazenamento e o objetivo do tratamento dos dados pessoais; (iv) não cabe dano moral sem efetiva prova de que foi solicitado o empréstimo e que este foi negado em decorrência da pontuação do sistema.

Em decisão publicada em janeiro deste ano, a 2ª turma dos Juizados Especiais Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, condenou a instituição detentora ao pagamento de danos morais por descumprimento dos deveres de informação com relação ao motivo da nota da consumidora estar muito baixa em seu sistema de escoragem2.

Portanto, embora o STJ tenha decidido que o sistema de "credit scoring" não se trata de um "banco de dados", é nítido que as informações guardadas pelas instituições que as detém, necessitam estar de acordo com o que prevê a lei de cadastro positivo e a nova LGPD, fazendo-se mister que os dados arquivados contenham informações claras, precisas e exatas dos consumidores.

Noutro giro, a ausência de consentimento do consumidor sobre a abertura de seu cadastro, está em harmonia com que dispõe a LGPD (art. 7º, X), devendo a instituição comunicar posteriormente o consumidor, que poderá solicitar o cancelamento de seus dados do sistema.

Por fim, o acesso as informações do cadastro positivo, bem como o conhecimento dos principais elementos e critérios considerados para análise do risco, são direitos subjetivos dos consumidores, consagrados tanto pela lei de cadastro positivo, como pela LGPD, devendo ser resguardado o segredo empresarial às empresas.

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1 STJ - REsp: 1419697 RS 2013/0386285-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 12/11/2014, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 17/11/2014.
2 TJGO, 2º Turma Recursal dos Juizados Especiais, Recurso Inonimado nº 5228570.49.2017.8.09.0051. Rel. Rozana Fernandes Camapum. Julgado em 29.01.2020

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*Vitor Gomes Rodrigues de Mello é advogado. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito.

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