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A importância da pesquisa estratégica na atuação criminal

O documento traz dados relevantes acerca da seletividade penal e do racismo estrutural tão presentes no cotidiano da cidade.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Atualizado às 09:25

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Até pouquíssimo tempo atrás era muito comum ouvir nos corredores dos fóruns e nas salas de audiência que pesquisador não conhecia nada da vida prática nem do mundo real e que pesquisas na área jurídica eram para encher prateleira de biblioteca. Um ex-juiz e ex-ministro da Justiça chegou a dizer à imprensa, por ocasião da apresentação de seu pacote legislativo denominado anticrime, que buscava "fazer a lei para produzir efeitos práticos e não para agradar professores de direito penal", em claro ataque a pesquisadores e pensadores da área. O tempo passou e esse discurso perdeu completamente o sentido.

Dia 27 de outubro de 2020, depois de anos e muitos julgados que admitiam a importância do reconhecimento de pessoa para a condenação criminal, a 6ª turma do STJ mudou completamente seu entendimento. Após uma brilhante atuação da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina no HC 598886 / SC (2020/0179682-3), os ministros decidiram pela inadmissibilidade da prova produzida através de reconhecimento fotográfico realizado na fase policial.

Sem sombra de dúvida, o voto magistral do min. Rogério Schietti é um divisor de águas no tratamento da prova e um ponto de partida para a criação de um Standard mínimo, tão aguardado por quem milita na área criminal. Mas não é esse o único mérito da decisão, o magistrado em diversos momentos fez referência a importantes pesquisas na área da psicologia do testemunho e do Innoccence Project.

Entretanto, sem desmerecer a importância dos trabalhos citados, chama a atenção a menção que o julgador fez à pesquisa realizada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro publicada em 2020. A Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da DPE RJ elaborou um relatório simples com base em processos  enviados por Defensores Públicos que observasse a presença de três requisitos: o reconhecimento pessoal em sede policial ter sido feito por fotografia; o reconhecimento não ter sido confirmado em Juízo e a sentença ter sido absolutória.

A conclusão foi, ao mesmo tempo, sensacional e estarrecedora. Nada menos que cinquenta e três pessoas foram reconhecidas por fotografia em sede policial e absolvidas ao final do processo. A comprovação por dados estatísticos do que já era uma hipótese de quem atua e estuda o processo serviu como fundamento da decisão.

Outro julgado que utilizou um trabalho de pesquisa como fundamento foi o HC 143988 STF. Descrito no item 4 da ementa, o material que serviu de base fática para reconhecer as vulnerabilidades dos adolescentes sujeitos a medidas socioeducativas de internação no território nacional foi produzido pelo Conselho Nacional de Justiça. Vejamos o trecho:

"Em pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ - chegou-se a um diagnóstico de que a seletividade e a reação estatal aos atos infracionais reproduz as mesmas variáveis detectadas no sistema prisional brasileiro, sendo mais comuns os atos infracionais contra o patrimônio e o tráfico de drogas. Desse modo, as reentradas e reiterações nos atos infracionais decorrem de múltiplos fatores especialmente daqueles que potencializam a vulnerabilidade desse público, como o uso e comércio de drogas (Reentradas e Reiterações Infracionais: Um Olhar sobre os Sistemas Socioeducativo e Prisional Brasileiros).".

Entendeu a 2ª turma do STF que a manutenção de adolescentes em condições insalubres de unidades de internação com capacidade abaixo de sua ocupação real vulnerabilizaria ainda mais essa parcela da população, que deveria ser protegida pelo sistema legislativo e não ainda mais castigada.

Sensibilizada com a necessidade de subsidiar a atividade finalística dos seus membros, a Defensoria Pública do Estado da Bahia criou a Assessoria de pesquisas estratégicas que, além de produzir e divulgar farto material, lançou no dia 29 de outubro o Relatório das Audiências de Custódia na Comarca de Salvador/BA, ano 2019. O documento traz dados relevantes acerca da seletividade penal e do racismo estrutural tão presentes no cotidiano da cidade. É um material completo que certamente subsidiará a atuação tanto dos Defensores Públicos, como dos demais profissionais que atuam com a proteção de direitos dos mais vulneráveis. Vale a pena conferir!  

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Não é fascismo endurecer penas contra crimes graves, diz Moro.

Relatório das Audiências de Custódia em Salvador/Bahia

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*Mauricio Saporito é defensor Público Coordenador Criminal da DPE BA.

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