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Fomento ao agronegócio não é favor, nem privilégio

Um paralelo econômico do agronegócio, permeando suas peculiaridades, tributação e fiscalização.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Atualizado às 13:05

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Nossa vocação econômica, enquanto nação, é a produção rural. Tal assertiva, por si só, não demanda maiores considerações e justificativas.

O fato é que dirigentes da nação nem sempre focaram suas ações econômicas no fomento do agronegócio, tendo, vez ou outra, a partir da segunda metade do século de XX, promovido medidas capazes de impulsionar o setor para que chegasse no patamar atual. Isso não se pode negar. É o caso da criação das Cédulas de Crédito Rural em 1957, posteriormente os Títulos de Crédito Rural em 1967 e do Sistema Nacional de Crédito Rural, o SNCR em 1965.

Neste sentido, no intuito de ilustrarmos o cenário econômico atual do agronegócio, em especial do produtor rural (pessoa física), temos que, reconhecidamente, partir da premissa de que seguindo sua vocação natural, o Brasil tem colhido frutos cada vez mais volumosos da exploração do setor. Daí a real necessidade de uma atenção acurada dos governantes ao segmento, se acaso desejam um crescimento robusto e sustentável do campo, que tem sustentado uma balança comercial favorável.

Neste sentido, medidas econômicas, por parte dos governantes, em especial do governo federal que tenham como objetivo incentivar o agronegócio são de fundamental importância para o crescimento do país, em especial medidas que sejam favoráveis no campo da tributação do setor.

A tributação do agronegócio, em especial, do produtor rural, deve considerar as peculiaridades do segmento, promovendo a simplificação das obrigações tributárias (principais e acessórias), a desburocratização sistêmica dos órgãos cadastrais e fiscalizadores (Ibama, SRFB, INCRA, Juntas Comerciais, Agências estaduais sanitárias e de defesa no agronegócio, Cartórios de Registro de Imóveis, entre outros), e o incentivo fiscal do setor.

Quando tratamos de um país com dimensões continentais, como o Brasil, que possui vastas áreas sem qualquer sinal de comunicação telefônica/internet, é impossível não entender que existem, peculiaridades que distinguem o produtor rural, e muito, do empresário urbano, sem mencionar nas difíceis, muitas vezes quase impossíveis, condições de escoamento de produção rural devido a falta de logística apropriada.

Reconhecendo as peculiaridades do campo e também da vocação econômica da nação ao agronegócio, a própria Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 23, mais precisamente no inciso VII do referido artigo que, a União, Estados, Municípios, devem fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar. Daí a afirmativa do título deste artigo de que o fomento ao agronegócio não é favor, nem privilégio, mas sim, garantia constitucional.

E como, o estado, deve fomentar algum setor da economia senão desburocratizando suas atividades, simplificando o entendimento de suas obrigações e promovendo a concessão de benefícios fiscais? Impossível.

Elementar que o fomento ao agronegócio garantido pela CF/88, sobretudo do ponto de vista fiscal, não se confunde com o oferecimento de carta branca para a elusão e sonegação tributária. Contudo, um controle fiscal cada vez mais rígido, com cada vez mais obrigações ao contribuinte, principalmente sobre o produtor rural pessoa física, não parece ser uma medida adequada para fomentar o setor.

Condições distintas ao setor em relação a setores baseados nos centros urbanos, em atenção ao que dispõe a CF/88, são pertinentes, não se confundindo, em absoluto, com privilégios tributários.

A União, em especial, não pode se olvidar, nem por um minuto, da aptidão e vocação do país ao agronegócio, tampouco da contribuição que o agronegócio presta à economia nacional, pois os números são cristalinos em apontar que não fosse o agronegócio o país estaria em uma recessão sem precedentes1.

Porém, o que vemos nos últimos anos é uma preleção pela fiscalização tributária do agronegócio por parte dos entes tributantes, culminando em inúmeros procedimentos fiscais que têm gerado autuações milionárias de agentes do setor. Prova disso é a que uma das diretrizes constantes do Plano Anual de Fiscalização da Receita Federal para 2020 é a fiscalização de eventuais "omissões de rendimentos e despesas fictícias da atividade rural exercida pelo contribuinte, utilizando também as informações das notas fiscais eletrônicas para identificar eventuais divergências"2.

Sabe-se que não são todos os produtores rurais que estão preparados, fiscal e contabilmente para a cada vez mais minuciosa fiscalização tributária e, por mais incrível que possa parecer nos dias de hoje, boa parcela dos produtores rurais, até mesmo agroindústrias desconhecem suas obrigações fiscais e também benefícios que porventura lhes sejam disponíveis.

A Secretaria da Receita Federal do Brasil, por exemplo, tem se debruçado em cruzamentos de obrigações fiscais acessórias, que se mostram cada vez mais complexos, utilizando-se de declarações do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, Declarações Anuais de Produtor Rural, Fichas cadastrais de agências de defesa sanitária e animal, Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas, Livro Caixa do Produtor Rural, GFIP, e-Social, e-Financeira, entre outras.

Outro exemplo de "persecução tributária" e ações exacionais aos produtores rurais vem dos municípios que, por meio de delegação da fiscalização e cobrança do ITR por parte da União, tem provocado uma enxurrada de cobranças infundadas e absurdas, principalmente de municípios menores que geralmente não possuem fiscais capacitados para executar regulares procedimento fiscais.

Tem-se que o produtor rural está cada vez mais na obrigação de cercar-se de profissionais para orientá-lo, como contadores e até mesmo advogados, mesmo que, muitas vezes, não possua condições financeiras para fazê-lo.

Talvez, esteja na hora das autoridades fiscais, em conjunto às de políticas econômicas, começarem a enxergar mais o que o setor produtivo do agronegócio pode entregar à economia e sociedade como um todo, e focar suas ações em beneficiar e desburocratizar o setor, ao invés de impossibilitar negócios, tratando os produtores rurais como grandes corporações submetidos a duras regras de compliance.

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1- Mesmo no pior cenário por covid-19, PIB agropecuário deve subir 1,3%, diz Ipea

2- Plano Anual de Fiscalização 2020 e Resultados 2019

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*Daniel Iachel Pasqualotto é advogado do escritório Bittencourt Brito Filho & Pasqualotto. Especialista em Direito Tributário e Direito do Agronegócio.

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