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Tributação da remuneração do investidor anjo

A ilegalidade da IN/RFB 1.719/17, com a pretensão de instituir imposto de renda sobre os rendimentos do investidor nos contratos de participação societária.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Atualizado às 13:04

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A LC 155/16 fez algumas alterações na LC 123, dentre estas modificações está a instituição do INVESTIDOR ANJO, com a finalidade de incrementar a economia através das empresas optantes pelo Simples Nacional.

Com o advento da LC 155/16, as pessoas físicas ou jurídicas poderão fazer aporte de capital na sociedade empresarial, optante do Simples Nacional, mesmo sem fazer parte da composição societária da empresa.

Este aporte de capital será feito através de contrato particular de investimento societário temporário, com prazo nunca superior a 7 anos, não podendo este investidor exercer o direito de resgate, antes de completar 2 anos, com remuneração de acordo com o contrato firmado entre as partes.

O investidor anjo, como qualquer outro, tem como finalidade obter resultado no investimento, resta saber como será a tributação desse resultado.

Conceito de Investidor Anjo

Antes de entrar na temática sobre a tributação dos rendimentos obtidos pelo investidor anjo, é necessário compreender o conceito dessa nova categoria de participação, semelhantes às sociedades em conta de participação.

Dessa forma, o presente trabalho começa com a interpretação do artigo 61-A da LC 123, que instituiu a figura do investidor anjo.

O referido diploma legal tem a seguinte redação:

Art. 61-A. Para incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos, a sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos desta Lei Complementar, PODERÁ ADMITIR O APORTE DE CAPITAL, que não integrará o capital social da empresa. (nosso grifo)     

§ 1o As finalidades de fomento a inovação e investimentos produtivos deverão constar do contrato de participação, com vigência não superior a sete anos.

§ 2o O aporte de capital poderá ser realizado por pessoa física ou por pessoa jurídica, denominadas investidor-anjo.

Com a leitura do caput do artigo, não resta qualquer dúvida de que se trata de participação na sociedade através de aporte de capital, sem alteração na composição societária, ou seja, é um contrato particular em que o investidor passa a fazer parte da sociedade temporariamente.

Importante salientar que a opção por investir em sociedade poderá ter resultado positivo ou negativo, de acordo com o resultado da sociedade, dessa forma é fundamental que o contrato elaborado tenha característica de participação no negócio e não seja, simplesmente, um contrato de mútuo.

Nesse sentido, é importante que se faça uma comparação entre a participação do investidor anjo e a sociedade de conta em participação, o que passo a fazer.

A definição da sociedade em conta em participação, consta no artigo 991 do Código Civil, que tem a seguinte redação:

Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.

Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.

A sociedade em conta de participação (SCP), poderá limitar-se a apenas uma ou algumas das operações da sociedade, sendo que o investidor anjo participará da sociedade em sua totalidade, assim não resta qualquer dúvida de que este tipo de investimento é muito mais próximo de uma participação societária do que as SCP.

Transferência de Titularidade

A titularidade para participação do investidor anjo poderá ser transferida para terceiro, através de contrato de compra e venda, situação em que poderá ocorrer a perda ou o ganho de capital.

Diferença contrato de mútuo investidor Anjo

I - DO CONTRATO DE MÚTUO

Trata-se de verdadeiro empréstimo, em que será predeterminada a remuneração, independente do resultado do tomador do mútuo.

II - CONTRATO INVESTIDOR ANJO

Contrato firmado entre a pessoa jurídica e o investidor anjo, em que a remuneração depende do resultado, conforme a redação do parágrafo 6° do artigo 61-A, que tem a seguinte redação:

 "§ 6o Ao final de cada período, o investidor-anjo fará jus à remuneração correspondente aos resultados distribuídos, conforme contrato de participação, não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte."

Ainda pode ser citado o paragrafo 2°, do mesmo artigo, que define este tipo de investimento como aporte de capital:

§ 2o  O aporte de capital poderá ser realizado por pessoa física ou por pessoa jurídica, denominadas investidor-anjo.

Colaborando, em sequência, para o entendimento de que o contrato assinado pelo investidor é de participação e não contrato de mútuo, pode ser citado a redação do inciso III, do parágrafo 4°, do artigo 61-A, que tem a seguinte redação:

III - será remunerado por seus aportes, nos termos do contrato de participação, pelo prazo máximo de cinco anos. 

Não resta dúvida de que a remuneração do investidor anjos depende do avençado no contrato, desde que respeitado o limite de 50% do resultado. Portanto, se não houver lucro, não haverá remuneração.

Ora, a limitação da remuneração a 50% do resultado da pessoa jurídica, distância esse tipo de participação do contrato de mútuo, que possui rentabilidade, independente do resultado da empresa que fez a captação do recurso.

Ainda sobre a limitação da remuneração de 50% do resultado da empresa que fez a capacitação, significa dizer que se trata de contrato de risco, o que a Receita Federal do Brasil almeja afastar, com a pretensão de tributar este resultado.

O artigo 50 do Código Civil está no Título Terceiro, que trata das pessoas jurídicas, vejamos a redação a seguir:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

O legislador procurou afastar a possibilidade da desconsideração da personalidade, no inciso II, do parágrafo 4°, do artigo 61-A, demonstrando, assim, que se trata de uma sociedade empresarial.

Entendo que a preocupação do legislador, quanto a este ponto, é desnecessária, pois, apesar de ser uma sociedade empresarial, o contrato firmado por uma das partes, que é a pessoa jurídica optante do Simples, é quem responderá civilmente perante terceiros.

É sabido que a sociedade empresarial, na dissolução, deve observar o artigo 1.031 do Código Civil, em que é determinado o valor das quotas com levantamento de balanço especial para este fim, conforme a seguir descrito de forma literal:

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

§1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.

§2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário

Com efeito, o mesmo ocorre nos casos de resgate do investimento, como assim determina o parágrafo 7°, do artigo 61-A, da LC 155/16:

§ 7o  O investidor-anjo somente poderá exercer o direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte de capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação, e seus haveres serão pagos na forma do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, não podendo ultrapassar o valor investido devidamente corrigido.(grifo nosso)

Após a leitura do parágrafo acima mencionado, fica muito claro que o contrato é de participação societária, assim a remuneração será sempre o resultado.

Destarte, o contrato firmado entre a empresa optante do Simples e o investidor anjo deve ser elaborado com a definição da remuneração como participação nos resultados, afastando, dessa forma, qualquer possibilidade de enquadramento como contrato de mútuo.

Diante de todo o exposto, não restam dúvidas quanto à inexistência de qualquer semelhança entre contrato de mútuo e aporte de capital pelo investidor anjo, devendo-se apenas manter os cuidados na elaboração de seu contrato de maneira a evitar dúvidas sobre a sua natureza.

DA TRIBUTAÇÃO DA REMUNERAÇÃO DO INVESTIDOR ANJO

Existem dois tipos de rendimentos obtidos pelo investidor anjos, que são:

a)    Participação no resultado da sociedade na qual o mesmo fez o aporte de capital;

b)    Ganho de capital na alienação da participação.

Importante lembrar que o resultado na alienação poderá ser com um valor inferior ao aporte de capital, não havendo, dessa forma, ganho de capital, mas sim prejuízo.

Da participação no resultado da sociedade na qual o mesmo fez aporte de capital

Como já sobejamente comentado, a remuneração do investidor anjo deve ser tratada como distribuição, devendo estar preestabelecido no contrato firmado entre as partes.

O rendimento do investidor anjo deve ter por base um resultado positivo, podendo ser negativo, quando da dissolução da participação, de acordo com o balanço especial levantado para fins de definição do valor das quotas investidas.

A distribuição de lucro não tem a incidência de imposto de renda, de acordo com o artigo 10 da lei 9.249/95, que tem a seguinte redação:

Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda na fonte nem integrarão a base de cálculo do Imposto sobre a Renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no país ou no exterior.

Ocorre que, na contramão, a Receita Federal do Brasil,  através da IN/RFB 1.719/17, instituiu a tributação sobre a remuneração do contrato de investidor anjo, conforme redação do artigo 1° da referida Instrução Normativa:

Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre a tributação dos rendimentos decorrentes dos contratos de participação com aportes de capital efetuados nos termos do art. 61-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, pelos denominados investidores-anjo, para incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos em sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte.(grifo nosso).

Parágrafo único. Não é condição para recebimento dos aportes de que trata o caput a adoção, pela sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional).

Em primeiro lugar, a Receita Federal do Brasil está instituindo nova base de cálculo para o imposto de renda que incidirá sobre os rendimentos obtidos pelo investidor, pois não existe lei complementar que determine essa tributação, sendo, portanto, essa exação fiscal totalmente improcedente, tendo em vista que a Instrução Normativa não é o meio legal adequado para ampliar a base de cálculo dos tributos.

A Instrução Normativa é um ato do Poder Executivo com a finalidade de regulamentar uma lei existente, ou seja, por ser ato normativo secundário, não tem o condão de inovar no ordenamento jurídico.

Por oportuno, colacionamos, alhures, o parágrafo único, do artigo 1° da referida Instrução Normativa para demonstrar que a autoridade está extrapolando todos os limites, pois o referido diploma não é condição necessária para a empresa, optante pelo Simples, tendo em vista que a lei que instituiu a modalidade de investimento alterou a LC 123, que trata exclusivamente das empresas optantes pelo Simples.

Do ganho de capital na alienação da participação

Assim, como qualquer tipo de participação societária, poderá ser transferida, desde que não exista no contrato algum impedimento. Nesse caso, ocorrerá o ganho de capital.

O ganho será a diferença positiva em que o valor da aplicação, atualizado pelo índice definido no contrato, com o valor da alienação.

O artigo 3°, da Instrução Normativa 1.719/17, regulamenta a tributação desse ganho de capital, o que é absolutamente legal, pois se trata, efetivamente, de ganho de capital.

A forma de apuração do ganho de capital na alienação do investimento está regulamentada no parágrafo único, do artigo 4° da IN/RFB 1.719, encontrando-se em acordo com o conceito legal do ganho de capital.

Das alíquotas

As alíquotas na tributação sobre os rendimentos estabelecido pela IN/RFB dar-se-á de acordo com o prazo de resgate no artigo 5°, conforme  a seguir:

Art. 5º Os rendimentos decorrentes de aportes de capital efetuados na forma prevista nesta Instrução Normativa sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda retido na fonte, calculado mediante a aplicação das seguintes alíquotas:

I - 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento), em contratos de participação com PRAZO DE ATÉ 180 (CENTO E OITENTA) DIAS;

II - 20% (vinte por cento), em contratos de participação COM PRAZO DE 181 (CENTO E OITENTA E UM) DIAS ATÉ 360 (TREZENTOS E SESSENTA) DIAS;

III - 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento), em CONTRATOS DE PARTICIPAÇÃO COM PRAZO DE 361 (TREZENTOS E SESSENTA E UM) DIAS ATÉ 720 (setecentos e vinte) dias;

IV - 15% (quinze por cento), em contratos de participação com prazo superior a 720 (setecentos e vinte) dias.

Analisando as definições das alíquotas, de acordo com os prazos estabelecidos no contrato firmado entre o investidor e a empresa, que recebeu o aporte de capital, causa grande surpresa pela inobservância da lei que instituiu a modalidade de investimento, senão vejamos:

a)    Entender que a modalidade de investimento se destina a qualquer empresa de microempresa ou empresa de pequeno porte, independente de ser ou não optante do Simples;

b)    Os prazos para definir as alíquotas de tributação começam com o investimento com prazo de 180 dias.

Conforme determina o parágrafo 7° do artigo 61-A, da LC 123, que o menor prazo para resgate é de dois anos, assim a Instrução Normativa não está em consonância com a Lei Complementar 155/2016.

Determina o parágrafo 7°, do artigo 61-A, da LC 123:

§ 7o  O investidor-anjo somente poderá exercer o direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte de capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação, e seus haveres serão pagos na forma do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, não podendo ultrapassar o valor investido devidamente corrigido.

A princípio, pode-se pensar que na regulamentação tenha se tratado da tributação do ganho de capital na alienação ou ainda nos casos em que os contratos de investimento sejam enquadrados como simples empréstimo e não participação societária, mas na leitura do inciso I do parágrafo 2°, do artigo 4°, fica clara a reta intenção de instituir a tributação sobre distribuição de lucro para os investidores anjos.

Por fim, a seguir a redação do inciso I parágrafo 2° do artigo 4° da IN/RFB n° 1.719/2017:

§ 2º Entende-se como rendimento para fins de aplicação do disposto neste artigo:

I - a remuneração periódica a que faz jus o investidor-anjo, correspondente aos resultados distribuídos de que trata o art. 2º; e

II - o ganho no resgate do aporte de que trata o art. 4º.

Conclusão

Diante de todo o exposto, a conclusão é que a Receita Federal do Brasil, através da IN/RFB 1.719/17, instituiu imposto de renda sobre a distribuição de lucro para o sócio investidor anjo.

A pretensão da Receita Federal do Brasil é evitar empréstimos disfarçados de investimento, de acordo com a LC 155/16. Dessa forma, nos casos em que o contribuinte receba investimento dessa modalidade de investimento, deverá ser elaborado um contrato com regras expressas de que o investimento corresponderá a percentual sobre o valor do resultado da pessoa jurídica que recebeu o aporte de capital.

Após firmado o contrato, deverá ser realizada uma consulta elaborada junta a Receita Federal do Brasil, sobre a existência ou não de imposto de renda sobre a remuneração do investimentos, caso a resposta seja no sentido de tributar, restará ao contribuinte ingressar com a medida judicial cabível para afastar a cobrança indevida.

_________

*Francisco Coutinho Chaves é advogado Tributarista, pós-graduado de Direito e Processo Tributário, Bacharel em Ciências Contábeis, com mais de dez anos de experiência em planejamento tributário e auditoria fiscal, autor dos Livros Planejamento Tributário na Prática, Contabilidade Tributária na Prática e Contabilidade Prática na Construção Civil, Retenção de Tributos (Editora Atlas), ministrou aulas em pós-graduação em diversas faculdades.

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