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A urgente e necessária reforma tributária

As discussões sobre a reforma tributária se concentram quase exclusivamente na tributação de bens e serviços.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Atualizado às 12:50

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Há algum tempo se instaurou na sociedade brasileira a percepção de que a reforma tributária é indispensável para o crescimento econômico. E as críticas ao sistema tributário brasileiro são das mais diversas ordens. A apenas a título de exemplo: I) o sistema de financiamento é insuficiente para o tamanho do Estado - numa perspectiva keynesiana; II) é sistema regressivo que gera inúmeras injustiças; III) o "custo brasil" é elevado em decorrência, em grande medida, do sistema tributário ser extremamente complexo e demandar gastos aviltantes apenas para a empresa estar em conformidade.

Cumpre dizer que, de forma diversa do que a maioria dos países fizeram, o Brasil tratou do sistema tributário nacional na Constituição Federal, tratando, inclusive, dos por menores dos tributos. Apesar das garantias constitucionais, a constitucionalização de minucias do sistema tributário brasileiro acaba por dificultar a reforma tributária, já que esta deve ocorrer mediante aprovação de PEC's, não apenas de legislação infraconstitucional.

Por muito tempo, as discussões sobre a reforma tributária se concentram quase exclusivamente na tributação de bens e serviços: unificação de vários tributos nacionais e impostos de competência dos estados em um imposto sobre o valor agregado ("IVA") ou de unificação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Qualquer Natureza ("ICMS"). As propostas nesse sentido esbarraram, contudo, nos conflitos federativos e distributivos. Essa trava acabou por legitimar a relativa paralisia do governo federal em empreender mudanças que iniciassem com os tributos de impacto federativo.

Apesar dos insucessos dessas propostas, é nítida a necessidade de alterações no sistema tributário nacional. Contudo, apesar do consenso de que os tributos são ineficientes e injustos, os governos têm sucessivamente falhado em alterá-los.

O governo de FHC encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de reforma tributária que, no entanto, após quatro anos de discussões não foi votada no plenário da Câmara dos Deputados. O governo Lula também enviou sua própria proposta ao congresso, a PEC 41/03. Ela foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas barrada no Senado Federal.

No governo Dilma, a reforma do sistema tributário também esteve em pauta. Apesar das promessas de reforma e da aprovação de algumas leis de cunho tributário, a reforma propriamente dita nunca saiu do papel.

A discussão sobre a reforma tributária voltou à tona no governo do presidente Jair Bolsonaro, sendo, inclusive, uma das principais pautas defendidas na campanha eleitoral pelo atual presidente.

Atualmente, estão em discussão três propostas no Congresso Nacional: a proposta encabeçada por Bernardo Appy (PEC 45/19); a proposta defendida pelo ex-deputado Hauly (PEC 110/19) e proposta apresentada pelo Governo Federal (projeto de lei 3.887/20).

A PEC 45/19, defendida por Bernardo Appy e pelo Centro de Cidadania Fiscal, tem como foco a tributação de bens e serviços. Propõe-se a substituição de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um único imposto, o Imposto sobre Bens e Serviços - "IBS", cuja receita seria compartilhada entre União, estados e municípios. O intuito da proposta é "transformar o sistema em algo mais simples, transparente e neutro, beneficiando o crescimento a longo prazo do Brasil"[1].

A proposta prevê ainda um período de transição tanto para as empresas, com a substituição progressiva dos tributos atuas pelo IBS, ao longo de dez anos, como para a distribuição da receita do IBS aos entes federativos (transição de cinquenta anos). No período de transição, não haveria qualquer alteração na carga tributária.

Os idealizadores da proposta de emenda à constituição federal focaram seus esforços na reforma da tributação de bens e serviços. Isso porque, o Brasil tem cinco tributos que incidem sobre bens e serviços (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) que apresentam inúmeras distorções: base de incidência fragmentada setorialmente; legislação complexa; problemas de cumulatividade e de restrições ao aproveitamento de créditos; restrições ao ressarcimento de créditos acumulado.

Argumentam que o modelo de tributação do consumo adotado pelo Brasil onera a produção, as exportações e os investimentos, não se limitando a onerar apenas o consumo. Além disso, a complexidade dos tributos brasileiros sobre bens e serviços acarreta um elevado custo no cumprimento das obrigações acessórias.

Há ainda problemas no que tange à segurança jurídica. Em razão do elevado número de demandas havidas entre o fisco e os contribuintes, os custos das empresas são elevados e, consequentemente, se instaura um ambiente de insegurança jurídica que necessariamente afeta os investimentos na economia brasileira. Aqui, ainda há problemas no âmbito da concorrência. Haverá contribuintes, em situações idênticas, que irão pagar menos impostos do que outros em razão de decisões judiciais.

Vale dizer que a diversidade de formas de incidência e a multiplicidade de alíquotas, bases de cálculo, benefícios fiscais, regimes especiais, torna impossível precisar o valor dos tributos cobrados ao longo da cadeia. Isso, consequentemente, torna o sistema pouco transparente.

A proposta do Imposto sobre Bens e Serviços ("IBS") seria um imposto não cumulativo, com as características de um IVA. O fato gerador compreende as operações onerosas com bens tangíveis e intangíveis, inclusive, locações, licenciamento e cessão de direitos e os serviços. Vale dizer que a base de cálculo do imposto não comtempla seu próprio montante (incidência "por fora"). A proposta ainda está na Câmara dos Deputados aguardando o parecer do relator na Comissão Especial.

A segunda proposta, a PEC 110/19, proposta pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly é considerada por muitos juristas, economistas e contadores como sendo a melhor proposta de reforma tributária. Assim como a PEC 45/19, esta proposta também pretende a unificação de diversos tributos em um único, o Imposto sobre Bens e Serviços ("IBS"), com características de um imposto sobre valor agregado. A proposta pretende a extinção dos seguintes tributos: IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS, ISS.

O IBS teria as seguintes características: competência estadual; instituição por Lei Complementar; uniformidade das alíquotas em todo o país; alíquotas diferenciadas em relação ao padrão para determinados bens ou serviços.

Ao contrário da PEC 45/19, essa PEC contempla outras matérias diversas dos tributos incidentes sobre o consumo: a PEC 110/19 propõe a extinção da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ("CSLL"), sendo sua base incorporada ao Imposto de Renda ("IRPJ"); transferência do ITCMD da competência estadual para a federal, com a arrecadação integralmente destinadas aos município; ampliação da base de incidência do IPVA, para incluir as aeronaves e embarcações, com a arrecadação integralmente destinada aos município; possibilidade de criação de adicional do IBS para financiamento da previdência social; criação de fundos estadual e municipal para reduzir a disparidade da receita per capite entre os estado e municípios, com recursos destinados a investimentos em infraestrutura.

Esta proposta aguarda parecer do relator na CCJ do Senado Federal. Somente após a aprovação do relatório na comissão é que a matéria será discutida no plenário do Senado. A proposta deverá ainda passar por votação na Câmara dos Deputados.

Por seu turno, o governo do Presidente Bolsonaro, na figura do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou ao Congresso Nacional o projeto de lei 3.887/20 que propõe a unificação de dois tributos (PIS e Cofins) em um só, a Contribuição sobre Bens e Serviços ("CBS"), com alíquota única de 12%.

Essa nova contribuição tornaria o sistema mais simples e reduziria os litígios administrativos e judiciais. O princípio da nova contribuição é o mesmo do IVA: será cobrada da pessoa jurídica sobre o valor que agrega ao produto ou serviço e, caso o item adquirido sirva de insumo a outra pessoa jurídica, ele recebe os créditos. A base de cálculo da CBS será a receita bruta auferida pela empresa em cada operação, excluindo o ICMS, ISS, a própria CBS (incidência "por fora") e descontos incondicionados.

O governo afirmou que a proposta de reforma tributária terá mais três etapas. Além da unificação do PIS e da Cofins, haverá alterações na cobrança do IPI, na tributação da renda de pessoas jurídicas e pessoas físicas, além da desoneração da folha de pagamentos.

Quando da entrega da proposta ao Congresso Nacional, o presidente da República, Jair Bolsonaro, solicitou que a proposta fosse analisada em regime de urgência.

As críticas às reformas tributárias em discussão são : aumento da desigualdade regional, tendo em vista a extinção dos incentivos e benefícios fiscais, aliada à perda de autonomia tributaria dos Estados e Municípios; insegurança jurídica; ausência de previsão quanto ao destino dos créditos de ICMS, IPI, PIS e Cofins acumulados ao longo do tempo; ofensa ao pacto; aumento das desigualdades sociais; aumento da carga tributária.

Tanto a PEC 45/19 como a PEC 110/19 são pretenciosas, buscando a reforma de toda a sistemática da tributação de bens consumo. Tendo em vista os inúmeros interesses envolvidos, é possível que as propostas não avancem no Congresso Nacional, por mais urgente e necessária que seja a reforma tributária.

Não se olvida a necessidade da simplificação do sistema de tributação do consumo. Contudo, há certas questões que podem ser tratadas por meio de projeto de lei e que melhorariam o sistema tributário do Brasil. A exemplo disso, é adoção de mediação, conciliação e arbitragem no âmbito tributário. Ou ainda, que as questões tributárias fossem definidas por uma espécie de incidente de constitucionalidade para que inexistam distorções no mercado.

Assim, por ser desejável e necessária a reforma tributária, espera-se que haja um grande diálogo entre todos os setores da sociedade para que aumentem as chances de aprovação da Propostas de emenda constitucional que estão tramitando ou do projeto de lei 3.887/20 , neste momento difícil marcado pela pandemia do Coronavírus. Talvez, assim como fez o Governo Federal, a saída para a melhoria do sistema tributário nacional (e que realmente seja aprovada no Congresso Nacional) sejam as reformas pontuais em determinados seguimentos do sistema e que possam ser realizadas mediante alteração na legislação infraconstitucional.

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[1] Centro de cidadania fiscal. Proposta de reforma do sistema tributário brasileiro. Disponível clicando aqui

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível clicando aqui. Acesso em: nov. 2020.

BRASIL. Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Brasília, 25 de outubro de 1966. Disponível clicando aqui. Acesso em: nov. 2020.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição Federal n. 45/2019. Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2019. Disponível clicando aqui. Acesso em: nov. 2020.

BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição Federal n. 110/2019. Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências. Brasília, DF: Senado Federal, 2019. Disponível clicando aqui. Acesso em: nov. 2020.

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n. 3.887/2020. Institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços - CBS, e altera a legislação tributária federal. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: nov. 2020.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2017.

COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009.

JUNQUEIRA, Murilo de Oliveira. O nó da reforma tributária no Brasil (1995-2008). Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 30, n. 89, p. 93-113. Disponível clicando aqui. Acesso em: nov. 2020.

LIMA, Edilberto Carlos Pontes. Reforma tributária no Brasil: entre o ideal e o possível. Brasília: IPEA - Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada, 1999. Disponível clicando aqui. Acesso em: nov. 2020.

ORAIR, Rodrigo; GOBETTI, Sérgio. Reforma tributária no Brasil: princípios norteadores e propostas em debate. Novos estudos. CEBRAP, São Paulo, v. 37, n. 2, p. 213-244. Disponível clicando aqui. Acesso em: nov. 2020.

PROPOSTA DE REFORMA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO. Centro de cidadania fiscal. Disponível clicando aqui.

REFORMA DO MODELO BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS. Centro de cidadania fiscal. Disponível clicando aqui. Acesso em: nov. 2020.

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 *Luis Gustavo Soares Amorim de Sousa é advogado especialista em Direito Tributário e Administrativo. Professor do UniCEUMA. Mestrando em Ciências Jurídico-Políticas na Universidade Portucalense. Presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/MA.

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