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Siga o dinheiro

No fim, num mundo capitalista, aquilo que você é se reflete no que você gasta.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Atualizado às 08:38

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No último livro dos autores de Freakonomics, Levitt propõe um novo modelo de eleições, onde seria possível mais de um voto por eleitor, mas cada um com um custo diferente. Iniciando por um dólar por voto e os seguintes sendo o valor do anterior mais um elevado ao quadrado. Ou seja, o primeiro voto custaria um dólar, o segundo quatro, o terceiro 25, o quarto 676, o quinto 458.379 e assim por diante.

A lógica do economista era registrar, não só a escolha, mas também o empenho e importância da opção, que ficaria registrado no quanto cada eleitor se disporia a investir para ter o resultado desejado nos votos. Ou seja, o valor despendido em uma escolha é um registro adicional sobre o motivo da escolha, reforçando que nossos gastos falam sobre nós. Não é à toa que existe a expressão "siga o dinheiro" usada pelos investigadores.

Ter o controle sobre quanto cada pessoa gasta é um sonho para qualquer governo, pois funciona como uma base de informação relativa à vida privada. Estas informações estão, em parte, disponíveis nos registros dos gastos em cartões de crédito e das movimentações bancárias realizadas; porém uma imensa parcela permanece uma incógnita por serem gastos feitos em dinheiro vivo.

Toda a informalidade, que suporta grande parte da nossa economia, segue o gasto realizado em dinheiro, permanecendo intocável pelo controle governamental. Sendo, por exemplo, um dos únicos meios de evitar ter sua renda abocanhada por tributos como a extinta CPMF.

Agora imagine se o governo criasse um meio de substituir todas as transações em dinheiro por outra opção. Quanto de informação adicional ele teria sobre cada um de nós. Será que isso seria usado a nosso favor?

Pense, são exatamente aqueles que fazem mais uso da opção do dinheiro como meio de pagamento que são os mais frágeis e indefesos frente a saga arrecadadora do Estado. Demandas inelásticas como a por alimentos possuem maior participação percentual nos gastos dos pobres que no dos ricos, tendo um peso muito maior elevar o tributo sobre esses itens para essa parcela da economia que para outras.

Com conhecimento sobre o padrão de gastos dos mais pobres, quanta criatividade seria possível ao governo para atingi-los? Não é à toa que a plataforma PIX foi criada pelo Banco Central, não por uma empresa privada ou uma fintech.

O PIX é lindo. Uma solução engenhosa e atrativa, mas ele vai colocar em xeque toda a nossa possibilidade de privacidade. A parcela final das nossas informações de hábito de consumo estaria exposta.

Imagine aquele valor que você despende mas prefere não registrar, a ajuda que dá a alguém que não quer que figure como doação, o uso livre que faz da sua renda, que é apenas problema seu... com o PIX imperando, você terá que dizer adeus a tudo isso.

No fim, num mundo capitalista, aquilo que você é se reflete no que você gasta. Ter essa informação completa e total dará poder a outrem de saber mais sobre você do que você mesmo.

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*Christiano Sobral é diretor-executivo do escritório Urbano Vitalino Advogados, especializado em marketing, economia e negócios.

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