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O jus postulandi na Justiça do Trabalho e a pandemia da covid-19

A recomendação 8 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho fez surgir novamente a indagação que já existia acerca da indispensabilidade ou dispensabilidade do advogado na Justiça Trabalhista.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Atualizado às 08:02

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Durante a pandemia da covid-19, o jus postulandi teve sua aplicação emergindo diante da recomendação 8 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, publicada em 23 de junho de 2020. Foi recomendada aos Tribunais Regionais a implementação de medidas para viabilizar a atermação virtual e o atendimento virtual dos jurisdicionados, necessários para que o jus postulandi possa ser exercido em plenitude, enquanto perdurarem as restrições decorrentes da pandemia da covid-19. Na prática, foi recomenda a criação na Justiça Trabalhista de uma estrutura em que seja possível receber ações sem o apoio de advogado.

Apesar de a recomendação 8 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho ter sido uma movimentação de caráter emergencial por causa da pandemia da covid-19, fez surgir novamente a indagação que já existia acerca da indispensabilidade ou dispensabilidade do advogado na Justiça Trabalhista.

Com efeito, o Poder Judiciário, com a publicação da Resolução supracitada, teve a pretensão de tentar agilizar processos trabalhistas durante o estado de calamidade pública da covid-19. Porém, vem à tona, mais uma vez, o questionamento das consequências dessa supressão de direitos da parte, já que tende a ignorar e talvez anular o princípio da proteção e o acesso equilibrado à justiça, ao não amparar os direitos materiais e processuais de que ingressa na Justiça Laboral sem o auxílio de um profissional. 

É certo que o jus postulandi está previsto de forma expressa na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), decreto-lei 5.452, publicado em 1º de maio 1943. Traz em seu artigo 791, caput, a redação estabelecendo que empregados e empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.

O instituto do jus postulandi tem como significado o direito que as partes têm de falar em um processo, em que "jus" significa direito e "postulandi" significa postular. Em outras palavras, é a capacidade que as partes têm para defender seus interesses em uma ação trabalhista. Trata-se de uma faculdade de postular em causa própria, sem estarem acompanhadas por um advogado ou por figuras equivalentes com capacidade postulatória. É, portanto, a faculdade de se buscar diretamente a satisfação da tutela jurisdicional, sem a necessidade do intermédio de profissional especializado.

O jus postulandi surgiu com a necessidade de democratizar o acesso à Justiça Laboral, com intenção inicial de minimizar as desigualdades sociais que existiam (e ainda existem) no que tange à prestação jurisdicional, sendo baseado no princípio da igualdade, visando conferir tratamento justo e igualitário entre as partes, em que a lei deve tratar de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais, na medida de suas igualdades ou desigualdades.

Há uma convicção de que o jus postulandi tenha surgido como uma forma de compensação à hipossuficiência do empregado, pois exigir um procurador com capacidade técnico-jurídica, ou seja, exigir os serviços profissionais de um advogado deste empregado hipossuficiente seria uma redução dessa proteção. E, também, de que houve uma preocupação do legislador em amparar o hipossuficiente, dando-lhe a possibilidade de ter acesso ao Poder Judiciário sempre que as circunstâncias se fizessem necessárias, tendo em vista que seria contrário ao interesse público a lei vedar a essas pessoas o direito ao acesso à justiça, deixando o patrocínio de um advogado como uma faculdade nesses casos. 

Importante mencionar que apesar da Reforma Trabalhista (lei 13.467/17), o artigo 791 da CLT não teve sua redação alterada, permanecendo possível ser aplicado o jus postulandi nas relações trabalhistas.

Porém, ao longo dos tempos, sempre houve divergências doutrinárias acerca da aplicabilidade do jus postulandi no ordenamento jurídico, em que juristas, doutrinadores e estudiosos divergem de opinião sobre a (in)dispensabilidade o advogado, surgindo opiniões contraditórias.

Vejamos.

Nas palavras de SILVA1, o jus postulandi representa o acesso fácil, a reclamação atermada, a audiência rapidamente designada, atributos que sempre foram elogiáveis na Justiça do Trabalho.

Na mesma linha de raciocínio, PIMENTA2 entende que atuar em juízo pessoalmente é uma importante medida de acesso à justiça para os jurisdicionados em geral, alegando que todas as causas não decorrentes de relação de emprego sempre foram aplicáveis na Justiça do Trabalho.

O mesmo pensamento é sustentado por ALMEIDA3, inconformada com a possibilidade de proibição do jus postulandi, afirmando que não importa a falta de aptidão técnica da parte, pois a própria lei faculta ao juiz impulsionar, de ofício, o processo. 

Por outro lado, há uma grande gama de juristas, doutrinadores e estudiosos que não concordam com a permanência da aplicação do jus postulandi no ordenamento jurídico e, principalmente, na Justiça Trabalhista.

Para TEIXEIRA FILHO4, não há nenhuma dúvida de que o art. 133 da CRFB/88, ou seja, de que o advogado é indispensável à administração da justiça, é uma norma que tem aplicação imediata, independente de qualquer norma regulamentadora. Afirma, ainda, que mesmo se as normas legais não existissem, deveria haver banimento do art. 791 da CLT, se posicionando no sentido de que a regra do jus postulandi causou mais danos do que benefícios ao trabalhador, pois o discurso enganoso de atender ao princípio da simplicidade do procedimento, na verdade, representa um engodo, uma enganação para o trabalhador que ajuíza uma ação sem o acompanhamento de um advogado. Esclarece, também, que o advogado no processo traz equilíbrio e igualdade técnica entre as partes, pois quando apenas uma das partes postula com advogado o que se tem é uma disputa injusta, um desequilíbrio, um massacre daquele que utiliza do sedutor jus postulandi para defender seus interesses.

No mesmo entendimento, SCHIAVI5 defende que é o advogado quem promove uma ordem jurídica justa e promove verdadeiramente o acesso à Justiça do Trabalho, pois a ausência de assistência técnico-jurídica diante da complexidade material do Direito do Trabalho pode dificultar, e não facilitar o acesso das partes na seara trabalhista.

Para DALAZEN6, é descabido o entendimento de que o jus postulandi na seara trabalhista possui como motivação a hipossuficiência econômica do empregado. Ademais, defende o jurista que a possibilidade de postular pessoalmente na Justiça Trabalhista vai de encontro aos princípios do contraditório e da ampla defesa, direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5º, incisos LIV e LV, demonstrando situações vivenciadas que provam a ineficácia do jus postulandi como regra geral.

Conforme MARTINS e ANDRADE7, não é de difícil compreensão, ao observar uma situação em que uma parte leiga que postule pessoalmente uma reclamação trabalhista em nome próprio, sem assistência técnico-jurídica, venha a perder seus direitos logo no início da ação trabalhista. É fácil visualizar que aqueles que são leigos no conhecimento técnico necessário para a satisfação da ação fiquem em situação de desvantagem e, por conseguinte, terem uma maior chance de não obterem o resultado almejado, diante da falta tanto de conhecimento do direito material como do direito processual em si. Acabam ficando desprotegidos e vulneráveis diante da desigualdade processual que surge.

Nesse sentido, os juristas VASQUES e XAVIER8 ressaltam que na Justiça Trabalhista há casos com inúmeras particularidades, bem como que os processos trabalhistas tramitam perante anos, além de haver um número enorme de normas, leis, portarias, súmulas, uma jurisprudência não menos vasta e assim por diante.

Nessa mesma lógica, DIAS9 se manifesta entendendo que é notório que a parte que não tem conhecimento técnico para realizar sua ampla defesa, ou seja, que faz uso do jus postulandi, pode inclusive acabar perdendo seu direito até mesmo por descumprimento de prazos.

E finalmente, segundo palavras de CISNEIROS10, torna-se impossível desprezar a imprescindibilidade do advogado, além de ser uma forma de ignorar a realidade.

Assim, nesse contexto contraditório acerca da criação do jus postulandi e da dispensabilidade ou indispensabilidade do advogado na Justiça Trabalhista, há, claramente, um entendimento maior de que seu uso está fadado ao fracasso.

É visível, de forma ampla, por muitos juristas e doutrinadores que em uma ação trabalhista é indispensável ter notório conhecimento sobre todo o direito material e processual, bem como inúmeros outros pormenores e detalhes de uma lide trabalhista, diante do seu alto grau de complexidade.

Por conseguinte, uma má direção do processo por parte de que não tem capacidade técnica para postular em juízo, trazendo como resultado a aplicação de forma equivocada do direito que se pretende alcançar. 

Desta forma, é perceptível, pelo presente estudo, que há mais malefícios do que benefícios ao se aplicar o jus postulandi na Justiça do Trabalho, pois o que se vê é uma condição de desigualdade, em que, na maioria das vezes, as partes não possuem condições para postular seus direitos com eficiência, diante da ausência de conhecimento e técnica. E isso, na maioria das vezes, acaba não solucionando o problema do acesso à justiça, mas acaba trazendo mais problemas do que soluções à parte.

Em arremate, fica, mais uma vez, o questionamento, se a aplicação do jus postulandi, já muito criticada anteriormente, e que não traz garantia de acesso eficiente e equilibrado à justiça, seria agora, durante o estado de calamidade pública da covid-19, capaz de trazer benefício à parte que o exerce em plenitude, como fomentou a recomendação 8 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho.

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1 SILVA apud AGUIAR, Gustavo Bastos Marques. Análise Principiológico-Constitucional do Jus Postulandi no Processo do Trabalho. (Dissertação ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito) - Universidade Fumec, Belo Horizonte-MG, 2017, p. 65. 

2 PIMENTA apud AGUIAR, ibid, p. 66.

3 ALMEIDA apud AGUIAR, ibid, p. 66.

4 TEIXEIRA FILHO apud AGUIAR, ibid, p. 67.

5 SCHIAVI apud AGUIAR, ibid, p. 68. 

6 DALAZEN, apud AGUIAR, ibid, p. 68.

7 MARTINS, Antero Arantes; ANDRADE, Solange Couto. Jus Postulandi na Justiça do Trabalho: Possibilidade, benefícios e malefícios. Disponível clicando aqui Acesso em 20 de agosto de 2019.

8 VASQUES; XAVIER apud MARTINS, Antero Arantes; ANDRADE, Solange Couto. Jus Postulandi na Justiça do Trabalho: Possibilidade, benefícios e malefícios. Disponível clicando aqui Acesso em 20 de agosto de 2019.

9 DIAS, Bruna Silveira. O Instituto do Jus Postulandi no Processo do Trabalho e os Reflexos no Acesso à Justiça. Jurídico Certo. 22/3/17. Disponível clicando aqui. Acesso em 20 de agosto de 2019.

10 CISNEIROS, Gustavo. Manual de audiência e prática trabalhista: indicado para advogados. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018, p. 23.

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AGUIAR, Gustavo Bastos Marques. Análise Principiológico-Constitucional do Jus Postulandi no Processo do Trabalho. (Dissertação ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito) - Universidade Fumec, Belo Horizonte-MG, 2017.

CISNEIROS, Gustavo. Manual de Audiência e Prática Trabalhista: Indicado para Advogados. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.

DIAS, Bruna Silveira. O Instituto do Jus Postulandi no Processo do Trabalho e os Reflexos no Acesso à Justiça. Jurídico Certo. 22/3/17. Disponível clicando aqui. Acesso em 20 de agosto de 2019.

MARTINS, Antero Arantes; ANDRADE, Solange Couto. Jus Postulandi na Justiça do Trabalho: Possibilidade, benefícios e malefícios. Disponível clicando aqui Acesso em 20 de agosto de 2019

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 *Carolina Pollis de Carvalho é advogada Trabalhista e Civilista em Rio de Janeiro. Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade CERS. Bacharel em Direito pela Unesa. Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/RJ.





 *Ricardo Calcini
é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

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