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Securitizadoras aguardam nova norma para impulsionar negócios do setor

É necessário estabelecer uma norma voltada ao segmento que esteja em sintonia com as práticas e os desafios específicos do mercado de securitização.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Atualizado às 15:21

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Desde sua criação em 1997, o novo Sistema de Financiamento Imobiliário - SFI (lei 9.514/97) vem cumprindo o papel de aproximar o mercado de valores mobiliários à setores importantes da economia. É o caso do segmento imobiliário e do agronegócio (incluído na lei 11.076/04), que necessitam de recursos de longo prazo para a execução de suas atividades e se valem da emissão de CRIs e CRAs para financiar seus negócios. Só em 2019, foram captados R$ 17,5 bilhões nas emissões de CRIs e R$ 14,3 bilhões nas de CRAs, recursos estes, diretamente aplicados no desenvolvimento dos setores imobiliário e do agronegócio.

Atualmente, as companhias securitizadoras são enquadradas como sociedades anônimas e seguem suas normas (regime geral da instrução CVM 480/2009), embora acessem o mercado de forma contínua inúmeras vezes ao longo do ano. Consequentemente, devido à sua estrutura e modelo de operação divergem em muitos pontos das demais S/As, assim sendo a CVM abriu uma consulta pública para discutir uma nova norma, visando criar uma regulamentação específica para as companhias que atuam neste segmento.

E qual a relevância desta discussão? Começo explicando que existem alguns pontos importantes que separam a atividade das companhias securitizadoras das demais Sociedades Anônimas: primeiramente, pelo fato de serem companhias especializadas em emitir títulos de dívidas, as securitizadoras emitem valores mobiliários muito diferentes entre si e em um volume muito maior do que as demais S/As. Por exemplo, uma securitizadora de grande porte chega a emitir anualmente cerca de 100 CRIs ou CRAs, enquanto uma S/A acessa o mercado emitindo  quando muito um a dois títulos ao ano.

Porém, o principal ponto que diferencia a atividade das companhias securitizadoras e evidencia a necessidade de uma regulamentação específica para o setor é a existência do Regime Fiduciário, que aparta os ativos e os títulos emitidos pela empresa em um patrimônio separado de sua demonstração financeira. O Regime Fiduciário é um mecanismo jurídico extremamente eficaz para a proteção tanto do investidor, que se previne de um possível prejuízo da companhia securitizadora, como para a empresa emissora, que não tem seu balanço vinculado à performance destes títulos. O Brasil e alguns poucos países europeus adotam esse moderno mecanismo, que guardadas as devidas diferenças de abordagem, tem o objetivo de separação patrimonial sob uma mesma pessoa jurídica da securitização de créditos de diferentes características (ou diferentes cedentes). Na maior parte dos mercados, como por exemplo nos Estados Unidos, a cada nova emissão, faz-se necessária a abertura de uma nova Sociedade de Propósito Específico (SPE) com personalidade jurídica própria, tornando assim o processo mais burocrático e custoso.

Entretanto, apesar do avanço do mercado de securitização e do reconhecimento de que as securitizadoras necessitam de uma norma própria, dois pontos ainda são controversos nessa discussão fomentada pela CVM. O primeiro deles diz respeito a abrangência da segregação patrimonial do Regime Fiduciário e o segundo trata da possibilidade da substituição da companhia securitizadora enquanto administradora do Regime Fiduciário de suas emissões.

Em relação à primeira questão, a lei 9.514/97, que instituiu a securitização de créditos imobiliários, definiu que somente são afetados pelo Regime Fiduciário os bens e direitos que estiverem destacados no Termo de Securitização. Vale lembrar que a Companhia Securitizadora emite um título de renda fixa e tem como obrigação para com os investidores do CRI ou CRA, exclusivamente, aquele valor de face e suas garantias vinculadas, não cabendo estender a segregação patrimonial além das obrigações afetadas quando de sua emissão. Por outro lado, a legislação é clara ao determinar que se destaque no Termo de Securitização aquilo que pertencerá ao patrimônio separado e não o oposto, caso contrário seria necessário delimitar um rol infinito de situações jurídicas potenciais, que dificilmente abarcaria a totalidade de eventuais discussões que a criatividade litigiosa poderia levantar.

Já em relação ao segundo ponto, a minuta proposta pela CVM busca regulamentar as hipóteses de destituição e substituição da Companhia Securitizadora nas emissões que contam com a instituição do regime fiduciário. Neste caso a lei 9.514/97 é clara ao definir em seus artigos 14 e 15 as únicas hipóteses onde poderá haver mudanças na administração do regime fiduciário estabelecido pela companhia securitizadora, quais sejam: (i) a insuficiência de bens do patrimônio separado e (ii) a insolvência da Companhia Securitizadora.

Entendemos que na primeira hipótese o significado de "insuficiência de bens do patrimônio separado" precisaria ser melhor especificado, uma vez que o patrimônio separado detém direitos creditórios em seu ativo cuja cessão pode ter sido realizada com garantias que sobrepõe o valor contábil destes mesmos créditos e cujo valor não é capturado na quantificação do ativo da emissão (por exemplo as hipotecas ou as alienações fiduciárias). Ou seja, o mero inadimplemento dos direitos creditórios vinculados a uma emissão e/ou o eventual inadimplemento dos CRIs e CRAs não significa categoricamente a insuficiência do patrimônio separado em arcar com as suas obrigações pecuniárias, portanto, não deve dar causa a substituição da companhia securitizadora enquanto estiver ocorrendo o processo de excussão das garantias vinculadas a emissão.

No caso da insolvência da companhia securitizadora embora exista a previsão legal para que o patrimônio separado possa ser administrado por outra empresa, a própria norma não determina como operacionalizar essa transferência. O primeiro caso em que isso foi testado no nosso País deu-se quando a PDG Securitizadora entrou em recuperação judicial e posteriormente decretou falência. Naquele momento, as carteiras administradas por ela foram inseridas no processo de recuperação judicial, para que houvesse a devida proteção a todos os interessados envolvidos na discussão a troca da administração dos patrimônios foi parte de um processo judicial em que o juiz decidiu todos os aspectos envolvidos naquele processo.

Finalizando a discussão, qualquer outra definição que viesse a ser estabelecida na normatização estaria em desacordo com aquilo previsto na legislação específica e não caberia sua implementação por norma infralegal, fragilizando o arcabouço regulatório. Vale destacar ainda que a própria lei 9.514/97 já prevê que a companhia Securitizadora responderá com seu patrimônio próprio nos casos de imprudência, imperícia ou má-fé, sendo aplicado neste caso o devido processo legal.

Sob outro aspecto, como parte das tratativas com a Comissão de Valores Mobiliários, foi sugerido que seja criada uma gerência específica voltada às securitizadoras na Superintendência de Relações com Investidores Institucionais nos mesmos moldes da Divisão de Fundos Listados e de Participações (DLIP) e da Gerência de Investimentos Estruturados (GIES). Desta maneira, este setor, que vem apresentando níveis robustos de crescimento no país nos últimos anos, teria à sua disposição uma equipe especializada para analisar as minúcias envolvidas nas operações de securitização.

Por fim, também foi sugerido à CVM abarcar as securitizadoras relacionadas as Fintechs no arcabouço geral da norma das securitizadoras. Atualmente, a minuta da CVM propõe que as securitizadoras sejam enquadras em duas categorias: as S1, cujas emissões necessitam obrigatoriamente estar dentro do Regime Fiduciário; e as S2, que podem emitir títulos dentro ou fora do Regime Fiduciário. Entretanto, as securitizadoras das Fintechs, que emitem debêntures, não possuem dispositivo legal para estabelecer o Regime Fiduciário. Sendo assim, a ABSia propõe a criação de uma categoria S3, que englobaria as securitizadoras financeiras relacionadas às Fintechs, que são emissoras de debêntures.

Em um momento delicado de nossa economia, em que o Brasil necessita de todos os recursos financeiros disponíveis para alavancar seu sistema produtivo e voltar a se desenvolver, a securitização se apresenta como um potencial catalizador de investimentos que podem ser direcionados a duas áreas fundamentais para nossa economia: o mercado imobiliário e o agronegócio. Entretanto, a fim de que o segmento se consolide ainda mais rapidamente e alcance os mais variados perfis de investidores, é necessário estabelecer uma norma voltada ao segmento que esteja em sintonia com as práticas e os desafios específicos do mercado de securitização.

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 *Mauricio Visconti é presidente da ABSia- Associação Brasileira das Securitizadoras Imobiliárias e do Agronegócio.

 

 

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