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Associações ambientais e acadêmicas podem iniciar o controle de constitucionalidade?

Ausência de cumprimento do plano de ação para a prevenção e o controle do desmatamento na Amazônia pela União Federal leva partidos políticos, associações ambientais e acadêmicas a ajuizar ação no STF.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Atualizado às 14:37

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Desde a EC 45/2004 sabe-se que o rol de legitimados para propor as ações do controle concentrado de constitucionalidade foi ampliado. Doutrinaria e jurisprudencialmente construíram-se as classes de legitimados universais (art. 103, I, II, III, VI, VII e VIII, CRFB/88) e não universais (art. 103, IV, V e IX, CRFB/88). A principal distinção entre os legitimados consiste na comprovação da pertinência temática para legitimados ativos não universais.1

Mas, o que acontece se associações ambientais e acadêmicas iniciassem o controle de constitucionalidade brasileiro em conjunto com um legitimado ativo universal? Ou seja, se instituições que não possuem legitimidade ativa - que poderiam no máximo, a juízo da ministra relatora ou do ministro relator, solicitar admissão na qualidade de amicus curiae (amigo da corte) ou participar de eventual audiência pública - postularem conjuntamente? É precisamente essa situação que se analisa nesse artigo.

Isso porque, em novembro de 2020 o campo de atuação processual dos amici curiae foi potencialmente ampliado pela inovação apresentada na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 760/DF. Para a propositura dessa ação, em virtude da pluralidade de sujeitos processuais vinculados "por certo grau de afinidade de interesses",2 formou-se um litisconsórcio ativo inicial composto pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), pela Rede Sustentabilidade, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), pelo Partido Verde (PV), pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB),3 todos com representação no Congresso Nacional.

O pedido principal foi para que o STF determinasse a União Federal o cumprimento efetivo do plano de ação para a prevenção e o controle do desmatamento na Amazônia. Dentre outros fatores, atribui-se o aumento do desmatamento ilegal na região a redução da fiscalização que, por sua vez, violam o direito fundamental das gerações presentes e futuras ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, Constituição da República de 1988).

Essa afirmação se confirma pela expressiva redução no número de autuações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Em 2019 registrou-se um decréscimo de 31% das autuações, comparado ao ano de 2018; já em 2020, o índice registrado foi de 43% menos autuações. Além disso, imputam ao Ministério do Meio Ambiente a utilização de apenas 0,4% do valor destinado a execução de políticas públicas ambientais e uma defasagem orçamentária de servidores públicos, fatos que somados comprometem a atuação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), por exemplo.4

Como era esperado, várias instituições requereram admissão na qualidade de amicus curiae, mais precisamente foram dez instituições até agora, quais sejam: o Instituto Socioambiental, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas, o Laboratório do Observatório do Clima, o Greenpeace Brazil, o Conectas Direitos Humanos, o Instituto Alana, a Associação de Jovens Engajamundo, o Artigo 19 Brasil e a Associação Civil Alternativa Terrazul, conforme notícia veiculada no site institucional do STF.

A novidade identificada nessa ação judicial capaz de justificar a ampliação do campo de atuação processual dos amici consiste no rol de peticionários. Isso porque, além dos sete partidos políticos acima indicados, ao final das quase duzentas páginas que compõem a petição inicial também assinaram - por intermédio de suas advogadas e advogados constituídos - outras onze instituições5 que não possuem legitimidade ativa para deflagrar o processo de controle concentrado de constitucionalidade. Inclusive, existe legitimado ativo e terceiro processual com o mesmo advogado nos autos do processo.6

Especificamente sobre as participações dos amici curiae no controle concentrado de constitucionalidade brasileiro pode-se dividir os estudos em dois grandes blocos. O primeiro bloco, capitaneado pelas leis 9.868/99 (art. 7º, § 2º) e 9.882/99 (art. 6º, § 1º) e pela teoria da sociedade aberta dos intérpretes da constituição (Peter Häberle) concebem a participação social nesse ambiente por intermédio dos amici e pela realização de audiências públicas.

Nessa vertente, a expectativa gerada indica que a decisão judicial, por intermédio da participação no procedimento, estaria revestida de maior assertividade e de legitimidade democrática, haja vista o incremento de informações aportadas no processo judicial e também pelo fato de que o STF estaria "aberto" para a sociedade civil, respectivamente. Em certo sentido, a promessa normativa amplificou quantitativamente a frequência das participações dos amici no controle concentrado de constitucionalidade brasileiro.

O segundo bloco de estudos leva em consideração a edição da lei 13.105/2015, Código de Processo Civil, que provocou substantivas alterações no campo de atuação dos amici. Em primeiro lugar, essa modalidade de participação recebeu a natureza jurídica de intervenção de terceiros (art. 138, CPC). Apesar de não se amoldar perfeitamente a essa classe de sujeito processual, sobretudo no que toca ao controle objetivo de constitucionalidade, desde então tem-se uma decisão legislativa sobre a forma pela qual o direito positivo reconhece suas atuações processuais. Ou seja, passa de "auxiliar do tribunal", de "sujeito enigmático", de "amigo da parte", entre outros, para uma das modalidades típicas de intervenção de terceiro.

Em segundo lugar, amplia consideravelmente seu campo de atuação processual operando em primeira e em segunda instância judicial, sem, contudo, implicar alteração de competência processual (art.138, § 1º, CPC). Ao lado disso, assume uma perspectiva menos otimista e passa a assumir um caráter mais técnico (algo semelhante ocorre com as audiências públicas). Aos poucos, o inflacionado "interesse institucional" cede espaço para atuações mais especializadas, mas, em alguma medida, reconhecem certo grau de interesse nas intervenções dos amici curiae.

Diante dessas considerações é possível perceber que o tema continua em movimento, cuja direção apontada pela ADPF 760/DF conduz a caminhos nunca antes explorados. Isso porque, os amici brasileiros passam a compor aquilo que poderia ser chamado de "litigância estratégia" ou "litigância social", ultrapassa a mera colaboração informal com o STF e alcança status de um importante (ou estratégico) aliado para os legitimados ativos quando da defesa da tese sustentada perante o Tribunal. Nesse exemplo também é possível identificar de antemão um certo respaldo social acerca da propositura da ação judicial que, desde o início, conta com elevado número de pedidos de admissão de amicus curiae.

Todavia, essa trilha recentemente aberta ainda precisa ser desbravada para se compreender o destino ao qual conduzirá. Nesse itinerário a relatoria do processo assume um protagonismo decisivo. Originalmente essa ação judicial foi distribuída por dependência à ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) 59/DF, ADPF 747/DF e ADPF 755/DF, todas relatadas pela ministra Rosa Weber; contudo, por decisão do atual presidente do STF, ministro Luiz Fux, foi determinada a redistribuição para a ministra Cármen Lúcia, em virtude da prevenção estabelecida pela ADO 54/DF.

Assim, é preciso conhecer de perto a postura pessoal da relatora do processo no sentido de verificar se o fato de os amici assinarem conjuntamente com os peticionários influencia ou não o curso processual da ação. Além disso, reconhecer as implicações futuras que o deferimento pode provocar, tanto em termos teóricos, quanto em termos práticos (efeitos sistêmicos). Desse modo, tem-se que a expansão da atuação processual dos amici curiae assume uma função central também na fase da propositura.

Acredita-se que esse aspecto processual será relevado em razão da economia e da celeridade processual e principalmente pela relevância da matéria examinada na ADPF 760/DF. Hipótese que não conduz necessariamente à procedência dos pedidos formulados na inicial, todavia o êxito dessa estratégia poderá inaugurar um antecedente para que os amici ultrapassem as expectativas normativas e teóricas e se encarregue do papel de um player importante no controle judicial de constitucionalidade brasileiro.

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1 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 500; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 3.466.
2 ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 84, vol. 2.
3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 760/DF. Relatora Carmem Lucia. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 11 nov. 2020.
4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Partidos pedem execução efetiva do plano de prevenção ao desmatamento na Amazônia pela União. Brasília, 13 de novembro de 2020. Disponível aqui. Acesso em: 1º dez. 2020.
5 A saber: 1) Instituto Socioambiental e Engajamundo; 2) Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; 3) Associação Civil Alternativa Terrazul; 4) Conselho Nacional das Populações Extrativistas; 5) Laboratório do Observatório do Clima; 6) Greenpeace Brasil; 7) Associação Direitos Humanos em Rede (Conectas Direitos Humanos); 8) Instituto Alana; 9) Associação Artigo 19 Brasil; 10) Acadêmica de Direito/UnB Instituto Socioambiental; 11) Acadêmico de Direito/UFPR Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
6 Rede Sustentabilidade e Associação Civil Alternativa Terrazul.

 
Wagner Vinicius de Oliveira

Wagner Vinicius de Oliveira

Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre em direito pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU (2018), bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas (2016), advogado (OAB/MG).

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