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A participação nos lucros e resultados (PLR) após a derrubada do veto presidencial da lei 14.020/20

O tema foi vetado por se tratar de matéria estranha aquela versada na MP 936, e por impor renúncia fiscal ao governo sem qualquer contrapartida.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Atualizado às 08:17

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Como uma das formas de minimizar os impactos financeiros aos trabalhadores e empresas, o governo implementou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, por meio da medida provisória (MP) 936 de 1º de abril de 2020. Após tramitação perante o Congresso Nacional, referida MP foi convertida em lei, acrescida de algumas emendas parlamentares, tornando-se, então, a lei 14.020 de 6 de julho de 2020.

Dentre as mais de mil emendas parlamentares que pediam modificações ou aglutinações de textos a então medida provisória 936, foi incluída a alteração do conteúdo da lei 10.101/00, que versa sobre a Participação nos Lucros e Resultados dos trabalhadores comumente denominada PLR.

Todavia, o presidente da República exerceu seu direito de veto de tais pontos, sob o seguinte argumento:

"Os dispositivos propostos, ao disporem, por meio de emenda parlamentar, sobre matéria estranha e sem a necessária pertinência temática estrita ao objeto original da Medida Provisória submetida à conversão, violam o princípio democrático e do devido processo legislativo, nos termos dos arts. 1º, caput, parágrafo único; 2º, caput; 5º, caput, e LIV, da Constituição da República e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADI 4433, relatora min. Rosa Weber). Ademais, as medidas acarretam renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, o que viola o art. 113 do ADCT, a Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 (lei 13.898, de 2019)."

Basicamente, o tema foi vetado por se tratar de matéria estranha aquela versada na MP 936, e por impor renúncia fiscal ao governo sem qualquer contrapartida. A despeito de referido entendimento, em 06 de novembro de 2020 o veto foi apreciado e derrubado pelo Congresso Nacional, trazendo, portanto, uma nova redação que modificou substancialmente alguns pontos da lei 10.101/00, bem como a própria sistemática do Plano de Participação nos Lucros e/ou Resultados das empresas.

Superado esse sucinto histórico, passaremos a abordar as modificações trazidas pela lei 14.020/20 em relação a PLR, vejamos.

I. Do pagamento para entidades sem fins lucrativos

A primeira modificação refere-se à possibilidade de pagamento de PLR às entidades sem fins lucrativos com a inserção do parágrafo 3º-A ao art. 2º da lei 10.101/00, o qual dispôs que não há equiparação de tais entidades as empresas em geral, quando a PLR resultar de índices distintos a lucratividade:

§ 3º-A. A não equiparação de que trata o inciso II do § 3º deste artigo não é aplicável às hipóteses em que tenham sido utilizados índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos.

O texto, a contrário senso, refere-se a permissivos legais para uma situação vetada "não equiparação", assim, temos que, em se tratando de índices para apuração de resultados diversos à lucratividade, tais como: produtividade, qualidade, metas, resultados e prazos, é possível implementar o programa de PLR e realizar o devido pagamento às entidades sem fins lucrativos.

II. Da possibilidade de múltiplos programas de lucros e resultados e a prevalência do pactuado entre as partes

Outra modificação trazida pela lei 14.020/20 é a possibilidade de implementação de mais de um programa de PLR, ou seja, a multiplicidade de planos.

Neste sentido é o inciso II do parágrafo 5º, inserido ao art. 2º da lei 10.101/00:

II - estabelecer múltiplos programas de participação nos lucros ou nos resultados, observada a periodicidade estabelecida pelo § 2º do art. 3º desta lei.

Todavia, apesar de "parecer" um avanço, tal hipótese restou limitada, pois, ainda que coexistam vários programas de PLR na empresa, a legislação restringiu os pagamentos ao prazo já previsto em lei, ou seja, duas vezes ao ano e desde que seja superior ao trimestre civil.

Isto porque, ao final do inciso supramencionado, a lei menciona que os múltiplos programas devem respeitar a "periodicidade estabelecida pelo § 2º do art. 3º desta lei", o qual dispõe:

2º É vedado o pagamento de qualquer antecipação ou distribuição de valores a título de participação nos lucros ou resultados da empresa em mais de 2 (duas) vezes no mesmo ano civil e em periodicidade inferior a 1 (um) trimestre civil.

Logo, a multiplicidade de planos deve estar subordinada ao prazo legal para o seu pagamento.

Ademais, foi introduzida o parágrafo 6º ao art. 2º que privilegiou o negociado entre as partes, inclusive em face de terceiros:

§ 6º Na fixação dos direitos substantivos e das regras adjetivas, inclusive no que se refere à fixação dos valores e à utilização exclusiva de metas individuais, a autonomia da vontade das partes contratantes será respeitada e prevalecerá em face do interesse de terceiros.

Em suma, as regras de PLR e de interpretação, pactuadas entre as partes devem ser válidas inclusive sobre o interesse de terceiros. Obviamente, respeitando as demais regras impostas pela própria lei de PLR e demais leis esparsas.

Ou seja, as partes podem suplantar algum direito próprio, desde que resulte de uma negociação lícita e a interpretação deve ser restrita ao que foi negociado, todavia, não se pode negociar cláusulas ilícitas ou prejudiciais a terceiros de boa-fé.

Portanto, a despeito da referida cláusula, os negócios jurídicos sempre devem ser interpretados pela boa-fé contratual!

III. Do pagamento e da inobservância dos prazos de pagamento

Um dos pontos mais relevantes abarcado pelas modificações da lei 14.020/20 concerne ao prazo para assinatura do acordo coletivo.

Isto porque, a legislação não trazia o momento ou prazo que deveria ser assinado o acordo coletivo de PLR, motivo pelo qual o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)1 firmou entendimento de que os instrumentos do acordo formalizados somente durante ou ao final do exercício não atendiam os requisitos legais estabelecidos pela lei 10.101/00, posto que deveriam ser ajustados previamente ao período em que deveriam ser aferidas as metas.

Portanto, seriam devidas as contribuições previdenciárias incidentes sobre os valores distribuídos a título de PLR.

Todavia, a modificação introduzida pela lei 10.101/00 modifica tal entendimento e deixa claro até qual momento o acordo pode ser assinado para ser considerado válido para fins de PLR:

§ 7º Consideram-se previamente estabelecidas as regras fixadas em instrumento assinado:

I - anteriormente ao pagamento da antecipação, quando prevista; e

II - com antecedência de, no mínimo, 90 (noventa) dias da data do pagamento da parcela única ou da parcela final, caso haja pagamento de antecipação.

Tal fato assegura aos contribuintes segurança jurídica, abstraindo dos órgãos públicos entendimentos diversos que não constam na lei, e que, de fato, majoram em muito a pretensão das partes que firmam o mencionado acordo coletivo de PLR.

Outrossim, caso ocorra irregularidade no pagamento da PLR, por inobservância a periodicidade estabelecida pela lei 10.101/00, tal fato não invalidará por completo o acordo coletivo de trabalho de PLR, mas apenas e tão somente os pagamentos que forem efetuados em desacordo com a legislação:

§ 8º A inobservância à periodicidade estabelecida no § 2º do art. 3º desta Lei invalida exclusivamente os pagamentos feitos em desacordo com a norma, assim entendidos:

I - os pagamentos excedentes ao segundo, feitos a um mesmo empregado, no mesmo ano civil; e

II - os pagamentos efetuados a um mesmo empregado, em periodicidade inferior a 1 (um) trimestre civil do pagamento anterior.

§ 9º Na hipótese do inciso II do § 8º deste artigo, mantém-se a validade dos demais pagamentos.

IV. Da limitação temporal para resposta sindical

Outro ponto relevante é a limitação temporal para a resposta sindical, avalizando, por via reflexa, o acordo coletivo negociado pela comissão paritária prevista na lei 10.101/20.

Isto porque, a lei 14.020/20 acrescentou o parágrafo 10 ao art. 3º da lei 10.101/00, o qual dispõe como válida os atos da comissão paritária dos empregados, que após o prazo de 10 (dez) dias corridos sem retorno da entidade sindical, prossiga na negociação, vejamos:

§ 10. Uma vez composta, a comissão paritária de que trata o inciso I do caput deste artigo dará ciência por escrito ao ente sindical para que indique seu representante no prazo máximo de 10 (dez) dias corridos, findo o qual a comissão poderá iniciar e concluir suas tratativas. (NR)" 

Fato é que o CARF2 também entendia por inválido o acordo coletivo firmado sem a participação sindical, o que, eventualmente, pode mudar o entendimento do referido Conselho.

Todavia, o tema certamente precisará do respaldo judicial, isto porque, aparentemente, tal medida afronta a Constituição Federal/88 ao afastar a participação sindical. O que encontra óbice no art. 8º, inciso VI, o qual dispõe ser obrigatória a participação dos Sindicatos nas negociações coletivas.

Portanto, ainda teremos muitos debates acerca da validade dessa significativa mudança.

V. Do caráter interpretativo para fatos pretéritos

Por fim, mas não menos importante, o art. 37 da lei 14.020/20 dispõe que os temas tratados nos parágrafos 3º-A, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do art. 2º, os quais versam sobre pagamento a entidades filantrópicas, pagamentos fora do prazo legal, prevalência do quanto negociado sobre interesse de terceiros, possuem caráter interpretativo quanto versarem sobre temas pretéritos. Vejamos:

Art. 37. Para efeito de aplicação do inciso I do caput do art. 106 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), têm caráter interpretativo as alterações promovidas pela presente Lei nos §§ 3º-A, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do art. 2º da Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000.

Isto porque, o art. 106, inciso I do Código Tributário Nacional3 supracitado versa sobre a aplicação da lei a fatos e atos pretéritos no âmbito tributário, dispondo, portanto, que a atual mudança deve servir como interpretação dos fatos e atos passados para julgamento dos casos de contribuintes.

VI. Conclusão

As mudanças legislativas introduzidas pela lei 14.020/20, referente à Participação de Lucros e Resultados é muito bem-vinda, já que versa sob pontos até então inexistentes e cuja interpretação estava ao alvitre do judiciário ou demais órgãos públicos.

Tais pontos, apesar de possíveis questionamentos acerca da Constitucionalidade, trazem mais segurança as partes e aos contribuintes em geral, que terão "caminhos" para procederem ao negociarem acordos sob tal tema.

Obviamente, um ou outro ponto deverá ser judicializado, pois ainda passíveis de interpretação diante de um possível confronto de normas.

De todo modo, essas mudanças servirão para reforçar a interpretação do tema e, ao menos gerar segurança as partes negociantes e, quiçá, efetivar mais acordos coletivos que tenham sido obstados pelas incertezas jurídicas que o tema impunha, dando ao trabalhar o que lhe é de direito e ajudando a economia a superar a crise vivenciada nesse momento de pandemia.

_________

1 (...) PLR. AJUSTE PRÉVIO. PARTICIPAÇÃO SINDICAL. Os programas de participação nos lucros ou resultados demandam ajuste prévio ao correspondente período de aferição, quando vinculados ao desempenho do empregado ou do setor da pessoa jurídica face a critérios e metas pré estabelecidas.

A simples referência em convenção ou acordo coletivo a outros planos, ainda que pretensamente incorporados ao instrumento daqueles resultante, não atesta a existência de negociação coletiva na elaboração desses planos, tampouco supre a exigência legal de efetiva participação da entidade sindical, ou de representante por ela indicado em comissão, na elaboração e fixação de suas regras, e respectivos critérios de avaliação, destinadas aos empregados. (...) (Número do Processo: 16327.720119/2017-14 - Tipo do Recurso: RECURSO VOLUNTARIO - Relator(a) MAURICIO NOGUEIRA RIGHETTI - Nº Acórdão: 2402-006.707 - Data da Sessão: 5/10/18)

2 (...) ACORDO COM COMISSÃO DE EMPREGADOS. PARTICIPAÇÃO DE ENTIDADE SINDICAL. AUSÊNCIA. INCIDÊNCIA. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.
No caso de a participação nos lucros ou resultados ser negociada por uma comissão escolhida pelas partes (Lei nº 10.101/00, Art. 2º, I), é imperativo legal que dela participe um representante indicado pelo sindicato da categoria profissional dos empregados. A ausência do representante do sindicato no acordo próprio confere caráter remuneratório ao pagamento de PLR, sobre o qual incidem contribuições previdenciárias. (...) - grifamos (Número do Processo: 16327.720131/2014-78 - Tipo do Recurso: RECURSO VOLUNTARIO - Relator(a): MARCELO MILTON DA SILVA RISSO - Nº Acórdão: 2201-003.593 - Data da Sessão: 9/5/17).

3 Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; (...)

Cláudia Regina Salomão

Cláudia Regina Salomão

Especialista em Direito do Trabalho. Graduada em Direito pela Faculdade Armando Alvares Penteado (FAAP). Advogada com atuação na área trabalhista no escritório Amorim, Blanco e Salomão Advogados - ABSS Advogados.

Ricardo Trajano Valente

Ricardo Trajano Valente

Mestre em Direito e Processo do Trabalho pela USP/SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Mackenzie. Advogado com atuação na área trabalhista do escritório Queiroz e Lautenschläger Advogados.

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