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Precatórios: A culpa agora é do sofá?

Ao invés de criticar os administradores públicos relapsos, que não pagam as dívidas e (mediantes expedientes diversos) as deixam para seus sucessores, o Ministro de Estado apontou um dedo acusador para os credores.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Atualizado às 08:17

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No dia 8 do mês em curso, um ilustre economista, que durante a campanha à presidência da República era chamado de Posto Ipiranga por um dos candidatos, abordou o grave problema dos precatórios. Para surpresa dos credores desses títulos - que são oriundos de condenações judiciais definitivas, e que assim são ordens de pagamento incontestáveis - veio esse economista (que há algum tempo tem relevante assento entre os Ministros de Estado) nos informar que os precatórios são elementos de destruição do País (?!) e que devem, eles, ser repensados.

O discurso ministerial vem sofrendo refutações. Sendo eu antigo crítico dos precatórios (já fui titular de um deles, que só me foi pago após dezessete - 17 - anos de angustiante espera), permito-me tecer algumas considerações sobre essa fala ministerial. Concordo com ela, na parte em que sustenta que os precatórios devem ser repensados. Claro! Qual País sério, em todo o mundo, adota esse instrumento de tortura chamado precatório? Ao que se saiba, ele - tal qual a jabuticaba - só existe no Brasil.

O eminente Ministro de Estado, que foi haurir seu vasto saber nos Estados Unidos da América (lá se tornando mestre e doutor em economia por Universidade de primeiríssima linha) decerto nunca ouviu falar, em terras ianques, antes ou depois de suas temporadas de estudo por lá, em algum sucedâneo ou parente do brasileiríssimo precatório. E isso por razão elementar: não há, fora do Brasil, algo que a tanto se assemelhe.

Quando o Poder Público, em terras estrangeiras, perde uma demanda judicial, e se torna obrigado a pagar determinado valor a uma pessoa física ou jurídica, adota atitude que, no Brasil, é tida como exótica: paga a condenação. Quando a pessoa física encarregada de fazer o pagamento ousa descumprir a ordem emanada de uma Corte de Justiça, sofre os efeitos da rebeldia na pele (e no direito de ir e vir) .

Mas, esquecido que o precatório só existe no País que um carnavalesco carioca chamou de Tupinicópolis, esse ilustre Ministro de Estado veio dizer - e falava a sério, ele é austero e dono da verdade - que o descumprimento da ordem judicial de pagamento, que o precatório corporifica, é fator de destruição do Brasil.

Sua Excelência - cujos dotes intelectuais todos ressaltam - errou feio no diagnóstico. O que destrói o Brasil (no passado dizia-se que era a saúva, que anda meio fora de moda), dentre outras mazelas, é o abominável hábito de o administrador público não pagar as dívidas dos precatórios e, de forma debochada, inventar desculpas para o calote. Ou, pior ainda, culpar o credor, por ter a ousadia de exigir o que lhe cabe: o numerário que o Poder Judiciário mandou pagar a ele. É a essa negação do Estado Democrático de Direito que Sua Excelência chamou de fator de destruição do País.

Ao invés de criticar os administradores públicos relapsos, que não pagam as dívidas e (mediantes expedientes diversos) as deixam para seus sucessores, o Ministro de Estado apontou um dedo acusador para os credores. Faltou pouco para que Sua Excelência defendesse um calote generalizado dos precatórios, o que seria um descalabro, porque quem ataca os precatórios (como o Posto Ipiranga fez), em essência agride o Poder Judiciário, que manda emitir os precatórios, após processo regular, em que o Poder Público teve amplo direito de defesa, mas saiu perdedor.

O discurso ministerial do dia 8 lembrou-me antiga piada. Um cidadão volta à sua casa de surpresa, e encontra a esposa aos beijos com o amante, no sofá da sala. E logo manda, ele, jogar fora essa peça do mobiliário, causadora da desavença conjugal. Pois Sua Excelência, no caso dos precatórios, também fechou os olhos à realidade: manteve-se mudo sobre a ineficácia e descaso dos administradores públicos, os quais permitem que os precatórios fiquem sem pagamento por longos anos, acumulando juros de mora.

A quem ele culpou pela dívida bilionária dos precatórios? Os credores, essa gente ignara que, além de enfrentar anos e anos de processo na Justiça, ainda fica a pedinchar os pagamentos que o Poder Judiciário ordenou e que o Poder Público teima em não fazer, em violação aberta ao dever de cumprimento das ordens judiciais. Tupinicópolis é uma terra estranha...

Em conclusão, aprendi no último dia 8 que os credores dos precatórios são gente do mal, e querem destruir o País. Ainda bem que Deus continua a ser brasileiro (segundo antiga e sólida crença) e não permitirá que essa pregação ministerial tenha efeito prático. E - tenho convicção - o Poder Judiciário afirmará e reafirmará suas ordens de pagamento, adotando medidas eficientes de satisfação dos direitos dos credores.

Francisco A. Fabiano Mendes

Francisco A. Fabiano Mendes

Sócio do escritório Fabiano Mendes Advogados.

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