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O CDC, a LGPD e a demonização dos Bureaus de crédito

Resultado: prejuízo da sociedade civil

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Atualizado às 09:26

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Comum nos dias de hoje nos depararmos com pareceres jurídicos sobre produtos e serviços ofertados por Bureaus de crédito. Muitas vezes ao se debruçar sobre as análises, observamos que muitas não são abalizadas, uma vez que desde o seu nascedouro trazem conclusões precipitadas, sem a necessária fundamentação que a matéria exige e, mais, sem o imprescindível exame da questão sob uma ótica macro quanto aos seus reflexos.

Em outras palavras, não são raras as vezes que encontramos teses de conspiração, embasadas em argumentos demonizadores, quando se aduz que os Bureaus ofertam produtos lesivos, os quais atentariam contra a proteção conferida pelo CDC.

Desta forma, as conclusões, a nosso ver equivocadas, em um primeiro momento representam patente risco de imagem aos Bureaus e, em um outro momento, mais a longo prazo, desencadeiam cenários negativos, em especial por proporcionar um ambiente propício à advocacia predatória.

Entre os diversos equívocos com os quais nos deparamos, um deles nos chama muito atenção, e que, por assim ser, será objeto desta reflexão, uma vez que traz imensurável risco a um ambiente de economia saudável. Trata-se do argumento segundo o qual o serviço de Score atentaria contra a lei 13.709/18- LGPD, bem como contra a lei 8.078/1990- CDC.

Neste momento, abre-se parênteses para explicar o que seria o Score. De acordo com a página na internet do Boa Vista SCPC, Boa Vista explica o que é score e como ele pode ajudar a conseguir crédito, o score é um cálculo que considera, entre outros fatores, o histórico de pagamentos, desde as contas do dia a dia até financiamentos mais longos. Com essa informação, os credores avaliam se, dentro de sua política de crédito - cada empresa estabelece a sua -, o consumidor pode receber prazos e taxas mais adequados ao seu perfil. Sem o score e apenas com as informações das dívidas em atraso, o processo de concessão não é tão seguro e preciso.

Como abaixo ficará mais esmiuçado, o fim pelo qual o CDC foi criado é evitar atos que atentem contra o consumidor e, por assim ser, contra a economia popular. Desta forma, ao nosso ver um argumento que defenda tese contrária ao Score traz verdadeira inversão de valores, pois, assim aduzindo enseja na realidade postura que, esta sim, atenta contra as relações de consumo e a economia popular, isto porque o Score é mais um dos mecanismos existentes que ensejam proteção ao direito do consumidor, o que resta induvidoso da definição realizada no site do Boa Vista SCPC.

Assim, dentre as análises que recriminam o Score, também não é raro observar sugestões de mecanismos de burla do sistema (Score), em uma prática que atenta de forma inquestionável contra o CDC, já que inviabiliza qualquer tipo de tentativa de criação de um ambiente de economia saudável.

Dito isto, importante lembrar que os bancos, as fintechs, as financeiras em geral e, até mesmo as empresas de varejo que comercializam a crédito, utilizam-se de produtos/serviços fornecidos/prestados pelos Bureaus, pois na realidade as ferramentas ofertadas, entre elas o Score, amparam as tomadas de decisões, minorando o risco de inadimplência e orientado eventuais exigências de garantias, entre elas, travas bancárias.

Desta forma, ao observar essas opiniões, em especial as soluções/sugestões de burla, as quais se fundamentam na tese de que os produtos e serviços desrespeitariam a LGPD e o CDC, o sobressalto é instantâneo, já que a função do Score é de inquestionável importância para o desenvolvimento de um plano de geração de riqueza para qualquer país.

Em outras palavras, estas análises críticas são feitas sem o aprofundamento da matéria, já que, apesar das consultas em um primeiro momento poderem afetar a pontuação de Score, pois demonstram que o consumidor está à procura de crédito, ou seja, que de alguma forma está precisando de dinheiro; o ato da consulta e seu reflexo na pontuação é relevante estatisticamente para a composição do sistema e, com isso, minorar o risco na concessão de um mútuo sob uma ótima macro.

Assim, pela função do Score não nos parece duvidoso que ele deva existir e, da mesma forma, receber por parte do Poder Judiciário eventual tutela protetiva quando colocado em risco.

Dito isto, a elaboração de uma boa análise do risco de crédito, no qual está inserido o Score, é uma atividade basilar e intrínseca à sua concessão, pelo que a manipulação dos mecanismos existentes, sejam judicial ou extrajudicial, gera insegurança que acarreta severos reflexos no custo final para o tomador, bem como coloca em risco aqueles que se propõem a fomentar crédito a terceiros, mesmo em um ambiente como o visto nos dias de hoje, no qual se observa a menor média histórica da taxa Selic (taxa básica de juros, valor verificado nas operações de empréstimos de um dia entre os bancos que usam títulos públicos federais como garantia).

Análises precipitadas e pouco fundamentadas, a nosso ver atentam contra o acordo da Basiléia, do qual o Brasil se tornou aderente por meio da Resolução CMN 2.099, que dispõe sobre condições relacionadas ao acesso ao Sistema Financeiro Nacional, aos valores mínimos de capital e patrimônio líquido ajustado, à instalação de dependências e à obrigatoriedade da manutenção de patrimônio líquido ajustado em valor compatível com o grau de risco das operações ativas das instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen, já que não proporciona um ambiente que possibilite uma análise adequada sobre a solvência do tomador de crédito.

Da mesma forma ensejam situações atípicas que não proporcionam exemplos de crédito sólido, conforme determina a Resolução CMN 2.682 de 21/12/99, que dispõe sobre critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa, já que impossibilita que o ente concessor possa criar critérios classificatórios de suas operações, o que acaba por refletir nas provisões para créditos com risco de inadimplemento alto.

Nessa mesma seara, importante dizer que o processo de classificação das operações de crédito, segundo a Resolução 2.682, deve considerar o perfil cadastral e econômico-financeiro do mutuário, além dos seus garantes, que são enfaticamente afetados pelas críticas e manipulações sugeridas, e que, por assim ser, impõem um múnus adicional ao Poder Judiciário, que necessita estar atento e criterioso na análise das demandas relacionadas ao tema.

Faz coro aos argumentos acima a tese de que a LGPD vedaria produtos como o Score. Primeiro porque, salvo melhor juízo, todos os Bureaus de crédito estão adequados à LGPD, inclusive com campanhas de esclarecimento, respeitando assim o princípio da publicidade, conforme rezam o Art. 6° da LGPD e o Art. 37 do CDC, que vedam publicidade enganosa e abusiva. Assim, defender a referida tese, ao nosso sentir, é que gera desrespeito aos dispositivos de Lei.

Da mesma forma, importante dizer que os dados contidos no Score, ao contrário da interpretação de alguns entendimentos, não necessitam de anuência do consumidor, conforme já vinha sendo interpretado pela Súmula 550 STJ (A utilização de score de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo- Súmula 550, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 19/10/2015), mesmo se tratando de entendimento anterior à legislação especial, visto que não houve alteração em sua interpretação. Ademais, os dados utilizados para a composição do Score são públicos e/ou de uso por agentes autorizados em Lei, os quais, somados aos outros fatores incidentes, resultam na pontuação. Em outras palavras, trata-se de um conjunto de dados relativos a pessoa natural ou jurídica com a finalidade de subsidiar a concessão de crédito (dados de inadimplementos enviados pelos credores para inclusão no Cadastro de Inadimplentes; dados provenientes de fontes públicas (como Protestos e Ações de Execução); histórico de crédito/pagamentos disponíveis no Cadastro Positivo (quando ativo); participações societárias; e consultas realizadas pelos clientes de Bureaus ao Cadastro de Inadimplentes.

Há também que enfatizar que o mapeamento de dados por parte dos Bureaus para fins de Score é autorizado pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, ambos da lei 12.414/11 (lei do cadastro positivo), bem como a sua regularidade já foi objeto de apreciação pelo C. STJ no regime dos recursos repetitivos, sob o tema 710- Resp 1.419.697/RS.

Sob todo este enfoque, que encontra amparo tanto na jurisprudência como na legislação, acreditamos serem infundadas as críticas feitas nos dias atuais, em especial com sugestões de burla na atuação dos Bureaus que são retratados como os vilões desta situação, quando na verdade são indispensáveis para uma economia saudável que, entre suas principais características, tem no custo final do crédito um dos mais importantes propulsores econômicos, gerando empregos e, por consequência, criando riqueza.

 

Lucas de Mello Ribeiro

Lucas de Mello Ribeiro

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Especializado em Direito Contratual e Relações de Consumo e em Gestão Administrativa de Contencioso de Massa pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduado em Processo Civil pela PUC/SP. Sócio do escritório Silva Mello Advogados Associados

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