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Presença do Brasil nos organismos internacionais de integração - Cabeça de sardinha ou rabo de baleia?

Para economistas, entrar na OCDE é bom, mas não a qualquer custo.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Atualizado às 11:56

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

 

O que são organismos internacionais de integração?

São instituições transnacionais com um objetivo comum, como por exemplo a ONU (Organização das Nações Unidas) e do FMI (Fundo Monetário Internacional) dentre outros.

A ONU é considerada o principal organismo internacional da atualidade, mas apesar dela exercer grande influência no mundo atual, suas ações estão condicionadas, em última análise,  pelos seus países-membros. Mas como se dá a internalização do regramento de um organismo internacional num país?

O direito internacional público gera obrigações aos seus membros âmbito internacional que refletem interno, na exata proporção e com bases nos princípios que regem cada um deles (OMS - saúde, OMPI - propriedade industrial, etc.).

Há, basicamente, duas correntes que explicariam como se faria a interferência dos tratados internacionais no direito interno de seus membros, uma monista e outra dualista. Pela Dualista o direito internacional seria completamente independente do direito interno por isso uma norma jurídica internacional não pode ser imediatamente incorporada internamente pela validade das normas jurídicas internas não serem regidas pelas normas internacionais. Por outro lado, a Monista diz que o direito internacional e o interno são dois ramos de um mesmo sistema jurídico, tendo aquele prevalência, devendo, os estados, ajustarem suas normas internas aos preceitos internacionais com prevalência do direito interno sobre o internacional.

Mas se sob o prisma da jurisprudência internacional, há a primazia do direito internacional sobre o interno e isso não é de hoje, data do início do século passado, os tribunais brasileiros, nem lá, nem cá, ficamos no meio do caminho, com uma espécie de dualismo moderado, onde, como duas ordens jurídicas distintas, direito nacional e internacional obedecem a procedimentos diferentes para que um tratado seja validado em ambas as esferas. Para o Brasil se comprometer internacionalmente a determinado tratado, ratificando-o, deve haver a edição de uma norma, proporcionando a sua internacionalização, portanto, a validade externa e interna de um tratado não seria obtido com o simples engajamento internacional. Uma espécie de "dualismo moderado porque apenas somos dualistas entre a ratificação do tratado e a sua promulgação", diz Marcelo Varella, se assinado o tratado deve ser aprovado pelo Congresso Nacional segundo dispõe o art. 5º, parágrafo terceiro da nossa Constituição:

"§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais."

Assim, um tratado internacional assinado não seria, aqui, uma norma de eficácia plena, parafraseando-se Kelsen, não passando a produzir, imediatamente, seus efeitos e a vigorar no país. Há a necessidade de um decreto legislativo que autorize a ratificação do tratado pelo Poder Executivo, logo é o decreto legislativo que lhe daria a "executoriedade interna", não o próprio tratado. De modo suscinto, somente após a publicação desse decreto executivo, o direito positivo brasileiro se vincula a um tratado internacional.

Qual a participação do Brasil nos organismos internacionais? 

Nas organizações internacionais, importantes canais de articulação, de entendimento e de negociação, somos considerados um país de poder médio, mas que sempre privilegiou a diplomacia multilateral e o direto internacional. Viemos assumido maiores responsabilidades no cenário internacional, seja através da participação e coordenação de operações de paz da ONU (Organização das Nações Unidas), seja na chefia de algumas de suas organizações, como é o caso de Roberto Azevedo, diplomata brasileiro que chefiou a OMC (Organização Mundial do Comércio, órgão que tem o objetivo de determinar regras globais de comércio) entre e 2020, um ano antes de concluído o seu mandato. Esclareça-se que a saída de Roberto Azevêdo da OMC ocorreu, após diversas investidas do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o órgão e sob as incertezas da economia mundial em meio à pandemia da covid-19.

Hoje estamos às portas de uma vacina que poderá conter a pandemia e às portas do mandato de um novo presidente norte americano com visão distinta quanto aos órgãos internacionais o que pode propiciar uma guinada norte americana em matéria de política externa. Inegável que o Trump, ao longo de seus 4 (quatro) anos de governo, atacou diversos órgãos da ONU, retirando  os EUA do tratado nuclear com o Irã, da OMS (Organização Mundial de Saúde) e do acordo de Paris que é um tratado no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre a Mudanças do Clima com o intuito de reduzir a emissão de gases estufa a partir de 2020.

A OMC é sucessora do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade - trad.: Acordo Geral de Tarifas e Comércio) que era um foro onde eram apresentadas propostas acordos de comércio internacional destinados a promover a redução de obstáculos às trocas internacionais, em particular visando  tarifas e taxas aduaneiras. Na sua grande maioria, a OMC é formada por países em desenvolvimento que buscam a defesa de seus interesses e as decisões da OMC são tomadas por consenso. Após suas críticas, Trump afirmou que a OMC serviu "para levar dinheiros e empregos dos EUA para outras nações".

A OMC, quase uma balzaquiana conta com 25 anos de existência, foi palco para várias lutas de políticas comerciais entre países e blocos econômicos sendo o Brasil um dos países mais ativos, possuindo um balanço muito positivo na disputa em torno de medidas protecionistas com países como os EUA e os integrantes da Comunidade Econômica Europeia (CEE).

O principal objetivo da OMC, com sede em Genebra, é promover a liberalização do comércio mundial, diminuindo ou extinguindo as barreiras comerciais e alfandegárias para facilitar as trocas econômicas internacionais. Os acordos envolvem o comércio de mercadorias, serviços e direitos (propriedade intelectual). Integram-na 156 países-membros, vale destacar que a Rússia só ingressou como membro signatário em 2012, em função da crise econômica que atingiu o país nos anos pós-Guerra Fria e de impasses envolvendo a aceitação de acordos bilaterais.

Mas o Brasil aceita abrir mão do seu status privilegiado na OMC em troca do apoio norte americano à nossa no "clube dos países ricos", a OCDE. Por isso, foram feitas uma série de concessões importantes àquele país, em 2019. Na verdade, somos um dentre 6 candidatos a iniciar o processo de entrada junto à OCDE, uma quase sexagenária formada por países de economias de alta renda cujo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH do PNUD da ONU) é alto que, em 2017, representavam coletivamente 62,2% do PIB nominal global. O Brasil ficou na 79ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mesmo segue no grupo dos que têm alto desenvolvimento humano, mas caímos uma posição no ranking mundial em relação à publicação anterior, passando da 78ª para 79ª dentre os 193 países que integram a ONU.

Trinta e seis países integram a OCDE e ela é um observador oficial das Nações Unidas e um importante local de produção de pesquisa orientada para criar e melhorar políticas públicas. Desde a década de 1990, o Brasil participa de diversos comitês da OCDE de forma plena, ou como observador, logo, já nos encontramos engajados nas atividades deste "fórum internacional". Já aderimos, por exemplo, a 80 de seus instrumentos, ou seja, 30% do total deles.

Com o sucesso do desenvolvimento econômico brasileiro nos anos 2000, fomos convidados a ampliar nosso engajamento na OCDE junto com outros países emergentes (África do Sul, China, Índia e Indonésia), os intitulados de "parceiros estratégicos" da OCDE. Em 2015, assinamos um Acordo de Cooperação, com o objetivo de fortalecer a cooperação entre o país e a organização, e, a partir desse acordo, foi elaborado também um plano de trabalho conjunto para 2016-2017 com o órgão.

Para economistas, entrar na OCDE é bom, mas não a qualquer custo. A ideia do ingresso brasileiro na organização é que funcione como uma espécie de "selo de qualidade" da nossa economia de modo a atrair investimentos pois há vários fundos estrangeiros que têm regras que dificultam a aplicação de recursos em nações não integrantes da OCDE. Por isso, a entrada do país no "clube dos países ricos" pode significar novas e melhores oportunidades de negócios, a obtenção empréstimos internacionais a juros mais baixos e o aproveitando de um corpo técnico de qualidade na produção de pesquisas sobre políticas públicas (ex.: saúde, educação, saneamento básico, etc), por exemplo. Além disso, como país-membro, o Brasil poderia influenciar na decisão sobre as áreas que a organização deve priorizar em suas análises de como investimentos.

Por contar com alguns dos países mais poderosos do mundo, as resoluções adotadas pela OCDE grande legitimidade e acabam se tornando referência internacional, até, padrão de comportamento exigido para acordos e empréstimos internacionais, o que nem sempre acontece com as da OMC.

Mas integrar a OCDE, além de uma longa estrada, não é garantia de que o Brasil será melhor ouvido e terá maior capacidade de influenciar em suas decisões. É preciso ter legitimidade atribuída pelos outros Estados naquilo que se tem a dizer, aquilo que as pessoas chamam de "soft power" (capacidade de influenciar decisões internacionais pelo prestígio, sem usar força bélica ou econômica).

Devemos lembrar, ainda, que fazer parte desse "clube" não sai de graça. Se conseguirmos entrar na OCDE, passaremos a ter de contribuir anualmente para o orçamento da instituição que leva em conta o tamanho do PIB dentre outros fatores, e, em 2017, fomos o 6º maior PIB do mundo, atrás, apenas, dos EUA, Comunidade Econômica Europeia, China, Japão e Índia. Mas decidirmos se queremos ser rabo de baleia ou continuaremos como cabeça de sardinha é crucial a nossa economia ir bem e deixar para trás a recessão e a estagnação em que. O PIB brasileiro cresceu 2,2% na última década, não acompanhando a expansão mundial, com a recessão causada pela pandemia de covid-19, é previsto um recuo do PIB de 5,0% este ano, pela OCDE, espera-se um crescimento de 2,5% em 2021 e de 2,2% em 2022, inferior aos 4,5% da década de 2000.

Por fim, para ingressar na OCDE, o Brasil precisa também melhorar sua performance ambiental e ver, com outros olhos, as suas regras, o que, convenhamos, não foi visto, à risca, nos últimos 2 (dois) anos, em que fomos atingidos por desastres ambientais que atingiram água terra e ar. Considere-se, inclusive, a posse do novo presidente norte americano em 20/1/21, que citou, nominalmente, o Brasil no último debate entre os candidatos à Presidência do seu país, em 29/9/20. Com a vitória de Biden é provável uma guinada na política ecológica norte-americana que pode desembocar na maior floresta tropical do mundo, a nossa Amazônica, tornando-a um dos centros do debate da política internacional.

Therezinha Souza de Almeida Baptista

Therezinha Souza de Almeida Baptista

Mestre em Direito Internacional - USP e CEAG - FGV.

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