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Ampliando os horizontes sobre a compra de vacinas pelo setor privado

A participação do setor privado surge, naturalmente, na medida em que algumas pessoas que estão dispostas a pagar pela vacina e não esperar a sua vez, a exemplo da iniciativa da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC).

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Atualizado às 10:38

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A estratégia de vacinação concebida pelos órgãos governamentais em conjunto com algumas instituições do setor de saúde prevê a vacinação escalonada da população, tendo como lógica subjacente a otimização da capacidade de atendimento da rede hospitalar. Assim, os profissionais de saúde têm prioridade zero, pois deles depende o atendimento hospitalar. Em seguida, as pessoas mais vulneráveis (idosos ou portadores de comorbidades) que, além do maior risco de vida, demandam, geralmente, maiores cuidados médicos (em termos de leitos, tempo de internação, uso de medicamentos, atenção dos profissionais de saúde). No entanto, não havendo leitos disponíveis, a prioridade é dada a uma pessoa mais jovem, que tem maior chance de sobrevivência e de se recuperar mais rapidamente. Essa inversão de prioridade mostra que as prioridades estabelecidas estão sujeitas a alterações, de acordo com as circunstâncias. E, esse fato, deve ser levado em consideração ao se discutir a participação do setor privado na aquisição e distribuição de vacinas.

A participação do setor privado surge, naturalmente, na medida em que algumas pessoas que estão dispostas a pagar pela vacina e não esperar a sua vez, a exemplo da iniciativa da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC), que se dispõe a adquirir imunizantes no exterior para aplicação em parte da população por seus associados, conforme matéria publicada no Estadão de 5/1/21.

Supondo que a ABCVAC seja capaz de adquirir esse imunizante no exterior e que ele seja aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), surge a controvérsia acerca do critério que deverá ser adotado pelas clínicas privadas para aplicação da vacina, dada a escassez de imunizantes no curto prazo.

Para alguns, o setor privado deveria ser impedido de adquirir vacinas. Somente o governo poderia adquiri-las e aplicá-las de acordo com o plano nacional de vacinação contra a covid-19.

Já o Ministério da Saúde admite que as clínicas particulares possam participar do esforço de imunização desde que respeitem as prioridades determinadas no plano estabelecido pelo governo.

Uma terceira alternativa, a meu ver, seria permitir que clínicas privadas, sob determinadas condições, aplicassem a vacina sem respeitar as prioridades estabelecidas.

Entendo que esta alternativa é eticamente defensável, sob algumas condições.

Primeiramente, deve-se considerar que as vacinas adquiridas no mercado externo pelo setor privado poderiam ter sido adquiridas pelo governo, mas por alguma razão não o foram. Assim sendo, a atuação/iniciativa do setor privado deve ser considerada complementar a do governo e não concorrencial a ele.

Em segundo lugar, seria perfeitamente justificável a imposição de uma alíquota de importação, cuja arrecadação poderia ser destinada a um fundo voltado, por exemplo, para o setor de saúde. Alternativamente, os interessados poderiam comprar pela Internet um "cupom de racionamento", nominal e não negociável, ofertado pelo governo, por meio de leilão, que daria aos detentores do cupom o direito de receber a vacina pela rede privada, independentemente da ordem de prioridade. Em ambas as alternativas, as pessoas, além de se vacinarem, estariam contribuindo para uma causa benemérita. E, pela benemerência, muitas pessoas com prioridade no plano nacional de vacinação, poderiam abster-se de usar a rede pública em favor de outros irmãos brasileiros.

Em terceiro lugar, as pessoas que forem vacinadas pela rede privada deixarão de sê-lo pela rede pública, destinando dessa forma uma igual quantidade de doses para a população em geral. Além disso, o governo deixaria de dispender recursos públicos com pessoas que têm condição de pagar pela vacina.

Assim sendo, a população não estaria sendo privada das vacinas, ao contrário, teria uma quantidade maior de vacinas à sua disposição, o governo arrecadaria recursos para financiar o setor de saúde e deixaria de gastar com pessoas que têm condições de pagar pela vacina.

Finalmente, se por um lado, é louvável a posição de quem defende o tratamento igualitário de toda a população, por outro, ela não leva em consideração circunstâncias específicas, como a das pessoas que não podem trabalhar em casa, ou que dependem de um certificado de vacinação para desenvolver determinada atividade, cuja exigência em breve se tornará geral.

Importante, portanto, que se ampliem os horizontes do debate, livre de posições ideológicas ou sectárias, de tal modo a harmonizar da melhor forma possível os interesses públicos e privados envolvidos.

José Estevam de Almeida Prado

José Estevam de Almeida Prado

Administrador de Empresas e Advogado. Mestre em Direito dos Negócios (GV Direito SP).

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