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Nova Lei de Licitações: mais do mesmo?

A resposta ao título desse artigo só será encontrada na medida em que as experiências administrativas forem revelando a maior efetividade das licitações, sem o descuido dos princípios éticos que devem nortear os procedimentos.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Atualizado às 13:47

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Recentemente, o Senado aprovou, após longo período de tramitação, o projeto de lei 4253/2020, que revoga dispositivos das leis 8.666/93 (Lei de Licitações), 10.520/2002 (Lei do Pregão) e 12.462/11 (RDC), dispondo sobre novas normas gerais para licitações, bem como para formalização e fiscalização de contratações públicas. Foi bem difícil ler e acompanhar as 188 páginas e 190 artigos do texto, e podemos afirmar que a correta compreensão de todos os dispositivos do PL aprovado, que aguarda sanção presidencial, será um desafio e tanto. Seja como for, há um período de transição no qual por dois anos a aplicabilidade da lei 8.666/93 continuará a ser opção, justamente para que os gestores e também os interessados em contratar com a Administração possam, paulatinamente, adaptar-se às novas regras.

Na essência, embora haja avanços importantes, mantém-se o mesmo viés burocrático e formalista da lei 8.666/93. O novo estatuto das licitações poderia ter avançado mais no que diz respeito à desburocratização, primando por conceitos e deliberações que estivessem mais voltados ao que se denomina no âmbito federal de "Alta Administração Pública", privilegiando a ética, a transparência e, sobremaneira, a eficiência. O procedimento licitatório continua exigindo muitas justificativas, o que revela desconfiança, seja em relação à Administração, aos agentes públicos ou à iniciativa privada. Não se encontram no escopo da nova normativa as entidades estatais, sujeitas à lei 13.303/2016, que regulamenta a responsabilidade das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Não obstante, para efeitos penais, a elas sejam aplicadas as novas diretrizes, as quais inovaram em determinados tipos penais licitatórios.

Dentre as alterações promovidas, destaca-se um novo e importante princípio das licitações: o planejamento, o que, sem dúvida, valoriza a fase interna do procedimento, justamente para que muitos dos certames desencadeados não sejam frustrados ou mesmo resultem em desperdício de dinheiro público. Importante registrar o surgimento de uma nova modalidade licitatória, denominada "diálogo competitivo", a partir da qual a Administração Pública, para contratação de obras, serviços e compras, promove antecipadamente debates com licitantes previamente selecionados, obedecendo-se critérios objetivos para que sejam definidos projetos e estudos capazes de melhor satisfazer os interesses da Administração. Tal modalidade será muito útil diante de contratações cujos objetos sejam complexos, exigindo inovação tecnológica ou técnica, ou mesmo nas concessões de serviços ou na contratação de parcerias públicas privadas.

Dentre outras tantas alterações, o projeto prevê o seguro-garantia nas licitações e consolida-se a inversão de fases no procedimento, algo já consagrado na lei 10.520/02, revelando-se primeiro as propostas para, posteriormente, habilitar-se o vencedor. Adota-se como regra, o processo eletrônico, mais transparente e eficiente, porém o procedimento também poderá ser presencial, desde que devidamente motivada a escolha. Importante destacar que a aquisição de artigos de luxo para o dia a dia não poderá ser precedida de licitação, justamente para que se evite o contingenciamento financeiro do supérfluo. Define-se uma matriz de risco, considerando-se problemas que podem ocorrer durante a execução do contrato, incluindo o valor e os prazos de execução, o que poderá evitar a elaboração de intermináveis aditivos ou mesmo alteração significativa dos valores, ensejando uma repactuação.

Considerando que o Brasil, para além dos 26 Estados da Federação e do Distrito Federal, é formado por 5570 municípios, não será fácil que os novos dispositivos sejam bem compreendidos pelos gestores municipais, notadamente se considerarmos que boa parte dessas administrações carece de servidores e especialistas, distanciando-as significativamente dos grandes centros. Nesse sentido, e pensando nas municipalidades, será absolutamente necessário um apoio significativo dos órgãos federais, no sentido de instrução dos parâmetros e diretrizes do novo Diploma Legal.

Enfim, impossível aqui discorrer sobre todos os aspectos e incrementos do projeto, em vias de ser sancionado pela Presidência da República. Se avaliarmos que até os dias de hoje a lei 8.666/93 é motivo de intensa discussão, podemos, sim, projetar um longo período em que o novo Estatuto das Licitações será objeto de aperfeiçoamento interpretativo. Aliás, em se tratando de licitações, não será novidade a continuidade das discussões e dos debates, sejam nos tribunais ou fora deles, quando então a comunidade jurídica, por muitos e muitos anos, se debruçará sobre os dispositivos da nova lei que vem por aí.

A resposta ao título desse artigo só será encontrada na medida em que as experiências administrativas forem revelando a maior efetividade das licitações, sem o descuido dos princípios éticos que devem nortear os procedimentos. Até lá, será preciso estudo intenso, pois esta será a norma que regerá as licitações e as contratações públicas.

Luiz Paulo R. Germano

Luiz Paulo R. Germano

Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, de Portugal. Professor. Professor visitante da Ambra University - USA. Sócio da Medeiros, Santos e Caprara Advogados. Recentemente, fundou a AD2L, especializada em Direito Digital. Autor de livros.

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