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Dano moral: Por uma teoria renovada para quantificação do valor indenizatório

Dano moral, à luz da Constituição Federal vigente, nada mais é do que a violação do direito à dignidade.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Atualizado às 17:18

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

I - Conceito do dano moral individual

No conceito de dano moral encontramos definições para todos os gostos. Neste particular aspecto a doutrina é pródiga, porém, em que pesem pequenas nuances, há uma concordância quanto a classificar a lesão que possa autorizar a indenização por danos morais, como aquela que atinge o âmago do indivíduo, causando-lhe dor (incluindo-se aí a incolumidade física), sofrimento, angústia, vexame ou humilhação e, por se passar no íntimo das pessoas, torna-se insusceptível de valoração pecuniária adequada, razão porque o caráter da indenização é o de compensar a vítima pelas aflições sofridas e, de lhe subtrair o desejo de vingança pessoal.

Dano moral, à luz da Constituição Federal vigente, nada mais é do que a violação do direito à dignidade. Quer dizer, hoje o dano moral não se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos, razão pela qual revela-se mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial, como ocorre no direito português. É em razão dessa natureza imaterial que o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano.1

II - Da caracterização do dano moral

É preciso destacar que não é qualquer dissabor ou qualquer contrariedade que caracterizará o dano moral. Na vida moderna há o pressuposto da necessidade de coexistência do ser humano com os dissabores que fazem parte do dia-a-dia. Desta forma, alguns contratempos e transtornos são inerentes ao atual estágio de desenvolvimento de nossa sociedade.

Neste sentido, como alerta o mestre Antônio Chaves, há que se ter prudência de tal sorte que não se venha reconhecer a existência de dano moral em "todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor-próprio pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar das asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões insignificantes desfeitas, possibilitando sejam extraídas da caixa de Pandora do direito centenas de milhares de cruzeiros".2

Muitos doutrinadores consideram árdua a tarefa de separar o joio do trigo, isto é, delimitar frente ao caso concreto, o que vem a ser dissabores normais da vida em sociedade ou danos morais. Esta questão é das mais tormentosas, exatamente por não existirem critérios objetivos definidos em lei, de tal sorte que o julgador acaba por buscar supedâneo na doutrina e na jurisprudência para aferir a configuração ou não do dano moral. De toda sorte, o que precisa haver na avaliação do dano moral é prudência e bom senso de tal sorte que se possa, considerando o homem médio da sociedade, ver configurado ou não a lesão a um daqueles bens inerentes à dignidade humana de que a Constituição nos fala.

III - Dos fundamentos da reparação

Como ensina o mestre Caio Mário da Silva Pereira, "o fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos".3

É também preciso recordar que a dignidade da pessoa humana foi elevada a um dos fundamentos básicos do Estado brasileiro. Veja-se que na Constituição Federal de 1988 o legislador constituinte fez insculpir, já no artigo primeiro, dentre os fundamentos sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito, a dignidade humana (art. 1°, III), com reflexos inevitáveis na conceituação do dano moral, na exata medida em que, os valores que compõem à dignidade humana são exatamente aqueles que dizem respeito aos valores íntimos da pessoa, tais como o direito à intimidade, à privacidade, à honra, ao bom nome e outros inerentes à dignidade humana que, em sendo violados, hão de ser reparados pela via da indenização por danos morais (CF, art. 5°, V e X).

De maneira objetiva e com a clareza que lhe é peculiar, Antonio Jeová Santos preleciona que "seria escandaloso que alguém causasse mal a outrem e não sofresse nenhum tipo de sanção; não pagasse pelo dano inferido".4 Em outras palavras, o princípio que fundamenta o dever de indenizar se encontra centrado no fato de que a todo o dano injusto deve corresponder um dever de reparação.

IV - Por uma teoria renovada para quantificação da indenização por dano moral (teoria da exemplaridade).

Em face de tudo quanto argumentado é que defendemos uma nova teoria para a apuração do quantum indenizatório nas ações de reparação por danos morais, com caráter predominantemente punitivo.

Por essa nova teoria, a definição da verba indenizatória, a título de danos morais, deveria ser fixada tendo em vista três parâmetros: o caráter compensatório para a vítima; o caráter punitivo e dissuasório para o causador do dano e, o caráter exemplar e pedagógico para a sociedade.

Em face deste trinômio e tendo em vista o caráter da efetividade da condenação por danos morais, defendemos que, na fixação do quantum, o juiz além de ponderar os aspectos contidos no binômio punitivo-compensatório, poderia adicionar outro componente, qual seja, um plus que servisse como advertência de que a sociedade não aceita aquele comportamento lesivo e o reprime, de tal sorte a melhor mensurar os valores a serem impostos como condenação aos infratores por danos morais.

O inovador na propositura acima esposada, é que, partindo da premissa de que quanto maior for a pena, menor será o índice de reincidência, associado ao fato de que se a sociedade tomar ciência de que determinadas condutas são reprimidas com vigor pelo Poder Judiciário, acredita-se que os direitos humanos e a dignidade das pessoas sofreriam menos agressões, na exata medida em que o peso da condenação seria sentida no bolso do infrator como fator de desestímulo.

De outro lado, ao adotar-se que a destinação desse plus condenatório deve ser destinado à entidades de benemerência ou ao fundo estadual de interesses difusos, estar-se-ia atingido dois objetivos relevantes: recompensando-se o corpo social, já que último destinatário dos comandos jurisdicionais e, de outro lado, evitando o chamado "enriquecimento sem causa" da vítima.     

Dessa forma, o juiz ao fixar o quantum indenizatório, deveria levar em consideração, frente ao caso concreto, os seguintes aspectos:

a)    A angústia e o sofrimento da vítima: de tal sorte a lhe propiciar uma indenização possível de lhe compensar os sofrimentos advindos da injusta agressão.

b)    A potencialidade do ofensor: para que não lhe impinja uma condenação tão elevada que signifique sua ruína e nem tão pequena que avilte a dor da vítima.

c)     E, finalmente, a necessidade de demonstrar à sociedade que aquele comportamento é condenável e que o Estado juiz não admite e nem permite que sejam reiterados tais ilícitos sem que o ofensor sofra a devida reprimenda.

O peso da indenização no "bolso" do infrator é a resposta mais adequada que o ordenamento jurídico pode oferecer para garantir não sejam ofendidos diuturnamente os bens atinentes aos direitos da personalidade, senão vejamos:

1. A condenação por danos morais deve ter o caráter de atender aos reclamos e anseios de justiça, não só do cidadão, mas da sociedade como um todo.

2. Na questão de danos morais, a sentença deve atender ao binômio efetividade e segurança, de tal sorte que as decisões do Judiciário possam proporcionar o maior grau possível de reparação do dano sofrido pela parte, independentemente do ramo jurídico em que se enquadre o direito postulado.

3. Conquanto o brio, o amor-próprio e a honradez não tenham preço para o homem de bem, a condenação do ofensor em valores significativos, poderá representar para o ofendido o sentimento de justiça realizada.

4. Ademais, a indenização por dano moral deverá ter como objetivo, além do caráter pedagógico, a finalidade de combater a impunidade, já que servirá para demonstrar ao infrator e a sociedade que aquele que desrespeitou às regras básicas da convivência humana, poderá sofrer uma punição exemplar.

5. Desta forma, a teoria que melhor se coaduna com os anseios da sociedade moderna, no tocante à reparação por danos morais, é aquela que tem um caráter tríplice, qual seja: punitivo, compensatório e exemplar.

6. A aceitação da tese de criação de uma pena pecuniária adicional, que pode ser chamada de multa civil, com o fito de servir como desestímulo à prática de novos ilícitos, cuja verba deva ser revertida para entidades de benemerência ou ao fundo de interesses difusos, é a melhor solução para evitar que a vítima venha a ser beneficiária do chamado "enriquecimento sem causa".

7. Aos grandes conglomerados econômicos cabe exigir atitudes de vigilância quanto à qualidade dos serviços prestados ou de produtos ofertados, especialmente no tocante à prevenção dos erros operacionais, cometidos amiúde por seus funcionários-prepostos, de tal sorte a reduzir a incidência de afrontas aos direitos e a dignidade dos usuários de tais produtos e serviços.

8. A utilização desmedida do instituto do dano moral poderá criar o descrédito e vir a banalizar tão importante instrumento, por isso que se recomenda ao Judiciário a adoção de critérios sólidos na aferição e na quantificação da indenização por ilícitos desta ordem e, aos operadores do direito, que utilizem de cautela e prudência na propositura de demandas a esse título.

9. O fato de existirem desvios, não pode ter o condão de invalidar tão importante preceito legal. É preciso que se aperfeiçoem os instrumentos postos à disposição dos que manejam o direito, coibindo-se os eventuais excessos.

Desta forma, sugere-se ao Congresso Nacional, a alteração do art. 944 do Código Civil, para contemplar a possibilidade de uma indenização adicional nas ações decorrentes de dano moral a ser destinada a instituições de benemerência.

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1 Sérgio Cavalieri Filho. Programa de responsabilidade civil, p. 85-86.
2 Tratado de Direito Civil, vol. III, p.637.
3 Responsabilidade Civil, p. 54
4 Dano moral indenizável, p.62.

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CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, 3a. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
CHAVES, Antônio. Tratado de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, v. III.
MELO, Nehemias Domingos. Dano moral - problemática: do cabimento à fixação do quantum, 2 ed. São Paulo: Atlas, 2011.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 6ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável, 4a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

Nehemias Domingos de Melo

Nehemias Domingos de Melo

Advogado. Professor Universitário de Direito. Cursou o Doutorado em Direito Civil na UBA. É Mestre em Direitos Difusos. Autor de 18 livros jurídicos publicados pela Saraiva, Atlas e Rumo Legal.

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