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Da gestão patrimonialista à governança pública - Uma longa trajetória rumo à eficiência administrativa

É certo que administrar e gerir representam, tanto um anseio quanto uma necessidade da civilização.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Atualizado às 16:57

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Meus caros leitores, nesse nosso encontro convido vocês a analisarem, juntos comigo, algumas situações ligadas à evolução dos modelos de gestão que foram criados ao longo dos tempos e quais seus impactos no dia a dia de cada um de nós.

É certo que administrar e gerir representam, tanto um anseio quanto uma necessidade da civilização. Organizar fluxos, processos e procedimentos; definir competências e estabelecer atribuições; qualificar, controlar e monitorar; estabelecer objetivos e cobrar resultados são alguns dos aspectos envolvidos nisso tudo. Tanto na iniciativa privada quanto no setor público as formas de se administrar e de fazer gestão passaram por fases distintas, até chegar ao que hoje se denomina Governança.

Contudo, pergunto-lhes: Será que, de fato, podemos e devemos falar em "evolução"? Em que pé estamos, quando analisamos a realidade enfrentada por nós em razão da maneira com que somos administrados, isto é, em razão de como nossos Administradores e Gestores Públicos conduzem os interesses dos cidadãos pagadores de impostos.

Nessa trajetória ao longo do tempo destacam-se três formas de gestão: A Patrimonialista, a Burocrática e a Gerencial, cada uma delas com traços marcantes e métodos próprios que, no decorrer dos tempos foram sendo superados, no intuito de aprimoramento.

Bem, meus Caros, em um primeiro estágio evolutivo, se é que podemos chamar assim, tem-se a "gestão patrimonialista". Ela teve origem no Estado Liberal, logo após a Revolução Francesa (1789), quando a burguesia destrona a monarquia e assume o poder. Estado este (Poder Público Absolutista) que se preocupava apenas em declarar direitos, pouco importando com a realização prática deles. Este modelo foi uma herança feudal, na qual prevaleciam os interesses do Governante. Não havia distinção entre o público e o privado, todo o aparato do Estado era considerado uma extensão do patrimônio e do poder do Governante, daí a denominação "patrimonialista". Suas características marcantes foram o nepotismo, os privilégios, as honrarias, os favoritismos e a corrupção. (Sinal de que tudo isso já deveria ter ficado para trás, não é mesmo? Bem distante, nas brumas de um tempo longínquo... Só que não!)

Em um segundo momento, no auge da Revolução Industrial (1780 em diante), com todo o avanço tecnológico que criou e seus fortes impactos que transformariam para sempre os processos produtivos e as relações de trabalho, implantou-se um novo modelo de gestão. Agora centrado em estruturas organizacionais rígidas, com a finalidade de promover o máximo de rendimento da produção. Para isso, estabeleceu a separação de funções e execução de tarefas; enfatizou a padronização do trabalho, a hierarquia, a racionalidade e maior controle da linha de produção. Frederick W. Taylor e Henry Ford, nos E.U.A. e Fayol, na Europa, representam bem essa fase, caracterizada pela imposição de maior produção em menor tempo e custo. Esta foi a Gestão Burocrática.

Obviamente, isto não perdurou. Tanto que, no Século XX, quando o Poder Público do Estado amplia seu papel econômico e social, aquele modelo de gestão burocrática, centrada no controle hierárquico e na formalidade dos procedimentos já não se adequava mais, principalmente por ser lenta, cara e ineficiente.

É assim mesmo, a realidade se impõe e com ela a necessidade de adequação. Sendo assim, a partir da segunda metade do século XX, novos formatos de administração e gestão começam a ser implantados, tendo como características os seguintes aspectos: Busca de maior autonomia (gerencial, orçamentária e financeira); estabelecimento de controle dos resultados, de acordo com as metas e objetivos pretendidos; busca de maior eficácia na prestação dos serviços públicos; necessidade de se atender ao interesse público e às necessidades do cidadão; ingresso no mercado de trabalho e ascensão por meritocracia; qualificação, treinamento e avaliação de desempenho; redução de custos em busca de maior eficiência administrativa. Esta é a Gestão Gerencial. Sem dúvida foi um avanço.

Mas, a sociedade democrática contemporânea impõe maior nível de aprimoramento à gestão. E, com isto, surge a Governança (Corporativa e Pública). Contudo, no que a Governança aprimora o sistema de gestão? No que ela inova? Vamos entender como isso começou. Por que surgiu a Governança?

As primeiras discussões que resultaram na criação do conceito de governança começaram nos anos 1980, nos Estados Unidos, tendo o caso Texaco, em 1984, como exemplo emblemático da necessidade de novas práticas de gestão. Naquela ocasião, a Chevron tentou adquirir o controle acionário da Texaco, que vinha apresentando sucessivos déficits e tal negociação lhe permitiria uma injeção de performance. Porém não conseguiu realizar a transação porque os executivos da Texaco não permitiram. Tal conduta foi extremamente prejudicial aos seus acionistas. Outro caso grave foi no início dos anos 2000, após o escândalo financeiro que levou a Enron à falência, uma das maiores empresas do segmento de energia dos Estados Unidos que, valendo mais de US$100 bilhões na época, comprovadamente fraudou balanços e fez com que milhões de dólares de seus acionistas simplesmente evaporassem. Este escândalo motivou a criação da lei Sarbanes-Oxley Act - conhecida como SOX, que criou mecanismos de controle e fiscalização para se evitar fraudes dessa natureza. Outro caso relevante foi a crise da "bolha" financeira que teve início nos Estados Unidos, em 2008 e impactou negativamente os mercados no mundo todo.

Portanto, meus caros leitores, a sucessão de crises dessa natureza, com situações graves de conflito no ambiente empresarial, impôs a necessidade de mudanças na legislação e na criação de procedimentos e práticas de gestão com maior controle dos gestores na condução dos negócios das empresas. Todo esse estado problemático comprovou a necessidade e os benefícios da governança, possibilitando o seu desenvolvimento e daí expandindo-se para a Governança pública.

Para entender sua dimensão, temos que analisar o contexto em que ela se insere. Primeiramente, valoriza-se a democracia participativa, o planejamento estratégico, a necessidade de prestação de contas e a responsabilidade pelas condutas. Passa a ocupar espaço o gerenciamento de projetos, a gestão de processos, os controles internos e a gestão de riscos. A sociedade exige mais transparência e eficiência no trato da coisa pública. O Estado, enquanto Poder Público, deve exercer um papel fomentador ao desenvolvimento, estabelecendo as condições normativas e regulatórias para que os negócios e as atividades se desenvolvam. O empreendedorismo desponta e a economia não tem fronteiras geográficas. O mundo é digital e virtual.

Pois bem, é nesse cenário que a Governança, alicerçada sobre os pilares da transparência, da equidade, da prestação de contas e da responsabilidade se faz presente. E, para tanto, ela deve desempenhar 3 funções básicas: 

Avaliar o ambiente, os cenários, o desempenho e os resultados atuais e futuros. Direcionar e orientar a preparação, a articulação e a coordenação de políticas e planos, alinhando as funções organizacionais às necessidades das partes interessadas (usuários dos serviços, cidadãos e sociedade em geral), assegurando o alcance dos objetivos estabelecidos. Monitorar os resultados, o desempenho e o cumprimento de políticas e planos, confrontando-os com as metas estabelecidas e as expectativas das partes interessadas. Para isso, a Governança conta com uma ferramenta muito importante: O Compliance. Mas, sobre ele conversaremos em uma próxima oportunidade.

Por ora, caríssimos, é importante ressaltar que as boas práticas de Governança estabelecem as condições necessárias ao desenvolvimento, já que propicia maior estabilidade política e econômica; gera confiabilidade e assegura credibilidade. Condições indispensáveis para a solidez das relações, concordam?

Na prática, implica em que, tanto a iniciativa privada, quanto os poderes públicos (nos 3 níveis da federação: União, Estados e Municípios) devem se comprometer com a gestão eficaz, eficiente e ética. Em conformidade com as normas democraticamente estabelecidas, a começar pelas normas Constitucionais, de modo a proporcionar as condições para a efetividade dos objetivos propostos. Nesse sentido, assumem especial destaque as Políticas de Estado e as Políticas de Governo. Sobre elas falaremos em outra ocasião.

 

Heliodora Collaço

Heliodora Collaço

Advogada. Mestre em Direito das Relações Econômicas e Empresariais. Educadora Jurídica. Especializada em Governança e Compliance.

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