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A transposição de regime jurídico dos empregados públicos do município de Guarulhos e o termo inicial da prescrição bienal

A vigência de lei que transpõe empregados públicos para regime estatutário implica em extinção do contrato de trabalho, dando inicio a fluição do prazo da prescrição bienal.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Atualizado às 08:47

 (Imagem: Imagem Migalhas)

(Imagem: Imagem Migalhas)

A Lei Municipal de Guarulhos 7.696, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2019 promoveu a chamada Transposição de Regime Jurídico dos Empregados Públicos do Município de Guarulhos que então eram regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, após a vigência da referida norma, passaram a ter sua relação jurídica regidas pelo Estatuto dos Funcionários Públicos Municipais de Guarulhos, instituído pela Lei 1.429, de 19/11/68.  

Assim, os então empregados públicos que, a título exemplificativo, deixaram de fazer jus aos depósitos em sua conta vinculada do FGTS (direito assegurado ao regime celetista) e passaram a fazer jus aos direitos previstos no estatuto, dente eles quinquênio1, sexta-parte2, licença prêmio3, etc. 

Entretanto, referida situação não abarcou todos os empregados públicos, notadamente àqueles aposentados ou em via de se aposentar pelo RGPS, dentre outros previstos no artigo 3º da Referida Lei Municipal.4

Assim, na prática, referida normativa acabou criando grandes distorções, com discrepância remuneratória inclusive, ao passo em que os transpostos ao Regime Estatutário, por conta da implementação dos adicionais de tempo de serviço já mencionados passaram a receber remuneração superior àqueles que não fizeram jus a transposição, fato esse que tem gerado críticas sob o pálio do Princípio da Isonomia. 

Some-se a isso a declaração de inconstitucionalidade da referida lei pelo E. TJSP o qual reconheceu a impossibilidade da realização da referida transposição sem que houvesse novo concurso público próprio5, ressaltando, desde logo, a qual se encontra suspensa por decisão da lavra do Eminente Min. Presidente do E. STF Luiz Fux.6

Em meio a esse caos, se questiona: Para àqueles que forem transpostos, como fica o prazo prescricional para reclamar perante a Justiça de Trabalho?

A prescrição nada mais é do que o tempo estipulado pela lei para que o empregado possa promover ação da Justiça para poder reclamar por direitos que foram violados durante a relação de emprego.

O prazo prescricional para propositura da ação perante a Justiça do Trabalho é de 2 (dois) anos, conforme dispõe o em seu artigo 7º, inciso XXIX da Constituição Federal7, ou seja, passado esse período há a perda total do direito de reclamar.

Chama-se a atenção ao entendimento firmado na Súmula 382 do E. TST8, o qual determina que a mudança do regime jurídico acaba por extinguir o contrato de trabalho e, a partir daí, passa a fluir a contagem do prazo da a prescrição bienal, ou seja, o cômputo da prescrição bienal tem início a partir da vigência da lei que promoveu a alteração, no caso, o dia 30 de maio de 2019.

Neste caso, contados dois anos da vigência da Lei, se tem o dia 30 de maio de 2021, onde restará prescrito o direito de reclamar perante o Poder Judiciário acerca de ilegalidades ocorridas ao tempo em que vigorou o regime jurídico celetista, o que, inclusive, já foi objeto de decisão do E. TST.9

Logo, demandas como o direito ao recebimento em dobro das férias + 1/3 dos períodos de 2015, 2016 e 2017 por conta de seu pagamento fora do prazo, bem como reclassificação de adicional de insalubridade, dentre outras situações, não mais poderão ser objeto de reclamação mediante ação individual após a data acima.

Conclui-se, assim, pela necessidade de se atentar a proximidade do termo final do prazo prescricional, ainda que possa haver controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca de sua incidência ou não10, com vistas a salvaguardar os direitos violados ao tempo em que vigorou o regime celetista.

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1 Art. 143. Por quinqüênio de efetivo exercício no serviço público será atribuído ao funcionário um adicional igual a 5% (cinco por cento) do respectivo vencimento, que a ele se incorporará para todos os efeitos.

2 Art. 144 - Perceberão mais sexta-parte dos vencimentos integrais, que a eles se incorporará para todos os efeitos, os funcionários que completarem 25 (vinte e cinco) anos de efetivo exercício, quando de sexo masculino e 20 (vinte) anos se do sexo feminino. (Redação dada pela Lei nº 3422/1989)

3 Art. 78 - Após cada período de 5 (cinco) anos de efetivo exercício no serviço público do Município, ao funcionário que a requerer, conceder-se-á licença-prêmio de 3 (três) meses, com todos os direitos, vencimentos e vantagens do cargo efetivo. (Redação dada pela Lei nº 3114/1986)

4 Art. 3º Na~o sera~o transpostos ao Regime Juri'dico U'nico Estatuta'rio:

I - os empregados que se aposentaram pelo Regime Geral de Previde^ncia Social - RGPS e que continuam no exerci'cio ininterrupto de seus empregos pu'blicos junto aos entes pu'blicos municipais;

II - os empregados que, na data da vige^ncia desta Lei, ja' tenham implementados os requisitos para a aposentadoria pelo Regime Geral de Previde^ncia Social - RGPS;

III - os empregados que, na data da vige^ncia desta Lei, se encontrem cumprindo o peri'odo de 5 (cinco) anos que antecedem a aposentadoria volunta'ria nos moldes estipulados pela ali'nea a, inciso III, § 1o do artigo 40 da Constituic¸a~o Federal;

IV - os empregados contratados por prazo determinado em raza~o de excepcional interesse pu'blico ate' a vige^ncia desta Lei;

V - os empregados que, na data da vige^ncia desta Lei, implementaram a idade limite para a permane^ncia no regime juri'dico estatuta'rio;

VI - os empregados que, na data da vige^ncia desta Lei, estiverem afastados em fruic¸a~o de benefi'cios junto ao Regime Geral de Previde^ncia Social - RGPS;

VII - os empregados que, na data da vige^ncia desta Lei, estiverem licenciados sem remunerac¸a~o.

5 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2264169-17.2019.8.26.0000 (...) V. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 7.696, de 27 de fevereiro de 2019, do Município de Guarulhos, que dispõe sobre o Regime Próprio RP da Administração Pública Municipal de Guarulhos, institui o regime de previdência complementar do Município e dá outras providências. Transposição de regime de servidores admitidos, por meio de concurso público, sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho(CLT) para o regime estatutário. Imprescindibilidade da realização de novo concurso público próprio. Cada servidor está vinculado ao estatuto jurídico que regulou o certame que ensejou sua admissão no funcionalismo público. Violação dos artigos 111, 115, II, 124 e 127, todos da Constituição do Estado de São Paulo, bem como da Súmula Vinculante nº 43 e Súmula 685, ambas do STF. Precedentes deste Colendo Órgão Especial.

6 MEDIDA CAUTELAR NA SUSPENSÃODE LIMINAR 1.402 SÃO PAULO

7 CRFB/88, artigo 7º, inciso XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; 

8SÚMULA 382 DO TST. MUDANÇA DE REGIME CELETISTA PARA ESTATUTÁRIO. EXTINÇÃO DO CONTRATO. PRESCRIÇÃO BIENAL (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 128 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005. A transferência do regime jurídico de celetista para estatutário implica extinção do contrato de trabalho, fluindo o prazo da prescrição bienal a partir da mudança de regime. (ex-OJ nº 128 da SBDI-1 - inserida em 20.04.1998)

9 RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. SERVIÇO PÚBLICO.         ADMISSÃO DE EMPREGADO SEM CONCURSO ANTES DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DA ESTABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 19, CAPUT, DO ADCT. TRANSMUDAÇÃO DO REGIME CELETISTA PARA O ESTATUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. DEPÓSITOS DO FGTS. PRESCRIÇÃO BIENAL. NÃO OCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA CELETISTA. JULGADOS DA SBDI-1/TST. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CARACTERIZADA.   1. O Tribunal Regional manteve a prescrição total bienal em relação à pretensão obreira   de recolhimento dos depósitos de FGTS, ao fundamento de que a ação trabalhista foi ajuizada mais de dois anos após a mudança do regime jurídico, de celetista para         estatutário. A Corte de origem aplicou a diretriz da Súmula 382/TST, segundo a qual "   A transferência do regime jurídico de celetista para estatutário implica extinção do contrato de trabalho, fluindo o prazo da prescrição bienal a partir da mudança de regime". 2. Cinge-se a controvérsia em saber se empregado público admitido sem concurso público,  há menos de cinco anos da data da promulgação da CF/88, passou a ser estatutário com a  instituição do regime jurídico próprio de servidores públicos no âmbito do Município Demandado. 3. O Tribunal Pleno deste TST, no julgamento doArgInc-105100-93.1996.5.04.0018, de relatoria da Ministra Maria Helena Mallmann, em  21/8/2017, firmou entendimento de que os empregados admitidos antes da vigência da  Constituição, e desde que detentores da estabilidade de que trata o artigo 19 do ADCT,  estão sujeitos à transposição de regime jurídico em decorrência da publicação da lei instituidora. Em outras palavras, não há óbice constitucional para a transmudação de regime dos empregados admitidos antes de 05/10/1983, em face da estabilidade prevista no  artigo 19 do ADCT, mas a mudança do regime jurídico não resulta no provimento de cargo         público efetivo. 4. Registre-se que o fato de a Reclamante ter sido admitida em março de 1988 e, portanto,                     não ser detentora da estabilidade de que trata o artigo 19 do ADCT, faz com que o presente caso não se amolde à hipótese julgada pelo Tribunal Pleno desta Corte. Permanece, pois, a relação jurídica regida pela CLT mesmo após a instituição do Regime Jurídico Único, não havendo falar em aplicação da diretriz da Súmula 382/TST. Julgados da SBDI-1/TST e de Turmas desta Corte. Transcendência política caracterizada.         Violação do artigo 37, II, da CF. Recurso de revista conhecido e provido. Null (TST - RR - 795-92.2018.5.05.0201, Relator: Ministro DOUGLAS ALENCAR RODRIGUES, Data do Julgamento: 02/12/2020, Data da Publicação: 04/12/2020, 5ª Turma)

10 Tema 106, 293, 928, 951, 980 do STF; art. 3º da Lei 14.010, de 10 de junho de 2020.

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Álan Mesquita Pinheiro

Álan Mesquita Pinheiro

Professor e advogado na Vidal Pinheiro Advogados Associados. Especialista em Direito Processual pela PUC/MG.

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