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Patente de uma vacina

A licença compulsória de uma patente de vacina pode ser adotada pelo poder executivo, desde que atenda a vários requisitos, como o interesse público e abuso nos preços.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Atualizado às 09:26

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

Em razão da pandemia da Covid-19, com o surgimento de imunizantes para esse terrível vírus, assistimos a um aumento nas propostas para o que se convencionou chamar de "quebra de patente" das vacinas em território nacional, para que o Brasil fabrique os insumos e o produto final, que é a própria vacina.

Há muito tempo, observamos o uso incorreto da expressão "quebra de patente". Para melhor entendimento, a "quebra de patente" é uma ruptura contratual dos acordos internacionais, como o Tratado da Convenção de Paris, de 1883, vigente em nosso País e do Acordo Sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips).

A Lei antiga de patentes do Brasil, não permitia a patente de medicamentos. Criada na época do regime militar, mantinha algumas áreas como alimentos, produtos farmacêuticos e produtos bélicos, entre outras, como estratégicas, para a indústria brasileira. E também previa a desapropriação de patentes, em caso de interesse ou segurança nacional.

A "quebra de patente", no caso das vacinas é uma decisão unilateral, onde há intervenção do Executivo e o não reconhecimento dos acordos internacionais. Será que vale a pena criarmos atritos com países com os quais nossas relações comerciais são ótimas e para quem vendemos nossos produtos agrícolas como China, Índia, Inglaterra, Estados Unidos e Rússia? 

Por sua vez, a licença compulsória ou obrigatória de uma patente, cujo termo vem sendo aplicado erroneamente como sinônimo de "quebra de patente", permite uma suspensão temporária do direito à exclusividade do detentor da patente. É uma intervenção sobre o monopólio. A licença é um mecanismo de defesa contra possíveis abusos dos laboratórios ou dos detentores de patentes, e para os casos específicos, onde há interesse público e abuso nos preços.

Sendo o Brasil parte integrante de tratados internacionais que permitem a licença compulsória contra o abuso de direito, vê-se como um conceito errôneo, a expressão "quebra de patente", que vai se transformando em uma verdade, por estar sendo repetida continuamente.

Na licença compulsória, o governo negocia com o titular da patente, o pagamento da taxa de royalties e do valor do produto. Valores bem menores sobre o preço que o medicamento será colocado no mercado. Não havendo êxito na negociação, o governo faz uma declaração legal, gerando um decreto de licença. Os casos mais famosos que ocorreram no Brasil, são relacionados aos medicamentos contra o vírus HIV e na criação dos genéricos do sistema público de saúde.

O Brasil começou a conceder patentes de produtos e processos farmacêuticos, a partir de 1996. E com a entrada da Lei de Patentes, e dos acordos internacionais, principalmente o Trips, o Ministério da Saúde, começou a estudar a possibilidade da licença dos compulsórios de patentes, para os casos de coquetel de HIV. Em 2003, através do decreto 4830, o governo autorizou a importação de medicamentos genéricos, sem o consentimento dos titulares das patentes.

Assim, em 2007, houve o licenciamento compulsório do Efavirenz, através do decreto 6108, uma vez que o governo do Brasil não conseguiu preço satisfatório para a compra do medicamento. Já se passaram 14 anos desde a primeira licença compulsória.

Para se efetuar a licença compulsória das vacinas existentes, teremos que ter condições bem claras. Como por exemplo, que seus preços sejam exorbitantes, para ser declarado o interesse público. Após isso, teremos que ter condições de fabricar no País os insumos com preços competitivos e também as vacinas.

Se a fábrica do Instituto Butantan estiver pronta em outubro, como prometido e a Fiocruz tiver condições de produção, ainda assim restam questões como o confronto com esses países que são parceiros comerciais importantes e a capacidade do Brasil de produção das vacinas e com valores competitivos.

Ao mesmo tempo é difícil para nós brasileiros ficarmos dependentes da boa vontade e da produção suficiente dos desenvolvedores das vacinas. Seria muito bom para todos que houvesse um Sabin dentre os inventores das vacinas contra o Covid-19 e que doasse seus direitos para que o mundo todo enfrentasse a pandemia com custos bem menores.

São investidas fortunas para uma criação que pode levar empresas a quebrarem, em função do fracasso de um produto importante como uma vacina. Nesse caso, os governos devem agir em função do interesse maior - salvar as populações dos países.

O Brasil precisa apoiar fortemente a pesquisa pública e privada em áreas fundamentais como a da saúde, para não ficar dependente de outros países em situações de crise como esta. Ciência, pesquisa e desenvolvimento em áreas importantes, não devem ser motivo de disputas políticas. Devem fazer parte do plano estratégico de uma nação!

Paulo Roberto Toledo Corrêa

Paulo Roberto Toledo Corrêa

Advogado especialista em Propriedade Intelectual e Industrial e diretor da Toledo Corrêa Marcas e Patentes.

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