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"Aberratio ictus" por acidente ou por erro na execução

Aberratio ictus, em Direito penal, significa erro na execução ou erro por acidente. Quero atingir uma pessoa ("A") e acabo matando outra ("B"). A leitura do art. 73 do Código Penal ("Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código.

terça-feira, 6 de março de 2007

Atualizado em 19 de janeiro de 2007 14:08


"A
berratio ictus" por acidente ou por erro na execução

Luiz Flávio Gomes*

Aberratio ictus, em Direito penal, significa erro na execução ou erro por acidente. Quero atingir uma pessoa ("A") e acabo matando outra ("B"). A leitura do art. 73 do Código Penal ("Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código") nos conduz à conclusão de que existem duas espécies de aberratio ictus: (1) em sentido estrito e (2) em sentido amplo.

Na primeira a pessoa pretendida não é atingida; só se atinge um terceiro (ou terceiras pessoas). Na segunda (em sentido amplo) a pessoa pretendida é atingida e também se ofende uma terceira (ou terceiras) pessoa (s).

Como se vê, na aberratio ictus (qualquer que seja a hipótese) há sempre uma relação pessoa-pessoa (leia-se: o agente pretendia atacar uma pessoa e por acidente ou por erro na execução atinge pessoa diversa; ou atinge a pessoa que queria assim como uma terceira). A relação se dá sempre entre seres humanos. Quando se trata da relação coisa-pessoa o instituto muda de nome: chama-se aberratio criminis (art. 74 do CP) (clique aqui).

1) Da aberratio ictus em sentido estrito: observa-se aqui a teoria da equivalência, ou seja, a pessoa efetivamente atingida equivale à pessoa pretendida. Há duas sub-espécies de aberratio ictus em sentido estrito: (a) por erro na execução e (b) por acidente.

a) Erro na execução: na aberratio ictus (em sentido estrito) por erro na execução a pessoa pretendida está presente no local dos fatos, mas não é atingida. O agente (que quer matar "A" e acaba matando "B") responde pelo crime normalmente, porque a pessoa atingida se equivale à pessoa pretendida (teoria da equivalência).

Crime único: considerando-se que só um terceiro foi atingido (a pessoa pretendida não foi alcançada), só se pode falar (aqui) em crime único, isto é, há um só crime: "A" disparou contra "B", errou e matou "C". Uma só pessoa foi atingida. Há um só crime (homicídio consumado). Para o CP, nesse caso, devemos desconsiderar a pessoa pretendida.

Ademais, para o efeito da pena, é como se tivesse atingido a pessoa que queria (CP, art. 20, § 3º). Exemplo: "A" queria matar seu próprio pai, errou e matou um vizinho: responde pela agravante prevista no art. 61, I, "e" (como se tivesse matado o pai).

E se o agente queria matar Antonio, errou e matou João. Disparou novamente contra Antonio e mais uma vez errou, matando Joaquim. Quid iuris? Há nessa situação dois homicídios dolosos autônomos, porém, em continuação (dois crimes continuados).

Diferença entre aberratio ictus por erro na execução e error in personae: no erro sobre pessoa (exemplo da favela em São Paulo em que um traficante queria matar um policial e acabou matando um padre, por equívoco) há um erro de representação (o agente representa mal, equivoca-se sobre a pessoa da vítima). Na aberratio ictus por erro de execução o que existe é inabilidade na execução. O sujeito representa bem a situação, veja com clareza a pessoa pretendida, não se equivoca sobre a pessoa que se deseja alcançar, mas erra nos meios de execução. Outra diferença importante: na aberratio ictus por erro na execução a vítima visada está presente e é em razão do erro do agente que outra pessoa é atingida. No erro sobre pessoa a vítima pretendida não está presente no local e momento dos fatos.

Concomitância dos dois erros: é perfeitamente possível. Pode haver erro de representação assim como erro na execução ao mesmo tempo.

b) Erro por acidente: na aberratio ictus (em sentido estrito) por acidente a pessoa pretendida também não é atingida, mas, diferentemente da aberratio ictus por erro na execução, a pessoa visada pode estar ou não presente no local dos fatos. A mulher pretendia matar o marido e colocou veneno na marmita, mas foram seus filhos que acabaram morrendo, por terem ingerido a refeição.

Aberratio ictus por acidente e error in personae: neste último, como vimos, há um erro de representação (o sujeito representa mal a realidade); no primeiro não existe erro de representação, sim, um acidente, ou seja, a vítima visada não é atingida por um acidente.

2) "Aberratio ictus" em sentido amplo: ocorre quando também é atingida a pessoa que o agente pretendia ofender. Ele atinge quem queria ("A") e, além disso, também um terceiro ("B") (ou terceiros). Esse terceiro (ou terceiros) é atingido (ou são atingidos) por erro na execução ou por acidente. O agente, com uma só conduta, atinge duas pessoas: uma ele queria alcançar ("A"); a outra ("B") foi atingida por acidente ou por erro na execução. Isso se chama aberratio ictus em sentido amplo ou com resultado duplo.

A responsabilidade penal nesse caso é dupla: o agente responde por crime doloso em relação a quem o agente queria atingir bem como por crime culposo quanto ao terceiro que também foi afetado.

Se o agente mata as duas pessoas temos: um crime doloso e outro culposo, em concurso formal (CP, art. 70). Queria matar Antonio e o matou (homicídio doloso). Não queria matar João, mas o matou (por acidente ou erro na execução). Um crime doloso e outro culposo, em concurso formal. Aliás, concurso perfeito (porque não havia desígnios autônomos em relação às duas mortes).

E se o agente tentou matar Antonio e matou João: tentativa de homicídio doloso + homicídio culposo. E se o agente matou Antonio e João não morreu: homicídio consumado doloso + lesão corporal culposa. Sempre há um concurso formal. E se tentou matar Antonio e João, embora também atingido, não morreu: tentativa de homicídio doloso + lesão corporal culposa.

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*Fundador e presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

 

 

 

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