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Panorama do ordenamento jurídico brasileiro em 2006

O ano de 2006, como se sabe, foi um ano de eleições no Brasil para Presidente da República, Governador de Estado e do Distrito Federal, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e Deputado Distrital. Foi também um ano de Copa do Mundo, maior paixão esportiva do povo brasileiro. Esses eventos, por certo, desaceleram ou adiam a ocorrência de acontecimentos de grande repercussão político-legislativa. Bem por isso, poucas alterações de relevo puderam ser observadas, salvo aquelas que decorreram da aplicação, em 2006, de textos legais editados em anos anteriores.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Atualizado às 10:40


Panorama do ordenamento jurídico brasileiro em 2006

Avanços ou retrocessos ?

Carlos Roberto Siqueira Castro*

O ano de 2006, como se sabe, foi um ano de eleições no Brasil para Presidente da República, Governador de Estado e do Distrito Federal, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e Deputado Distrital. Foi também um ano de Copa do Mundo, maior paixão esportiva do povo brasileiro. Esses eventos, por certo, desaceleram ou adiam a ocorrência de acontecimentos de grande repercussão político-legislativa. Bem por isso, poucas alterações de relevo puderam ser observadas, salvo aquelas que decorreram da aplicação, em 2006, de textos legais editados em anos anteriores.

De fato, foram promulgadas em 2006 aproximadamente cento e dez leis ordinárias, e editadas cerca de cinqüenta e cinco medidas provisórias. Destas, quarenta e sete tramitaram sob o regime de vigência prorrogada, na forma estabelecida pela Resolução nº. 1, de 2002, do Congresso Nacional (clique aqui); dezessete ainda se encontram em tramitação; trinta e três foram convertidas em leis ordinárias e três perderam sua eficácia. Desse conjunto de normas, aproximadamente 30% (trinta por cento) dispõem sobre a abertura de créditos extraordinários, destinados a atender despesas públicas, na forma definida no § 3º do art. 167 da Constituição Federal (clique aqui), e cerca de 20% tratam de remuneração, de subsídios de cargos de carreiras e de soldos de servidores públicos e, ainda, de criação de planos de carreiras e cargos públicos.

Para justa valoração do saldo desse conjunto de normas, merece destaque, no âmbito de interesses da função jurisdicional do Estado, a Lei nº.11.372, de 28.11.2006 (clique aqui), que dispôs sobre a forma de indicação dos membros do Conselho Nacional do Ministério Público, oriundos do Ministério Público; as Leis nº. 11.364 (clique aqui) e 11.365 (clique aqui), de 26.10.2006, que trataram, respectivamente, das atividades de apoio ao Conselho Nacional de Justiça e da remuneração dos membros desse Conselho. Além disso, foram promulgadas leis que alteraram substancialmente o Código de Processo Civil (Leis nº. 11.341 (clique aqui), 11.280 (clique aqui), 11.277 (clique aqui), e a Lei nº. 11.276 (clique aqui)), com o propósito de emprestar maior celeridade à execução de títulos judiciais, com isso evitando a procrastinação do rito executivo. Por fim, outras tantas normas relevantes cuidaram de temas pontuais referentes, por exemplo, ao tratamento do câmbio relacionado com as receitas de exportações, ao registro de capital estrangeiro, à saúde pública, à educação, ao programa de parcelamento de dívidas tributárias (Refis III), ao controle de tráfico de drogas, ao Código Nacional de Trânsito, a ações específicas do Poder Público em matéria de interesse nacional (promulgação de tratados e acordos de cooperação bilateral) e fixação de datas comemorativas (Ano da Juventude, Ano Nacional dos Museus).

Em sede constitucional, foram promulgadas quatro Emendas, de nº. 49 (clique aqui), 50 (clique aqui), 51 (clique aqui) e 52 (clique aqui), tendo por objeto, respectivamente, a exclusão do monopólio da União na produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida curta, para usos médicos, agrícolas e industriais; o funcionamento das reuniões anuais e extraordinárias do Congresso Nacional (art. 57 da Constituição); o sistema único de saúde; e a estrutura de atuação dos partidos políticos (inaplicável às eleições de 2006, conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3685-8 - clique aqui). Nenhuma dessas Emendas, todavia, teve repercussão comparável à polêmica gerada pela Emenda nº. 45, de 2004 (clique aqui), que introduziu a Reforma do Poder Judiciário, cujos efeitos se fizeram sentir por todo o ano de 2006. Assim é que, nesse período, se concentraram a maioria das sessões do Conselho Nacional de Justiça, desde a sessão inaugural ocorrida de 14.6.2005. Nesse campo de questões voltadas à melhor eficiência do Poder Judiciário brasileiro, releva assinalar as expectativas, já hoje menos críticas e mais favoráveis, à edição das Súmulas Vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal e restritas a matérias de natureza constitucional que tenham sido objeto de reiterada e pacífica consolidação jurisprudencial de nossa Suprema Corte. Nesse sentido, vale mencionar a recente aprovação pela Comissão Mista Especial do Congresso Nacional do Projeto de lei nº 6636/2006 (clique aqui), que regulamenta o art. 103-A da Constituição da República, para fins de disciplinar a edição, revisão e cancelamento de súmulas com efeito vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. Com o mesmo intuito de propiciar maior celeridade no julgamento de processos judiciais e, sobretudo, garantir a desejada segurança na interpretação e aplicação das regras de direito, foi editada a Lei 11.276/06 (clique aqui), de modo a possibilitar aos Tribunais de todo o país não admitirem recursos que contrariem Súmulas da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Ainda no âmbito do Poder Judiciário, e sob o influxo da Emenda Constitucional nº 45/2004, verificamos uma extraordinária ampliação da competência da Justiça do Trabalho, consoante contemplada no artigo 114 da Constituição, de maneira a ensejar significativa revisão do atual modelo brasileiro de relações de trabalho. Com isso, embora em escala limitada, viabilizou-se a criação de meios alternativos de acesso ao trabalho, favorecendo a redução da pobreza e da desigualdade social, o fomento do desenvolvimento humano e a conseqüente redução do passivo trabalhista, que tanto preocupa os empresários e investidores privados. Na mesma linha positiva para o avanço social e econômico é de registrar-se a aplicação, em 2006, da Lei nº. 11.101 (clique aqui), de 9.2.2005, que regulou a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, ofertando importantes soluções para o destino de empresas do porte da Varig e da Parmalat, e seus respectivos credores. Equiparável relevância econômica e social deve ser atribuída à Lei da Inovação (Lei nº 10.973/04 - clique aqui), que visa fomentar investimentos, de cunho científico e tecnológico, a empresas nacionais e instituições de ensino público, promovendo o mecanismo de patenteabilidade e prestigiando financeiramente o pesquisador. Como exemplos derradeiros, é oportuno citar o Projeto de Lei nº. 4497/04 (clique aqui) e o Projeto de Lei Complementar nº. 123/04, ambos em instância final de sanção presidencial, que preconizam, respectivamente, maior celeridade na recuperação de créditos resultantes de títulos extrajudiciais, e a facilitação do regime de tributação diferenciada das microempresas e empresas de pequeno porte.

Todavia, em paralelo a essas elogiáveis conquistas no campo legislativo, é de lamentar-se que setores econômicos cruciais ao desenvolvimento de nosso país (a exemplo do setor de infra-estrutura de telefonia, petróleo, gás, energia, transportes e saneamento) ainda permaneçam órfãos de uma mais abalizada e mais desenvolvimentista ordenação jurídica. Por isso, propugnam, com razão, pela melhoria e, sobretudo, por mais segurança do modelo regulatório brasileiro, que não pode mais prescindir de normas objetivas, claras e inteligíveis, capaz de serem perfeitamente compreendidas pelos investidores privados e aplicadas o mais uniformemente possível pelos agentes públicos dos três Poderes orgânicos da soberania. O mesmo se afirme quanto à reforma do sistema tributário nacional, a qual não se efetivou em 2006 e continua a ser um urgente desafio para a legislatura a iniciar-se em 2007, a fim de promover a inadiável redução da carga de impostos, além de permitir uma definição objetiva e confiável de competências e destinações tributárias. Tal se impõe pela necessidade imperiosa da eliminação de incertezas e dubiedades fiscais, inclusive para extirpar o insuportável risco da bitributação do ISS e do ICMS, no setor da internet, e a insegurança quanto à efetiva destinação, ao Fundo Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - FNIT, de arrecadação de contribuições de intervenção no domínio econômico - Cide.

Enfim, entre prós e contras, não nos parece adequado classificar o exercício de 2006 como um ano de retrocesso para o ordenamento jurídico brasileiro. Melhor situando a questão, e uma vez concluído o processo democrático eleitoral, creio razoável admitir que o ano que se finda revigora expectativas legítimas no sentimento dos principais agentes econômicos e sociais, no sentido de uma convergência mais responsável e mais harmônica das normas vigentes e das que se espera venham a ser promulgadas em 2007. Busca-se, com efeito, agregar maior sustentabilidade ao sistema jurídico pátrio, em prol da maior afirmação do Brasil no contexto internacional, do progresso econômico e da crescente superação de desigualdades sociais e regionais.

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* Sócio do escritório Siqueira Castro Advogados e Professor Titular de Direito Constitucional da UERJ









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