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A questão da diminuição da maioridade penal

Em virtude do recente episódio ocorrido no Rio de Janeiro, no qual um menino de 6 anos foi barbaramente arrastado por bandidos em um carro, reacendeu-se o debate em torno da redução da maioridade penal, dada a suspeita de envolvimento de um menor de idade nesse ato criminoso.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Atualizado em 6 de junho de 2007 09:03


A questão da diminuição da maioridade penal

Fernando Capez*

Redução da maioridade penal: uma necessidade indiscutível

Em virtude do recente episódio ocorrido no Rio de Janeiro, no qual um menino de 6 anos foi barbaramente arrastado por bandidos em um carro, reacendeu-se o debate em torno da redução da maioridade penal, dada a suspeita de envolvimento de um menor de idade nesse ato criminoso.

A redução da maioridade penal, contudo, é tema bastante polêmico, devido aos aspectos políticos, biológicos, sociais, filosóficos etc., que a matéria envolve. Daí a dificuldade prática, entre juristas e integrantes da sociedade como um todo, de se chegar a um consenso, a uma solução válida. Há, inclusive, diversas Propostas de Emendas Constitucionais tramitando no Senado, com o fito de alterar, nesse aspecto, o Código Penal (clique aqui) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - clique aqui).

Sabemos que a maioridade penal ocorre aos 18 anos, conforme determinação constitucional (CF, art. 228 - clique aqui). Abaixo desse limite de idade, presume-se a incapacidade de entendimento e vontade do indivíduo (CP, art. 27). Pode até ser que o menor entenda perfeitamente o caráter criminoso do homicídio, roubo, estupro, tráfico de drogas, mas a lei presume, ante a menoridade, que ele não sabe o que faz, adotando claramente o sistema biológico nessa hipótese.

Nesses casos, os menores de 18 anos, apesar de não sofrerem sanção penal pela prática de ilícito penal, em decorrência da ausência de culpabilidade, estão sujeitos ao procedimento e às medidas socioeducativas previstas no ECA (Lei n. 8.069/90), em virtude de a conduta descrita como crime ou contravenção penal ser considerada ato infracional (veja art. 103 do ECA). No caso de medida de internação, o adolescente é liberado compulsoriamente aos 21 anos de idade.

Na atualidade, porém, temos um histórico de atos bárbaros, repugnantes, praticados por indivíduos menores de 18 anos, os quais, de acordo com a atual legislação, não são considerados penalmente imputáveis, isto é, presume-se que não possuem capacidade plena de entendimento e vontade quanto aos atos criminosos praticados.

A grande questão é: como podemos, nos dias de hoje, afirmar que um indivíduo de 16 anos não possui plena capacidade de entendimento e volição?

Estamos "vendando" os olhos para uma realidade que se descortina: o Estado está concedendo uma carta branca para que indivíduos de 16, 17 anos, com plena capacidade de entendimento e volição, pratiquem atos atrozes, bárbaros.

Ora, no momento em que não se propicia a devida punição, garante-se o direito de matar, de estuprar, de traficar, de ser bárbaro, de ser atroz.

Mesmo considerando-se aspectos da realidade educacional e a omissão do Estado em prover a orientação adequada para os jovens, ainda assim, a redução da maioridade penal é medida justa. Até porque, se ponderarmos esses fatores, aquele que praticou um crime com 18, 20, 21 anos, o fez porque não teve oportunidade, também, de emprego, estudo etc. Por isso, tal argumento não pode ser levado em consideração para afastar a redução da maioridade penal.

Dessa forma, o que se pretende, na realidade, é o distanciamento desses discursos ideológicos, políticos etc., a fim de proporcionar a retribuição penal na justa dimensão do crime cometido, atendendo, inclusive, ao princípio da proporcionalidade insculpido na Constituição Federal, a qual exige maior rigor penal para os casos de maior gravidade (art. 5.º, XLII, XLIII e XLIV).

O intuito, portanto, da redução da maioridade é o de reparar tão graves injustiças, de propiciar a punição na proporção do crime praticado. Assim, um menor de idade que pratique um crime hediondo, como o que ocorreu no Rio de Janeiro, deverá responder pelo crime tal como um indivíduo maior de 18 anos.

É extremamente injusto que, após cometer tão bárbaro crime, seja liberado compulsoriamente aos 21 anos, nos termos do ECA, ao passo que um indivíduo de 18 anos que tenha co-participado do crime possa ficar segregado por até 30 anos em estabelecimento carcerário.

E o que é pior: aos 21 anos, quando for liberado, esse indivíduo estará novamente no seio da sociedade, voltando-se, outra vez, contra a população indefesa e aterrorizada.

Há, no entanto, mais uma alternativa para a solução desse problema, caso haja resistência na sociedade no tocante à redução da maioridade penal. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, no caso de medida de internação, o adolescente é liberado compulsoriamente aos 21 anos de idade. Pois bem. Seria viável uma modificação legislativa no sentido da alteração desse limite de idade, o qual passaria a ser de 30 anos. Com isso, seria possível evitar o problema da liberação rápida do infrator e a sensação de impunidade.

Dessa forma, não podemos mais insistir em discurso estéril, isto é, de que prisão ou Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) não regeneram, ou de que o Estado deveria proporcionar condições sociais e educacionais ao menor. É claro que essas medidas são a pedra fundamental e estrutural de qualquer mudança social, mas não justificam a resistência das autoridades em mudar a lei penal. Frise-se: os indivíduos maiores de 16 e menores de 18 anos possuem, na atualidade, plena capacidade de entendimento e de volição. Se não houver a redução da maioridade penal ou o aumento do tempo de internação em unidades da Febem, o Estado, mais uma vez, será o maior responsável por fomentar a "fábrica" de criminosos.

A redução da maioridade penal, portanto, é uma realidade, uma necessidade indiscutível. É assim nos países mais avançados da Europa, onde se fala entre 14 e 16 anos.

Embora haja projetos de lei para viabilizar a redução da maioridade penal, no entanto, cremos que há ainda muita resistência no seio da sociedade, dado, como dissemos, os diversos aspectos (políticos, ideológicos, biológicos, psicológicos etc.) que envolvem essa mudança.

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*Promotor de Justiça licenciado, Diretor Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Bandeirantes de São Paulo (UNIBAN), Professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus e na Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo e Deputado Estadual pelo PSDB, em São Paulo.





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