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Churrasqueira no condomínio

Antonio Aurélio do Amaral

Imagine que eu, até "chegado" numa picanha com arroz, estou empenhado, ressalvando minha limitação de tempo, numa "campanha anti-churrasqueira" no meu condomínio.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Atualizado em 15 de junho de 2007 09:56


Churrasqueira no condomínio

Antonio Aurélio do Amaral*

Imagine que eu, até "chegado" numa picanha com arroz, estou empenhado, ressalvando minha limitação de tempo, numa "campanha anti-churrasqueira" no meu condomínio.

Tudo começou com a idéia do síndico gordo e carioca (aspirante a gaúcho) que se mudou para cá há dois ou três anos e foi eleito em assembléia na qual eu não estava presente.

Primeiramente, nada tenho contra cariocas: alguns amigos meus até se mudaram para o Rio e se tornaram cariocas. Também nada tenho contra gordos flácidos, eu mesmo estou com algum sobrepeso e como fumante moderado respeito a compulsão de cada um, inclusive a dos glutões.

Mas, vamos à churrasqueira. Em outra assembléia que eu não estava presente (minha mulher representava a "unidade"), o gordo simpático advogou e convenceu a massa que uma boa forma de queimar o "dinheiro da antena" era fazer a churrasqueira. Na minha gestão alugamos o alto do prédio para a retransmissão de sinal de celulares, o que rende um bom dinheirinho todo o mês. Foi duro: tive de fazer uma palestra técnica sobre radiações, em linguagem assimilável por donas de casa e advogados, mas o resultado foi bom. Apenas um voto contrário e a antena foi instalada. A seguir o povo decidiu que esse dinheirinho extra seria exclusivo para benfeitorias. Concordei. Minha discordância memorável com o público, foi quanto ao aumento da taxa condominial. Estávamos com os papéis trocados: eu, síndico na ocasião, advogava a manutenção da taxa enquanto várias pessoas na assembléia queriam que aumentássemos. Queriam "colocar mais dinheiro na minha mão". Venceram. Quando saí da função as contas continuavam em dia e eu deixava um belo saldo, além da reforma do salão de festas, academia de ginástica, solução de um grave vazamento de água, troca dos cabos dos elevadores, etc. As mulheres que assumiram logo gastaram o saldo trocando os pisos internos das áreas comuns. Desprovidas de presunção, fizeram uma ótima gestão.

Duas gestões depois, chegou o "carioca gaúcho". Bonzinho e simpático, logo permitiu que os porteiros se distraíssem com televisão na guarita. Na piscina oferecia salgadinhos e batidas não apenas para seus genros e netos, mas também para os(as) moradores(as) que achavam algum espaço para tomar sol.

A princípio, mesmo não freqüentando a piscina, registrei meu apoio à "figura", considerando as dificuldades e chatices da função. Porém, eleito à revelia "terceiro suplente do conselho", acabei sendo convocado depois da saída de três conselheiros: um mudou-se do prédio, outro morreu do coração e o terceiro substituiu o subsíndico que morreu em acidente de automóvel. Pronto, toda primeira segunda-feira do mês sou obrigado a jantar rapidamente e perder o jornal nacional. Paciência.

Eis que, numa dessas segundas-feiras, a pauta da reunião do conselho foi a churrasqueira do síndico e o aumento da taxa condominial advogada pelo subsíndico (a ser ratificado no cargo em assembléia futura). Discordei das duas coisas desnecessárias.

Finalmente chegou a assembléia. Compareci e ofereci-me para presidir a sessão. Aceito. Propus a inversão da pauta como questão de ordem, mas não foi aprovada. Aceitei.

Aprovação das contas. Se me entregaram três pastas mensais dois dias antes da assembléia, como eu podia analisá-las ? Outro conselheiro para quem eu as repassei imediatamente, também não teve tempo. Acalorada discussão e a aprovação das contas não ocorreu, foi adiada. Resultado: apenas quatro votos a favor da aprovação imediata. Obviamente do síndico, subsíndico e DUAS simpatizantes. Um "mar de mãos" foi pelo adiamento.

Aumento da taxa condominial. Observei que na planilha preparada pela administradora a atual taxa já é maior que a maior despesa mensal, a ocorrer em dezembro (depois de todos os aumentos previstos). Três votos a favor do aumento: do síndico, subsíndico e UMA simpatizante.

O clima foi tenso, evidentemente. Além da minha boca seca, clamando por um gole d'água que ninguém trazia, as duas esposas fizeram suas declamações enquanto os dois maridos ameaçavam renunciar. Uma delas aproximou-se exaltada da mesa a ponto de me fazer temer uns possíveis tapas. Comportamente não condizente com os carros de muita classe que possuem. Houve quem achasse que eu aparentava tranqüilidade o tempo todo.

Pintura do prédio. Nesse item estamos todos de joelhos pedindo que o prédio seja pintado custe o que custar. Está precisando, afinal a última pintura fui eu que fiz dez anos atrás. O síndico apresentou as propostas "A", "B" e "C", propondo a "B" pois de acordo com seu critério a mais barata nunca é confiável. Mas isso é outra estória.

Finalmente a churrasqueira. Democraticamente assegurei ao "senhor síndico" o pleno direito do uso da palavra por quanto tempo quisesse. Nesse momento, a filha maior de um conselheiro ausente me perguntou se já podia distribuir a listinha de "dez prioridades" que eu preparei, na qual a churrasqueira aparecia em último. Com o coração livre de qualquer maldade (eu nem conseguia pensar direito), concordei. Aí fiquei com pena do síndico: enquanto falava, todos liam a minha listinha. Mas ele continuou falando quando todos terminaram de ler. Falava, falava e apontava para a "caixa de sapatos" cuja imagem chamada de "projeto" havia colado nas paredes laterais. Sem dúvida bem desenhada e bem colorida. Defeito: a churrasqueira "comeria" 4 metros da pequena quadra de esporte que "ainda" ficaria com 10 m de comprimento, de acordo com o síndico, ou 9,5 m de acordo com a minha trena. Fiquei decepcionado com o encolhimento do milagre do síndico, pois na reunião do conselho a quadra ainda ficaria com 12 metros depois de ceder 4 para a "caixa de sapatos" (o espaço com churrasqueira e forno de pizza).

O projeto apresentado pelo síndico levantava um muro entre a quadra e a churrasqueira. Considerando o muro existente no fundo da quadra e em uma das laterais, a "arquibancada" no outro extremo e a cobertura, o síndico nos presentearia com uma obra "3 em 1": churrasqueira, forno de pizza e sauna mista. Bem que eu falei na reunião do conselho, mas ele argumentou que daria para ver um pedaço do céu.

Democraticamente, antes de votar devemos assegurar o "princípio do contraditório" (ou mais ou menos isso, de acordo com o que aprendi na escola em 1968). Dei a palavra novamente aos que queriam salvar a quadra dos garotos. Ainda assegurei o direito ao síndico e ao subsíndico de se pronunciarem novamente. Houve quem propusesse votar a "churrasqueira genericamente". Mas o síndico insistia em seu projeto. Resultado: oito votos a favor dele. Assustei: apenas 22 votos contra a churrasqueira do síndico. A fantasia do churrasco realmente faz esquecer o trabalho de transportar copos, pão, maionese, etc. Depois de usar uma vez as churrasqueiras ficam às moscas, quando não já durante o uso, ao pé da letra.

O simpático síndico me disse na última reunião do conselho que não confia mais em mim. Fiquei exultante, mas disfarcei. Peguei leve desta vez. Apenas aconselhei-o a fazer como é de praxe com relação à "conta antena". Dois assinando cheques em vez de só ele.

Hoje sou uma pessoa muito grata ao síndico. Afinal a vida estava um tédio com essas notícias repetitivas de explosões no Iraque, balas perdidas no Rio de Janeiro, corrupção de juízes e deputados no Brasil, etc. A cerveja do churrasco pode ser morna, mas o clima no condomínio esquentou. Muito estimulante. Agradeço ao síndico.

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*Migalheiro





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