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Onde está o ouro da lei de incentivo ao esporte?

Em tempos de "ressaca" após o fim dos Jogos Pan Americanos do Rio de Janeiro, e de contabilizarmos os muitos "ouros", vitórias e emoções proporcionadas pelos atletas que competiram pelas cores do Brasil, é assunto recorrente nas entrevistas dos atletas e comentários dos dirigentes a necessidade urgente de se obter mais recursos e apoio para alguns esportes, principalmente aqueles que hoje sofrem com a falta de apoio.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Atualizado em 10 de agosto de 2007 10:22


Onde está o ouro da lei de incentivo ao esporte ?

Dirceu Pereira de Santa Rosa*

Em tempos de "ressaca" após o fim dos Jogos Pan Americanos do Rio de Janeiro, e de contabilizarmos os muitos "ouros", vitórias e emoções proporcionadas pelos atletas que competiram pelas cores do Brasil, é assunto recorrente nas entrevistas dos atletas e comentários dos dirigentes a necessidade urgente de se obter mais recursos e apoio para alguns esportes, principalmente aqueles que hoje sofrem com a falta de apoio. Quem acompanha ou pratica algum esporte de menor apelo popular conhece e sente isto na pele.

Numa tentativa de sanar este problema, e aproveitando o momento político bastante propício para incentivar o esporte brasileiro, o Governo Federal sancionou recentemente a Lei Federal de Incentivo ao Esporte (Lei nº. 11.438/06 - clique aqui).

Elaborada em molde semelhante ao da Lei Rouanet (Lei nº. 8.313/91 - clique aqui), que cumpre seu papel em facilitar o fomento da iniciativa privada a projetos culturais, a Lei nº. 11.438/06 prevê a renúncia fiscal de parte do imposto de renda devido pelos contribuintes, para que esta parte seja revertida para uso como investimento em projetos esportivos ou paraesportivos. Pela referida lei, pessoas físicas poderão doar ou usar como patrocínio até 6% do imposto devido, e as pessoas jurídicas até 1% a cada trimestre (podendo totalizar 4%, caso haja, no período de três meses, lucro real sobre o qual incidir Imposto de Renda na Fonte). Ambas podendo lançar tal dedução juntamente com aquelas autorizadas pelo Governo Federal nas suas respectivas declarações de IR.

Porém, mesmo com o recentíssimo Decreto nº. 6.180 (clique aqui), de 3 de agosto de 2007, que regulamentou os benefícios da Lei nº. 11.438/06, ainda falta um longo caminho até que este novo modelo de incentivo ao esporte alcance a "medalha de ouro" em eficiência. Esta regulamentação demorou um pouco mais que o esperado e, quando chegou, trouxe alguns vícios e problemas que precisam ser enfrentados desde já para que a Lei cumpra seu objetivo precípuo: Fomentar as modalidades esportivas que não dispõem de recursos abundantes, e motivar o trabalho de base, visando atingir atletas, clubes, associações, federações e confederações, bem como o esporte escolar e o universitário.

Em primeiro lugar, a Lei nº.11.438/06, na forma atual, parece incentivar principalmente a participação das pessoas físicas nos investimentos diretos no esporte. No valor investido em projetos esportivos que virão a ser autorizados pelo Ministério do Esporte, o cidadão poderá deduzir até 6% do imposto de renda devido. Algo que, para alguns, pode ser uma opção interessante, mas para o contribuinte brasileiro médio, investimento direto em esporte pode ser uma realidade distante (a não ser se os investimentos forem associados aos clubes de coração de cada apoiador).

Ademais, o Decreto n°. 6.180/07 prevê, em seu Art.3º, que os proponentes sejam, necessariamente, pessoas jurídicas. Isto fará com que os atletas de esportes individuais - pessoas físicas - tenham que abrir empresas ou recorrer a toda sorte de intermediários para conseguir acesso a patrocínio por incentivos. E será também necessário ter muito cuidado para que os projetos propostos sempre envolvam desporto de natureza não-profissional, o que poderá inviabilizar o uso do incentivo por muitos atletas considerados profissionais.

Outro importante aspecto regulamentado pelo Decreto n°. 6.180/07 é o modo de avaliação e fiscalização dos projetos a serem incentivados. Na vitoriosa Lei Rouanet, que o Governo Federal aqui utilizou como paradigma, o Ministério da Cultura bravamente realiza tais funções através da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, mas lhe falta a estrutura operacional para examinar com cuidado os inúmeros projetos aprovados. O Decreto n°. 6.180/07 criou uma Comissão Técnica com o mesmo objetivo de avaliar e aprovar o enquadramento dos projetos apresentados. Ao adotar sistema muito semelhante ao da Lei Rouanet, a regulamentação deixará a Comissão Técnica exposta ao risco de também não ter a estrutura necessária para avaliar os diversos projetos que, com certeza, chegarão com a velocidade dos atletas olímpicos. E alguns critérios de avaliação presentes nos Arts. 21 e 22 do referido Decreto limitam de sobremodo a abrangência dos projetos que podem receber incentivo, o que certamente gerará muitas discussões sobre o processo de avliação.

E se avaliar já é difícil, a fiscalização posterior dos recursos utilizados é tarefa ainda mais complexa. Na Lei nº. 8.313/91, a prestação de contas é uma das fases mais críticas de um projeto cultural. O Decreto 6.180/07 parece ter adotado um modelo semelhante ao da Lei Rouanet para estas tarefas, transmitindo a competência de fiscalizar e checar as contas de cada projeto ao Ministério do Esporte e a Receita Federal. Porém, o desporto tem seu próprio modelo organizacional, muito diferente da indústria cultural, o que nos indica que esta fiscalização mereceria uma "customização". No incentivo desportivo, talvez estas tarefas possam ser realizadas com a ajuda das Confederações, Federações e outras entidades desportivas, e até mesmo com o auxílio do nosso Comitê Olímpico Brasileiro. Pela experiência com patrocínio e gestão de recursos, estas entidades têm mais condições de atestar, perante a vindoura Comissão Técnica, não apenas a seriedade de um projeto de menor porte, mas também se os recursos captados estão sendo utilizados apenas no esporte. A participação do COB também se justificaria pelo seu notório expertise em administrar os recursos que usufrui através dos benefícios da Lei 10.264/01 (clique aqui), conhecida como Lei Agnelo/Piva, e melhor direcionar investimentos para os esportes olímpicos.

Por este motivo, merece atenção redobrada a criação de mecanismos que imputem responsabilidade sobre o uso irregular dos recursos obtidos. Estas punições deveriam ser mais contundentes que as multas dispostas no Decreto n°. 6.180/07, prevendo até que os proponentes que agem de má-fé sejam impedidos de apresentar novos projetos. Ademais, ditas penalidades devem valer não apenas para os proponentes, mas também para atletas, projetos sociais e entes esportivos que desviam estes valores para outros fins, bem como pessoas físicas e empresas que pretendem usufruir deste incentivo de forma errônea.

Porém, mesmo com os problemas que ainda a cercam, a regulamentação da Lei n°. 11.438/06 seguramente abre de vez as portas para uma possível nova era de prosperidade no apoio ao esporte nacional.

Em um futuro próximo, atletas, clubes e federações precisarão cada vez mais de especialistas em marketing esportivo, com o mesmo perfil captador dos profissionais que hoje atuam no marketing cultural. Para conseguir recursos pela Lei n°. 11.438/06, os atletas precisarão também "vender seu peixe", ou seja, criar empresas, fazer projetos convincentes, saber gerir os recursos recebidos e aplicá-los com inteligência e zelo. O mesmo se aplica, é claro, às Confederações, Federações e clubes, que deverão disputar entre si a atenção de possíveis patrocinadores e estes novos investimentos. Algo que, ao nosso ver, trará uma natural melhoria de gestão nestas entidades (considerando que as empresas querem estar associadas a nomes de sucesso e entidades sérias).

E finalmente, este novo mercado de incentivo esportivo precisará também de bons advogados, tanto para auxiliar entidades de prática desportiva e investidores sobre os benefícios fiscais prometidos como para garantir que os mesmos serão utilizados em projetos sérios. Afinal, existem diversas leis estaduais e municipais que também dão incentivos ao esporte que podem, em conjunto com a Lei n°. 11.438/06, criar novos "paraísos fiscais do esporte", no melhor sentido do trocadilho, am algumas cidades brasileiras.

Resta claro, portanto, que um bom arcabouço jurídico de incentivo ao esporte, baseado nos princípios da renúncia fiscal, trará todas as ferramentas que possibilitam o desenvolvimento do esporte, da base ao alto rendimento. Porém, sem uma regulamentação séria e focada nas particularidades do mercado esportivo, os investidores preferirão o já tradicional mercado da cultura, deixando de lado o investimento no desporto de base e nas modalidades com menos exposição na mídia, mas com potencial olímpico. E assim faltarão os ourives necessários para lapidar o esforço de nossos atletas e transformá-lo nas nossas futuras medalhas de ouro.

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*Advogado do escritório Veirano Advogados









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