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A nova feição de Corte Constitucional do Supremo Tribunal Federal

Nelson Rodrigues Netto

O recurso extraordinário, assim como o recurso especial, é um recurso de estrito direito, pois o que se colima por seu intermédio, essencialmente, é a prevalência da ordem constitucional. Ele não visa, senão de forma reflexa, resguardar os interesses das partes, mas tem como objetivo primordial a proteção da integridade do direito objetivo. Verifica-se que esta espécie recursal não se presta à correção de injustiças, diferentemente do que sucede com a apelação, por exemplo.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Atualizado em 27 de agosto de 2007 16:24


A nova feição de Corte Constitucional do Supremo Tribunal Federal

Nelson Rodrigues Netto*

O recurso extraordinário, assim como o recurso especial, é um recurso de estrito direito, pois o que se colima por seu intermédio, essencialmente, é a prevalência da ordem constitucional. Ele não visa, senão de forma reflexa, resguardar os interesses das partes, mas tem como objetivo primordial a proteção da integridade do direito objetivo. Verifica-se que esta espécie recursal não se presta à correção de injustiças, diferentemente do que sucede com a apelação, por exemplo.

A Emenda Constitucional nº. 45, de 8.12.2004 (clique aqui), criou um novo requisito de admissibilidade para o recurso extraordinário, com o §3º, do art. n°. 102, da Constituição Federal (clique aqui). Ele ficou conhecido como a repercussão geral da questão constitucional do recurso extraordinário. Para seu pleno funcionamento, a norma constitucional foi integrada pela Lei nº. 11.418, de 19.12.2006 (clique aqui), que acrescentou os arts. n°. 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil (clique aqui), em vigor desde 19 de fevereiro último, e pela Emenda Regimental nº. 21 (clique aqui) ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, publicada em 3.5.2007,

Com o surgimento da repercussão geral reforçou-se a característica de recurso de estrito direito do recurso extraordinário e o perfil do Supremo Tribunal Federal, valorizando-se sua alta função de Corte Constitucional, destinada a estabelecer decisões paradigmáticas sobre a interpretação e aplicação da Constituição Federal.

Atualmente, não basta o cabimento do recurso extraordinário, por qualquer das alíneas do art. n°. 102, III, da CF; a questão constitucional debatida deverá possuir relevo sobre segmento ponderável da sociedade, sob um, ou mais de um, dos pontos de vista (econômico, político, social ou jurídico) apontados como elementos de aferição do conceito vago do art. n°. 543-A, §1º, não se limitando à proteção dos interesses das partes envolvidas.

A repercussão geral da questão constitucional é uma hipótese qualificada de cabimento do recurso extraordinário, sob três fundamentos: 1ª) trata-se de hipótese complementar em relação às demais capituladas no art. n°. 102, III, da Constituição Federal; 2ª) foi empregada técnica legislativa diferenciada para sua descrição, mediante o uso de conceito vago ou indeterminado; 3ª) a competência para declarar a ausência da repercussão geral é exclusiva do STF, mediante quorum qualificado de dois terços de seus membros.

O legislador quando utiliza conceitos determinados ou descritivos, formula minuciosamente sua compreensão, de modo que, em razão inversa, limita sua extensão. Assim, o processo de interpretação e aplicação da lei torna-se mais simples ou imediato. Por exemplo, para a admissão de um recurso extraordinário, com base na hipótese do art. n°. 102, III, 'b', da CF, basta ao julgador verificar se há na decisão recorrida, segundo alega o recorrente, uma lei federal que foi considerada inconstitucional pelo juízo a quo.

Em outras situações, nas quais a subsunção ou o encaixe do fato à norma não deve ser realizado de maneira automática, exatamente por causa da complexidade e riqueza dos fatos que se pretende regular, o legislador emprega conceitos vagos ou indeterminados, onde sua compreensão é menos nítida e, por conseqüência, tanto mais ampla sua extensão. O legislador transfere ao aplicador a atividade de preenchimento do valor que está à base da norma e que deve disciplinar as condutas. É em cada caso concreto que a compreensão do conceito deve ser explicitada para conformar o fato, como ocorre com a repercussão geral.

Em que pese a necessidade do STF exercer um juízo de valor para fixar o conceito de repercussão geral, esclarecemos que esta decisão não tem o condão de influenciar o mérito do recurso extraordinário. A decisão da repercussão geral é uma questão preliminar em relação à questão principal, que é o mérito recursal. Não é porque que a repercussão geral é acolhida e o recurso extraordinário admitido, que deva o recurso ser provido para, por exemplo, "reformar" a decisão recorrida que declarou inconstitucional lei federal, com base no art. n°. 102, III, 'b', da CF. É possível que a decisão recorrida esteja correta e, portanto, deva ser "confirmada" mediante o desprovimento do extraordinário.

O preenchimento valorativo do conceito da repercussão geral, ou seja, afirmar que uma dada questão é relevante sob o ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, ou até mesmo vários desses elementos em conjunto, encerra a síntese das diversas ideologias de cada Ministro do STF. É nesse sentido que se afirmava que a decisão da antiga argüição de relevância da questão federal era realizada mediante um juízo político.

A segurança jurídica, entendida como a previsibilidade das decisões jurídicas, somente se fixará a partir da identificação pela comunidade jurídica da ideologia resultante dos julgadores. Isto permitirá saber, de modo mais ou menos estável, o que se reputa como questão constitucional relevante e autorizadora do conhecimento do recurso extraordinário. Por seu turno, a ideologia dominante que controlará os valores a serem depositados no conceito vago, deverá seguir a concepção ética da sociedade, e não exclusivamente a dos julgadores. O juiz, no momento em que profere uma decisão judicial, é o fio condutor dos valores imanentes da sociedade, naquela quadra histórica.

Certamente dentro do critério do notável saber jurídico e, principalmente, da reputação ilibada, requisitos para a nomeação dos ministros do STF (art. n°. 101, da CF), encontra-se a sensibilidade desses magistrados para apreender e canalizar a ideologia dominante da sociedade para decidir qual questão, segundo a baliza da lei, tem relevância e repercussão ultra partes.

Em conclusão, devemos ter em mente que a disciplina estabelecida na Lei nº. 11.418/06 vai exigir um certo amadurecimento em sua interpretação pelo STF, bem como sua adaptação ao regimento interno da Corte.

Não é razoável acreditar que onze indivíduos, por melhor preparo e maior dedicação, recebendo anualmente milhares de processos para julgar, possam exercer adequadamente a relevante função de guardião da Constituição Federal cometida ao Supremo Tribunal Federal. As diferentes tentativas no afã de racionalizar o serviço jurisdicional do STF não lograram obter o resultado desejado.

A utilização de mecanismo de seleção das questões que contém controvérsia relevante, a exigir o julgamento de uma Suprema Corte ou uma Corte Constitucional, é pratica adotada em vários países, como a Argentina, a Alemanha, os Estados Unidos, e o Japão.

De tal sorte, fazemos votos que a repercussão geral alcance o objetivo desejado de qualificar as questões a serem julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, sem que com isso se acutile, sobremaneira, o direito das partes de ter aplicado, na solução de seus conflitos de interesses, a interpretação correta da Constituição Federal.

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*Pós-Doutor pela Harvard Law School. Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e do Harvard Law School Club do Brasil. Advogado e Professor Universitário.





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