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O Concubinato sob uma perspectiva histórica (Antigüidade)

Muito embora a Constituição Federal (CF) de 1988 tenha prestigiado várias formas constitutivas de família, entre as quais o casamento (art. n°. 226, §§ 1.º e 2.º, da CF), a união estável (art. n°. 226, § 3.º, da CF) e a família monoparental (art. n°. 226, § 4.º, da CF), não prestigiou a união concubinária, até porque esta última figura afronta às demais formas de constituição da família.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Atualizado em 24 de setembro de 2007 16:18


O Concubinato sob uma perspectiva histórica (Antigüidade)

Vitor Frederico Kümpel*

Muito embora a Constituição Federal (CF) de 1988 (clique aqui) tenha prestigiado várias formas constitutivas de família, entre as quais o casamento (art. n°. 226, §§ 1.º e 2.º, da CF), a união estável (art. n°. 226, § 3.º, da CF) e a família monoparental (art. n°. 226, § 4.º, da CF), não prestigiou a união concubinária, até porque esta última figura afronta às demais formas de constituição da família.

O concubinato, também chamado de concubinato impuro, é o vínculo jurídico entre um homem e uma mulher impedidos de casar e de constituir união estável, exatamente porque pelo menos um deles já é efetivamente casado, está em união estável ou apresenta qualquer dos impedimentos para o casamento à luz do art. n°. 1.521 do Código Civil (clique aqui).

O Código Civil de 2002, com bastante argúcia, enunciou um só dispositivo sobre a matéria, o art. n°. 1.727, para determinar que as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. Dessa maneira, apresentou o Código um divisor de águas prestigiando a união estável ou o concubinato puro nos arts. n°. 1.723 a n°. 1.726 e rechaçando o concubinato impuro, exatamente porque este último tem um caráter destrutivo, tanto para o casamento, quanto para a união estável, na medida em que as formas familiares aceitas são sempre monogâmicas.

Não há equívoco em afirmar que a maioria das sociedades antigas refugou o concubinato impuro1.

Desde o momento em que a união do homem e da mulher tem, também, a finalidade de regular uma situação econômica, referente à transmissão patrimonial, qualquer estigma de infidelidade é rechaçado, principalmente no que diz respeito à transmissão sucessória e sua segurança.

Por esse motivo, alguns povos antigos adotavam a poliandria (casamento de uma mulher com vários homens) como sistema de união que, hoje em dia, é encontrado apenas na região do Himalaia, em tribos do Tibete. Outros adotam a poligamia (casamento de várias mulheres com um homem), união ainda praticada em algumas regiões, obedecendo a determinadas restrições. Na atualidade, como regra geral, é adotada a monogamia como princípio básico do casamento.

Os povos da Antigüidade, em sua grande maioria, só aceitavam a poligamia masculina porque não gerava incerteza na transmissão de bens. Ademais, para eles, a poligamia trazia como benefícios a sobrevivência dos povos e a redução de adultérios. Os povos antigos puniam a falta de fidelidade feminina, sendo que a poligamia era socialmente aceita e as mulheres conviviam entre si, não havendo qualquer ausência de fidelidade, pois todas elas se reportavam aos seus homens.2

À medida que a idéia de propriedade se aperfeiçoa, os homens principiam a diferenciar as mulheres em esposas e concubinas para privilegiar alguns filhos em detrimento de outros. Nesse contexto, a esposa era a mulher principal, garantida em direitos, e sua prole era prestigiada, herdando o patrimônio transmitido, enquanto as outras mulheres, concubinas, eram secundárias, vivendo à margem de direitos. Essa diferenciação acabou se acentuando, pois, em um primeiro momento, as esposas conviviam sob o mesmo teto com as concubinas. Com o passar do tempo, porém, houve uma mudança e as concubinas não mais habitavam junto com as esposas. Não é demais recordarmos a história bíblica na qual a concubina Hagar foi expulsa, por Sara, do lar de Abraão.3

Na Antigüidade quase não há registros de concubinato, isto é, de vínculo mantido por homens com mulheres casadas, porque nessas hipóteses a pena aplicada era a morte.

A Babilônia, conforme se verifica por meio do Código de Hamurabi, adotou a monogamia, com rígida fidelidade conjugal. O adultério era punido com a morte por afogamento, sendo que a mulher poderia ser repudiada pelo marido, que a lançava totalmente despida na rua. Se o adultério fosse masculino, a pena de morte só era aplicada à mulher casada que com ele adulterava. Caso a mulher não fosse casada e tivesse sido forçada à relação sexual, poderia o homem sofrer a pena de morte, mas apenas se a mulher tivesse sido forçada à relação sexual. Pelo exposto, observa-se que não havia igualdade de tratamento. Conclui-se, portanto, que não havia concubinato adulterino que permitisse qualquer efeito jurídico.4

O adultério da mulher só era permitido quando o homem saía em guerra e a deixava desamparada, podendo ela coabitar com outro homem objetivando sua manutenção e a de sua prole. Caso o homem voltasse da guerra, podia reivindicar sua mulher, como fazia com qualquer de seus bens.

Para os medos e persas, tanto a poligamia quanto a união estável eram permitidas, conforme dispõe o livro Avesta, livro sagrado escrito por Zoroastro.

O casamento, para o persa, é sagrado, não havendo divórcio.5

Não se tolera o concubinato adulterino, não sendo considerado tal na hipótese de o homem ter várias mulheres. Aqui também se aplicava a pena de morte caso o homem se deitasse com uma mulher já casada ou se deitasse com outro homem.

O povo hebreu admitiu a poligamia masculina. No Livro de Levíticos, Lei Hebraica, observa-se grande preocupação com a família nos capítulos 18 e 20. Ali está estatuída uma série de impedimentos para o casamento e outras proibições. Diz Levítico, Cap. 20:10: "Se um homem cometer adultério com a mulher de seu próximo, ambos, o adúltero e a adúltera, certamente serão mortos".

O homem, portanto, podia ter concubina juntamente com a esposa, só não podia se relacionar com a mulher do próximo, sob pena de morte.

Essa abordagem histórica nos faz ver que o sistema jurídico, até hoje, mantém como pilar fundamental a proteção da família monogâmica, muito embora com facetas que foram modificadas ao longo da história.

No próximo artigo, discorreremos a respeito do concubinato em Roma.

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1 Cf. Levítico 20:10: "Se um homem adulterar com a mulher do seu próximo, será morto o adúltero e a adúltera" (A Bíblia Anotada. Versão de Almeida, revista e atualizada, Editora Mundo Cristão, agosto de 1991).

2 Cf. WESTERMARCK, E. History of Human Marriage. v. II, p. 20.

3 Cf. Gênesis, cap. XXI, vers. 12-19.

4 DURANT, Will. Nossa herança oriental. Tradução de Mamede de Souza Freitas. 2. ed. Rio de Janeiro: Record. v. I, p. 167.

5 LEGGE, Jas. The Chinese Classics Translated into English. London, 1895. v. I, p. 67.

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*Doutor em Direito, Juiz de Direito e Professor no CJDJ - Complexo Jurídico Damásio de Jesus e na Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus.








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