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Dano contra a identidade da pessoa

Será possível, ao lidador do direito, ao rábula, ao catecúmeno, ao apedeuta jurídico, ao advogado de um só livro e uma só causa, aproveitando um descuido do resto da humanidade, ter um dia feliz?

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Atualizado em 16 de outubro de 2023 14:25


Dano contra a identidade da pessoa

Cleanto Farina Weidlich*

Será possível, ao lidador do direito, ao rábula, ao catecúmeno, ao apedeuta jurídico, ao advogado de um só livro e uma só causa, aproveitando um descuido do resto da humanidade, ter um dia feliz?

Respondo que sim!

E essa minha resposta, só pode ser afirmativa, em razão das novas alvoradas científicas, que se descortinam a partir da publicação da nova lei civil.

Há um mundo bem melhor, todo feito pra você... Não é só a letra da canção famosa, há sim um mundo bem melhor pra nós, para o novo Estado Democrático de Direito, que se reestrutura diante dessa grave crise política e institucional, ao ponto, de nos passar quase despercebida a maravilha da Nova Lei Civil, que está aí.

Agora sim, podemos dizer que é tudo pelo social.

Em destaque, reporto-me a inserção do capítulo referente aos Direitos da Personalidade (arts. n°. 11 e seguintes).

Em vinte anos de estrada, na profissão de solicitador jurídico, pela primeira vez, sinto que realmente, apesar das tantas críticas já alardeadas, sobre a novel legislação civil, as comunidades jurídicas, as academias, os palácios de justiça e a sociedade em geral, ainda terão muito a festejar esse novo código.

A partir da assimilação da nova lei civil, podemos, por exemplo, movimentar pleitos judiciais do tipo Ações de Indenização contra a identidade da pessoa, vindo dessas articulações, dessa nova concepção jurídica de direito material, o motivo, o fator desencadeante da minha felicidade.

Seguidor do pensamento de Fernando Sabino, quando expressou: No final tudo sempre dá certo, se não deu, ainda não é o fim. Sempre relutei em admitir para as ações de "determinação da origem biológica de pessoas", que ainda são tratadas pelos operadores como de investigação de paternidade ou maternidade, que pudesse prevalecer à máxima chivendiana, de que a coisa julgada, faz do branco o preto e do preto o branco. Passei, na verdade, a minha vida profissional inteira, pesquisando e me indignando com a minha limitação científica para encontrar uma saída para o problema dos nefastos efeitos da "coisa julgada material", que não pode jamais ser confundida com "coisa lograda", nessas ações.

Pois, com o advento da nova lei civil brasileira, apoiado em retórica doutrinária de respeitáveis autores, inclusive o Professor Miguel Reale, com sua contribuição sobre o Mínimo Ético, consorciados a doutrina de Rui Stoco, sobre o Abuso de Direito, Rolf Madaleno, com a idéia da Indenizabilidade do Dano contra Identidade, e ainda, em doutrina e jurisprudência alienígena com os irmãos Mazeaud da França e Molina e Quiroga da Argentina, entre tantos outros de igual grandeza, venho de ajuizar em nossa querida Comarca de Carazinho ­RS, um pleito judicial, que guardadas as devidas proporções, tem a pretensão de inaugurar um bom e respeitável debate jurídico/científico, sobre a coisa julgada e seus efeitos, frente às ações de determinação da origem biológica de pessoas, que tenham sido julgadas improcedente por falta de provas, ou ainda, que tenham se encerrado, sem a produção da prova genética de DNA, entre os legítimos contendores.

Assim, na mesma linha de raciocínio dos artigos anteriores, que ora dou seguimento, convido os colegas, as comunidades jurídicas de nosso país, ao envio de contribuições ao site, para que, possamos interagir de forma solidária em busca da soma de esforços científicos, no rumo de uma solução, que corresponda aos anseios de eqüidade e justiça, nesses e em outros tantos casos, onde esteja em debate o valor máximo do nosso ordenamento jurídico, ou seja, o princípio da dignidade da pessoa (art. 1º, inc. III, da CF - clique aqui -).

Envio uma "palhinha" das minhas idéias/pesquisas, com o intuito de despertar o desafio científico em proposta:

"Em face às novas descobertas científicas, na área da pesquisa genética, atualmente, não é mais concebível que uma demanda de paternidade seja julgada improcedente por "falta de provas", o mundo moderno na era do clone, a sociedade, os jurisdicionados não se conformam com soluções jurídicas amparadas na técnica processual, do tipo da preclusão formal, sem o esgotamento de todas as provas hoje disponibilizadas pelo avanço das pesquisas científicas, reveladoras que são da tão almejada verdade real."

Não podendo mais o autor, demandar contra o seu indigitado pai, para investigar a sua relação biológica de paternidade, passará doravante a exigir deste, uma reparação indenizatória pelas perdas e danos, oriundos da resistência injustificada, ilegítima, em manifesto abuso de direito, de ao longo de quase duas décadas, não ter o indigitado pai, embora por diversas vezes instado pela Justiça a consentir com a realização do exame de DNA, permitido a realização da prova decisiva acerca da relação biológica de paternidade com o autor.

Estando o reconhecimento da paternidade, sem resposta pelo judiciário, em face dos ardis, das negaças, da resistência injustificada, do excesso aos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. n°. 186, do Novo Código Civil - clique aqui -), e tendo o autor assegurado pela novel legislação civil, entre os direitos da personalidade, direito irrenunciável e livre de limitações voluntárias ao seu exercício, por quem quer que seja, desviando o pleito ortodoxo da investigatória de paternidade, propõe a continuação da lide, sob a forma de pleito indenizatório por perdas e danos, conforme prevê o art. n°. 11, 12, 16, 186 e 187, do Novo Código Civil Brasileiro, em sintonia com o magistério de Carmem Azambuja, ao soar:

... O caso e a razão, ou fundamento de sua decisão, não podem ser separados ou opostos de algum modo que faça sentido. O caso está marcado tanto pela sua carência de solução quanto pela razão de sua solução. Já que o jurista dispõe sobre sua decisão dos casos, aparecem-lhe os casos, sobretudo enquanto marcados pela solução. Os casos ainda não resolvidos são conduzidos pelo legislador ou também pelo juiz para esta caracterização ou marca. Da maneira como falamos até agora, poderíamos dizer que, para o caso não resolvido, ainda fica duvidosa sua pertença a uma determinada série marcada por uma decisão, mas que a questão desta pertença a uma determinada série se deixa, contudo, clarificar na continuação do processo.

Pode-se, por tudo isso, ressaltar que a natureza primordial da coisa julgada e a finalidade da jurisdição são materiais, ou seja, resolver o caso litigioso, objeto da demanda. Não composta a lide, não há como se falar em extinção da jurisdição e respectiva autoridade de coisa julgada material. A jurisdição é poder-dever de dizer o Direito, de fazer o acertamento, não podendo ficar artificialmente extinta pela mera preclusão formal, decorrente da ausência de recursos, ou a impossibilidade de fazê-lo pelo decurso do prazo. Os limites objetivos e subjetivos, em decorrência, assim baseados na vida e na lide extraprocessual, como o demonstrado e visíveis nas ações coletivas não caracterizam uma exceção. Isso comprova somente que o processo, como instrumento, é capaz de atender ao real e não ao hipotético e artificial, genérico e sem colorido próprio da norma qualificada com os fatos da vida, tipificando situações individuais e não-individuais, as quais cabe somente ao aplicador reconhecer e adequar, resultando em Justiça com Eqüidade e Igualdade Material, imprescindíveis aos nossos tempos e à metodologia moderna constitucional, presentes no processo substancial que dela deflui.

(Rumo a uma nova coisa julgada, Carmem Azambuja - pág. 129/130, Livraria do Advogado Editora)

Nesse diapasão, invocando a prática pelo Requerido de conduta típica de abuso de direito, mostra as lições de respeitável doutrina brasileira:

A culpa como elemento gerador da responsabilidade.

A Responsabilidade.

Ação e omissão.

Nexo de causalidade.

Causas de irresponsabilidade.

Abuso de direito.

Nota introdutória: A teoria do abuso do direito é um dos aspectos da responsabilidade civil por ato próprio que mais controvérsias suscita.

Três indagações fundamentais são sugeridas:

a) se é possível admitir que a ordem jurídica reprima o exercício abusivo do direito;

b) até onde será possível estabelecer que o exercício do direito pelo seu titular pode ser considerado passível de repressão ou ressarcimento;

c) se a teoria do abuso do direito é um aspecto particular da repressão ao ato ilícito ou se deve ser tratada como instituto autônomo.

Foi através da construção jurisprudencial, a partir do século passado, que os autores franceses se fixaram na aceitação da teoria, respondendo à indagação se uma pessoa pode ser responsabilizada pelo mal que eventualmente cause a outrem, quando procede no exercício do seu próprio direito.

...

O problema ligado ao limite do exercício do direito além do qual poderá ser abusivo constitui a essência da "teoria do abuso de direito".

Colocou-o muito bem Eugene Gaudemet ao sustentar que os direitos existem em razão de uma certa finalidade social e devem ser exercidos na conformidade deste objetivo. Todo direito se faz acompanhar de um dever, que é o de se exercer perseguindo a harmonia das atividades. A contravenção a este dever constitui abuso de direito ("Théorie Générale des obligations", p. 318).

Para os irmãos Mazeaud a caracterização da figura do abuso de direito toma forma quando o autor do dano exerceu um direito definido, mas além dos limites das prerrogativas que lhe são conferidas.

Quer dizer: quando alguém se contenta em exercer estas prerrogativas estará usando o seu direito. Comete abuso quando as excede. ("Responsabilité civile", vol. I, p. 550).

Para Carlos Roberto Gonçalves "a doutrina do abuso do direito não exige, para que o agente seja obrigado a indenizar o dano causado, que venha a infringir culposamente um dever preexistente. Mesmo agindo dentro do seu direito pode, não obstante, em alguns casos, ser responsabilizado". ("Responsabilidade civil", Saraiva, S. Paulo, 4ª ed., 1988, p. 43).

Prevalece, hoje, o entendimento de que o abuso de direito prescinde da idéia de culpa.

Afirma Aguiar Dias que o "abuso de direito, sob pena de se desfazer em mera expressão de fantasia, não pode ser assimilado à noção de culpa. Inócua, ou de fundo simplesmente especulativo, seria a distinção, uma vez que por invocação aos princípios da culpa se teria a reparação do dano por ele causado" (op. cit. n°. 184, vol. 2, p. 108).

Silvio Rodrigues considera que "o abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a finalidade social do direito subjetivo, e, ao utilizá-lo desconsideradamente causa dano a outrem. Aquele que exorbita no exercício do seu direito, causando prejuízo a outrem, pratica ato ilícito, ficando obrigado a reparar. Ele não viola os limites objetivos da lei, mas, embora os obedeça, desvia-se dos fins sociais a que esta se destina, do espírito que a norteia" ("Direito Civil", Saraiva, 1975, p. 49).

...

Raciocina Carlos Roberto Gonçalves para dar supedâneo a essa assertiva que "sustenta-se a existência da teoria em nosso direito positivo, mediante interpretação a contrario sensu do aludido dispositivo. Se ali está escrito não constituir ato ilícito o praticado no exercício regular de um direito reconhecido, é intuitivo que constitui ato ilícito aquele praticado no exercício irregular ou abusivo de um direito" (op. cit., p. 45).

Enfim, como se pode verificar, a teoria do abuso de direito ganhou autonomia e se aplica a todos os campos do direito, extravasando, pois, o campo da responsabilidade civil e gerando conseqüências outras que não apenas a obrigação de reparar, pecuniariamente, o prejuízo experimentado pela vítima (cf. Silvio Rodrigues, op. cit. p. 59).

Os autores alinham como comportamento abusivo as seguintes hipóteses:

...

i) o exercício egoístico, anormal do direito, sem motivos legítimos;

(in Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, Rui Stoco, Editora Revista dos Tribunais, p. 214/215).

Ainda em busca de socorro logístico e inteligência jurídica complementar aos argumentos advogados, jurisprudência e doutrina colacionados, pede vênia à V. Exª., para trazer as lições seguintes:

Formas da atividade ética

Esclarecida a natureza das normas éticas, devemos observar quantas espécies de normas desse tipo são possíveis numa sociedade. A discriminação dessas espécies de normas poderá ser feita em função das diferentes finalidades que os homens se propõem.

O filósofo alemão contemporâneo Max Scheler contrapôs à Ética formal de Kant, ou seja, à Ética do dever pelo dever, uma Ética material de valores, mostrando-nos que toda e qualquer atividade humana, enquanto intencionalmente dirigida à realização de um valor, deve ser considerada conduta ética. Pode mesmo ocorrer que o desmedido apego a um valor, em detrimento de outros, determine aberrações éticas, como é o caso dos homens que tudo sacrificam no altar do poder, da beleza, da economia etc.

Aceito o prisma schleriano do conteúdo axiológico das atividades éticas, poderemos discriminar as espécies fundamentais de normas, em função de alguns valores cardinais, que, através dos tempos, têm sido considerados o bem visado pela ação.

Dedicaremos nossa atenção final à Ética entendida em função do bem individual ou social.

Belo... Útil... Santo... Amor... Poder...

Lembraríamos, por fim, os que mais de perto nos interessam, os valores do Bem Individual e Bem Comum - Todos os homens procuram alcançar o que lhes parecer ser o "bem" ou a felicidade. O fim que se indica com a palavra "bem" corresponde a várias formas de conduta que compõem, em conjunto, o domínio da Ética. Esta, enquanto ordenação teórico-prática dos comportamentos em geral, na medida e enquanto se destinam à realização de um bem, pode ser vista sob dois prismas fundamentais:

a) o do valor da subjetividade do autor da ação;

b) o do valor da coletividade em que o indivíduo atua.

No primeiro caso, o ato é apreciado em função da intencionalidade do agente, o qual visa, antes de mais nada, à plenitude de sua subjetividade, para que esta realize como individualidade autônoma, isto é, como pessoa. A Ética, vista sob esse ângulo, que se verticaliza na consciência individual, toma o nome de Moral, que, desse modo, pode ser considerada a Ética da subjetividade, ou do bem da pessoa.

Quando, ao contrário, a ação ou conduta é analisada em função de suas relações intersubjetivas, implicando a existência de um bem social, que supera o valor do bem de cada um, numa trama de valorações objetivas, a Ética assume duas expressões distintas: a da Moral Social (Costumes e Convenções sociais); e a do Direito.

A Teoria do mínimo ético

...

A teoria do "mínimo ético" consiste em dizer que o Direito representa apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Como nem todos podem ou querem realizar de maneira espontânea as obrigações morais, é indispensável armar de força certos preceitos éticos, para que a sociedade não soçobre. A Moral, em regra, dizem os adeptos dessa doutrina, é cumprida de maneira espontânea, mas como as violações são inevitáveis, é indispensável que se impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão dos dispositivos que a comunidade considerar indispensável à paz social.

(in Lições Preliminares de Direito, Miguel Reale, Editora Saraiva, 27ª Edição, p. 37/42)

Indaga-se entre parênteses (é moral, o indivíduo negar-se ao exame de DNA, para colaborar com a determinação de uma possível relação biológica de paternidade?) ­ vide art. n°. 339, do CPC (clique aqui).

Estará esse indivíduo exercendo legitimamente um direito?

Ou, diante da situação caracterizada, tendo os processos anteriores se baseado em simples testemunhos e provas inconclusivos, em face da nova casuística sobre a coisa julgada em casos tais ­ que vem admitindo seja ela relativizada - a recusa se tipifica com a que se denomina de abuso de direito? Constituindo-se em ato ilícito? E, portanto, sendo passível de reparação, indenização, etc...

Uma vez que, toda pessoa tem direito ao nome, sem restrições ou limitações voluntárias de quem quer que seja, sendo essa a nova alvorada científica (art. n°. 11, 12 e 16, do Código Civil Brasileiro), que combinando com os princípios da paternidade responsável, da dignidade humana, da proteção à vida, à liberdade, à igualdade, à propriedade e de propriedade material e imaterial, à honra, à imagem e à segurança (art. 5°, da CF), servem de elementos de convencimento de suficiente potência jurídica, para concluir-se que o indivíduo que agiu, como agiu o Requerido, embora, aparentemente, amparado no texto da lei, na realidade, conduziu-se em manifesto e inconteste abuso de direito, devendo pela sua conduta anti-ética, imoral e injusta, ser responsabilizado civilmente, restando obrigado a indenizar o Autor, pelas perdas e danos correspondentes e equivalentes, no plano da vida, aos prejuízos materiais (assistência alimentar e direito a herança) e imateriais (com o arcamento de quantia que sirva para reparar a dor e as humilhações sofridas ao longo da vida, em razão do desprezo, do desamparo e das atitudes tidas como típicas de abuso de direito e de manifesta irresponsabilidade, com relação aos deveres de genitor), pelas perdas e danos irreparáveis causados pelo Requerido ­ em manifesta conduta de abuso de direito configuradora de ato ilícito - contra a identidade da pessoa do autor.

...

Tradução: Em artigo publicado na Jurisprudência Argentina, Eduardo Molina Quiroga e Lídia E. Viggiola, abordam esse palpitante tema sobre o direito à reparação do dano causado à identidade, afirmando:

Há direitos e prerrogativas essenciais e intransferíveis do homem e da sociedade, que ainda que não estejam expressamente consagrados na Constituição Nacional, devem ser considerados garantias implícitas e merecedores de resguardo e proteção que aquela "depara" aos explicitamente consignados. Entre eles deve, sem dúvida, incluir-se o direito de toda pessoa a conhecer sua identidade de origem. Trata-se de um direito de toda pessoa, conhecer sua identidade de origem. Trata-se de um direito humano que se conjuga com os direitos de igual natureza, a liberdade, a integridade psicofísica, a defender-se e a não se incriminar. Justamente pelo caráter medular de conhecer aqueles que o tenham "engendrado", a cada ser humano, é que resultam tão devastadores as conseqüências das barreiras postas no caminho de acesso a essa verdade. Nada duradouro parece poder perdurar a partir da ignorância consciente da verdade.

A identidade pessoal supõe ser "uno mismo" e não outro, pese à integração social. Esta "raigal" e profunda faceta da existência que é a "mismidad" de ser se "erige" num primordial interesse pessoal que requer de proteção jurídica ao lado e da mesma maneira que acontece com outros essenciais interesses pessoais, tais como a liberdade ou a vida. A vida, a liberdade e a identidade conformam uma trilogia de interesses que podemos classificar/qualificar como essenciais entre os essenciais, pelo que merecem uma privilegiada e eficaz tutela jurídica. Este direito à identidade deve ser reconhecido como um direito subjetivo pleno ou perfeito, como tem começado a suceder com o direito a intimidade familiar.

A tutela da identidade pessoal equivale à proteção da minha específica maneira de ser, do que real e verdadeiramente sou.

Não é imaginável deixar a pessoa indefesa frente a uma agressão da magnitude que adquire aquela que nega ou desnaturaliza sua verdade histórica. A proteção jurídica em princípio deve alcançar e potencialmente cobrir todos os múltiplos e complexos aspectos da rica personalidade do sujeito. A proteção deve operar cada vez que se falseie a verdade do sujeito, o que faz que ele seja tal como é.

Nessa ordem de idéias, é conveniente lembrar que a Convenção sobre os Direitos da Criança, estabelece que a criança tem o direito, na medida do possível, de conhecer a seus pais. Assim mesmo, se impõe aos Estados membros o compromisso a respeitar o direito da criança a preservar sua identidade, incluídos a nacionalidade, o nome e as relações familiares de conformidade com a lei sem "ingerências" ilícitas, e quando uma criança seja privada ilegalmente de alguns dos elementos de sua identidade.

O direito a conhecer a identidade de origem opera em nível superior, de "rango" constitucional, que transcende o concernente ao ­ estado de família ­ e revela o direito de todo indivíduo a conhecer sua verdade pessoal, sua irrepetível história que não lhe pode ser amputada ou escondida. Em tal sentido, uma recente decisão estabeleceu o reconhecimento da hierarquia constitucional do direito à identidade, incluindo-o entre os direitos enumerados do art. n°. 33 da Carta Magna. É por isso que identificar se uma pessoa é ou não é pai de outro, não forma parte do âmbito da intimidade do demandado, suposto progenitor, porque resolvê-lo afeta o direito do pretenso filho conhecer sua origem biológica. O principio de igualdade na responsabilidade paterna, nasçam os filhos dentro ou fora do matrimonio, só pode ser assegurado si se "fachita" e apóia a determinação da filiação extra-matrimonial. O ser humano tem direito a conhecer sua própria gênesis, sua procedência. Desde o mesmo momento em que o filho é engendrado, nasce uma filiação biológica e com o respectivo direito a que no momento oportuno seja revelada tal filiação biológica, de modo a permitir ostentar uma filiação jurídica.

(QUIROGA e VIGGIOLA, Eduardo Molina e Lídia E. Responsabilidade derivada do não reconhecimento do filho próprio ­ lesão do direito à identidade ­ ressarcimento do dano. Jurisprudência Argentina nº. 5829 ­ 19.5.1993.).

Ainda em auxílio argumentativo, ao convencimento judicial, é relevante que se diga, que a alegada coisa julgada material, que vem sendo ao longo das quase duas décadas de litígio, utilizada pelo Requerido, como meio impeditivo do exercício do direito do Autor, em conhecer a sua origem biológica, nos moldes em que foi decidida, em julgamento que embora tenha enfrentado o mérito, foi de improcedência por falta de provas, hoje vem sendo rotulada de "coisa julgada inconstitucional", uma vez que, se o instituto da coisa julgada, está esculpido no texto constitucional como garantia de direitos dos cidadãos, erigido com o propósito de estabilidade e paz social; a melhor exegese, ao caso concreto em tela, a alegada e invocada segurança jurídica das relações sociais, não pode ser interpretada, sem observar que a parte derrotada, também tem esse mesmo direito à segurança jurídica, mas com a possibilidade de esgotamento de todos os meios de prova em direito hoje possíveis, caso contrário, estaríamos tratando pessoas iguais de forma desigual, ferindo de morte o princípio da isonomia processual e constitucional.

O Direito Bruto está a reclamar do Direito dos Juízes soluções harmônicas e sintonizadas com a realidade da vida, considerando-se essa dentro da sua evolução histórica e científica, gerando em conseqüência a necessidade de providências pelo Direito dos Legisladores, pois o Direito Vivo, não aceita mais, decisões que não correspondam à altura da evolução das pesquisas científicas, as expectativas da dinâmica social, já que, o Direito ­ enquanto ordenação heterônoma e coercível da conduta humana - não pode contrariar as demais ciências.

É essa a resposta esperada pelo autor, já que, conforme se aprendeu o direito deve refletir no plano da vida, interpretações que sejam compatíveis com a realidade social, àquela da construção Pontiana,... de que os fatos da vida devem colorir a norma, ou as que se resumem da seguinte lição:

"O juiz fala do direito, a sua vontade manifestada pela interpretação, expressam o poder de criar o direito. Os lidadores do direito - advogados, procuradores públicos, promotores, etc... - falam sobre o direito.

O direito é uma prudência e não uma ciência!

O desafio da prudência é termos respostas demais para a mesma questão;

enquanto que, o desafio da ciência é não termos respostas para as questões.

Por isso, falamos em jurisprudência e não jurisciência.

Quem produz a norma é o juiz, através do desenvolvimento de sua atividade vinculada.

O juiz é obrigado a aplicar o texto, e ainda, o texto na moldura daqueles fatos.

A moldura não é da norma, é do texto, e do texto adaptado aos fatos, de acordo com o tempo e lugar.

O texto é apenas o ponto de partida.

Produzir a norma é interpretar o texto, buscando desvencilhá-la do seu texto.

As normas resultam da interpretação.

O código é um conjunto de possibilidades de normas.

(in Lições ao vivo, com o Doutor Eros Gilberto Grau, em palestra na UPF - Universidade de Passo Fundo, no dia 4.11.1999, citando Kelsen - Teoria Pura do Direito).

(comentários de apresentação dos Editores ­ na contracapa do livro Ética do Mundo da Célula ao Mundo da Cultura, Ed. Forense, 1988, Goffredo Telles Junior).

"... O impulso maravilhoso para os bens soberanos da vida, e a lenta formação do Mundo da Cultura (no qual se acha a ordenação jurídica) se apresentam como expressões marcantes do mais evoluído e complexo dos seres."

O que o livro quer deixar claro é que os filósofos da Moral e do Direito e os cientistas das áreas biológicas devem conjugar seus esforços, para a correta fundamentação das ordens éticas. Não podem mais os legisladores dispor da sorte humana como se o DNA não existisse.

O que de mais urgente está a reclamar atualização é a própria idéia da Ética e do Direito Natural, da Justiça e da Eqüidade.

Nas duas últimas partes do livro, o autor aborda um problema específico do conhecimento, que se resume na seguinte pergunta:

Como compreender o comportamento ético?

A resposta é curiosa e original. E o livro termina com uma conclusão inesperada e surpreendente.

Ética ­

Explicar e compreender o comportamento ético.

Para bem conhecer o comportamento ético é preciso explicá-lo e compreendê-lo.

Explicar o comportamento ético não é avaliá-lo, compará-lo, julgá-lo. Não é relacioná-lo com seus fins, seus objetivos: não é indicar sua "causa final". Não é denunciar sua significação e seu valor. Não é medir sua bondade. Não é confrontá-lo com o que ele poderia ser. Não é inferi-lo de qualquer idéia de dever.

Explicar o comportamento ético é, isto sim, revelar os nexos que o prendem aos elementos físicos de que ele depende diretamente. Em termos científicos, explicar o comportamento consiste em mostrar dentro do organismo vivo do homem, as entidades e os fatores físicos que o condicionam, e a conseqüente interação desses elementos e o meio ambiente.

Quando se conhecem as condições orgânicas e mesológicas que possibilitam ou facultam um determinado comportamento humano, dizemos: "Este comportamento está explicado". Tal afirmação não significa, porém, que o referido comportamento esteja compreendido. De fato, compreender o comportamento ético é outra cousa, como logo se verá.

Mostrar que o comportamento do ser humano (como, aliás, de todos os seres vivos) se acha sempre condicionado por um patrimônio genético é explicar esse comportamento.

De fato, o patrimônio genético não é o fator decisivo e único do desabrochamento, no decurso da vida, daquele tipo humano, geneticamente fixado. Não é o que determina, de maneira concreta, cada modalidade dos seres, cada uma de suas atitudes dentro do mundo, cada ação que vai praticar. Não é o que impõe as formas de aproveitamento, na prática do dia-a-dia, das aptidões, das potencialidades, das predisposições da herança celular.

Para compreender um comportamento ético, é preciso saber, antes de mais nada, quais foram os sentimentos que o determinaram. Pois, como já mostramos, o ser humano age de acordo com seus sentimentos.

Ora, os sentimentos resultam sempre de juízos, de julgamentos, sobre seres ou fatos. Se um ser ou fato for julgado favoravelmente, útil ou adequado aos fins visados pelo julgador, o sentimento decorrente de tal juízo será um sentimento de atração; no caso contrário, será um sentimento de repulsa.

Movido por sentimentos atrativos e por sentimentos repulsivos, o ser humano age de uma ou de outra maneira. Nos sentimentos, pois, reside o sentido dos comportamentos éticos.

Logo, o que concluímos é que os sentimentos dirigem o comportamento ético, mas a inteligência é o que determina os sentimentos.

Assim, o comportamento do autor/requerente, se explica e compreende, pelo sentimento jurídico de injustiça vivenciado pela cadeia dos fatos que resultaram do não reconhecimento da paternidade pelo Requerido, reclamando do Estado/Juiz, em sintonia com as descobertas científicas protagonizadas pelo DNA (como escrito reconhecedor da relação biológica humana), a continuação da lide, para que, com o auxílio da Assinatura da Natureza / DNA, o documento do tipo escrito reconhecedor da paternidade seja elaborado, sob a forma das reações químicas traduzidas da leitura do código genético dos implicados, já que, como já dito e sustentado alhures, com permissa vênia do Doutor Cezar Saldanha de Souza Júnior, ... A vida palpita nos DNA, que é a assinatura da natureza.

Ao fecho, retornando à colação da doutrina jurídica preambular, da mesma obra citada,...

O comportamento ético, apanágio do ser humano, se distingue do comportamento dos demais seres vivos pelo fato essencial de constituir o efeito de juízos, a conseqüência de opções. É um comportamento ditado por nossa inteligência, que está muito longe de ser a Soberana Inteligência, mas que é, apesar de tudo, uma... inteligência privilegiada, capaz de aferir e preferir, prever e prevenir, imaginar e preparar o futuro.

O que, desde logo, nos surpreende é que o comportamento ético do ser humano e o comportamento dos demais seres vivos são produtos de equipamentos orgânicos extraordinariamente parecidos.

Já tivemos oportunidade de verificar que uma rigorosa unidade existe nos arcanos do mundo vivo. Sob a poliformia dos seres que habitam a Terra e suas circunvizinhanças, há, em cada indivíduo, uma invariável maquinaria química, de dimensões microscópicas e quânticas. No minúsculo protozoário, na árvore frondosa, nas variegadas flores, na lagarta voraz, na leve andorinha, no cão amigo, no homem; na alga, no paquiderme, em Beethoven, a oficina primordial da vida é sempre a mesma. Ela é sempre a mesma, não só uma estrutura principal, mas, também, no funcionamento de suas peças constituintes (ver § 22).

A célula de uma ameba e a célula de qualquer um de nós são indústrias muito semelhantes.

Uniforme é o fenômeno da vida. Uniforme, dentro da imensa variedade de seres vivos.

Esta é uma espantosa revelação. A uniformidade fundamental da vida é uma verdade que longamente permaneceu desconhecida. Nas últimas décadas, é que pesquisadores a descobriram e a descreveram. E, até agora, muitos de nós a ignoram, ou nela não querem acreditar.

Mas, no momento em que essa verdade nos penetra e se apodera de nossa mente, uma luz se faz em nós, uma nova concepção da vida nos ilumina.

O que muda não são os fatos, evidentemente; não são as realidades da biosfera, que já existiam e que perduram. O que muda não são os equipamentos orgânicos da vida.

O que muda, de repente, é o nosso modo de ver a vida, é nosso olhar sobre os seres vivos. O que muda é o nosso entendimento, é nossa inconcussa compreensão pluralista da vida, subitamente substituída por uma extraordinária visão: uma visão unitária da vida, a visão de que todos os seres vivos ­ plantas, animais, homens ­ formam uma só classe, um só conjunto de entidades, todos como que membros de uma só família. De repente, irrompe em nós o sentimento de que todos os vivos pertencem à mesma linhagem, à mesma estirpe, porque agora tomamos consciência da primordial afinidade que os une.

Esta nova compreensão da vida é um deslumbramento para nossa inteligência.

Alguns de nós, movidos por estímulos inauditos, sempre tiveram a inefável intuição da referida unidade. Os poetas e os santos a ela se referem. Mas, agora, é a ciência que a fundamenta. Em conseqüência, ao olharmos para as plantas, os animais, os homens, o que vemos não é mais o que víamos. Passamos a nos ver ligados à vida de tudo. De certa maneira, passamos a nos sentir irmãos de todos os seres vivos.

"Somos todos irmãos, nós, os vivos. Somos irmãos, porque somos biologicamente semelhantes, na aparelhagem miraculosa de nossas células. Descobrimos, de fato, que estamos realmente relacionados uns com os outros. Um mágico engenho, sempre o mesmo, no imo de cada um de nós, irmana os viventes de todas as espécies e de todos os gêneros.

E eis que, à luz dessa visão, o critério cardeal do comportamento ético, seu sistema de referência, que sempre pareceu circunstancial e relativo, se livra das sombras que o envolviam, sai das regiões obscuras da alma humana, e emerge, iluminando-se ao sol de nossa genética fraternidade.

Sendo irmãos, é como irmãos que nos devemos tratar uns aos outros. "Todos são iguais perante a lei", diz o Direito. Tal é o mandamento sublime. Não há, em legislação nenhuma mandamento jurídico mais alto do que este.

Para compreender o comportamento ético, já o sabemos, é preciso julgá-lo, comparar o que ele é com o que deve ser, revelar sua significação. Pois bem, o comportamento ético é bom ou é mau conforme ele seja bom ou mau para os laços de nossa irmandade natural.

Só pode ser bom, à luz da ética quântica, o comportamento que trata o próximo como irmão.

Nosso próximo é nosso semelhante, eis o que nos ensina a fisiologia das células. Mais do que isto: sendo fisiologicamente semelhantes, nós e nossos próximos, nossos próximos e nossos semelhantes somos todos descendentes dos mesmos antepassados. E estes antepassados, por sua vez, hão de descender dos mesmos ancestrais. Afinal, todos nós procedemos, forçosamente, dos mesmos remotos progenitores.

Envolvendo o mundo com um novo olhar, somos levados a concluir, em síntese, que proviemos de um Princípio Único, de um só Princípio Inicial, que não saberemos nunca definir e situar, mas cuja negação nos levaria à contradição de negar a nossa própria existência.

Com realismo científico, após as descobertas modernas sobre a engenharia uniforme de todas as células, afirmamos, extasiados, mas convictos, que todos nós somos criaturas do mesmo Pai. E não seria de surpreender que, em meio do deslumbramento que nos ilumina, nossos lábios se ponham a murmurar as palavras que nos ensinaram quando éramos crianças: "Pai Nosso que estás nos céus...".

(Ética do Mundo da Célula ao Mundo da Cultura, Ed. Forense, 1988, Goffredo Telles Junior, p. 248/261).

"Se a filiação e o apelido, como atributos da personalidade, não podem ser desconhecidos legalmente, e a ordem jurídica procura sua concordância com a ordem biológica, quem ilide voluntariamente seu dever jurídico de reconhecer seu filho, resulta responsável pelos danos ocasionados a quem tem o direito de ser incluído no respectivo estado de família."

(in Direito de Família ­ Aspectos polêmicos, p. 152/153, Rolf Madaleno, Livraria do Advogado Editora.)

É pertinente, ainda, que se invoque em favor dos argumentos que se advoga, o disposto no art. n°. 409 do CPP (clique aqui)., - Se não se convencer da existência do crime ou de indício suficiente de que seja o réu o seu autor, o juiz julgará improcedente a denúncia ou a queixa.

- par. único. Enquanto não extinta a punibilidade, poderá, em qualquer tempo, ser instaurado processo contra o réu, se houver novas provas.

Processo esta palavra vem do latim Procedere - significa avançar, caminhar; daí dizermos que o Processo é o direito em movimento; é a forma do exercício do direito que se chama Ação a forma da ação; é, na frase de um célebre escritor, a guerra privada, que não acaba em uma só batalha, na qual os gladiadores se adiantam a pouco sem empregar violências, cabendo ao Juiz garantir ao vencedor os frutos da vitória. Dizia GARSONNET: processo é a "forma" que os cidadãos devem observar para obterem justiça; e os tribunais para a fazerem. ... As fórmulas são a vida da Lei, a salvaguarda da fortuna, da honra, o facho luminoso que esclarece a marcha da Justiça, do Juiz na sua missão de dar a cada um o que é seu. (citações retiradas do Livro Básico do Advogado de autoria do Dr. Manoel Fernandes Quadra, EDIOURO ­ Grupo Coquetel).

Então, festejos, alegrias, comemorações e muito trabalho, às novas alvoradas científicas ­ com a chegada no Novo Código Civil - que se vislumbram no horizonte da Nossa Pátria Amada e Mãe Gentil, Pátria Amada Brasil! (pub. no JTb Consulex, em 17 de Novembro de 2003, nº. 992, ano XX, Brasília / DF).

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*Advogado e professor



 




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